Ambiente: “Decrescimento”, proposta elitista

Preservação da natureza tornou-se bandeira essencial para superar lógicas capitalistas. É triste vê-la associada a concepções que negam direitos sociais

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Por Vicenç Navarro | Tradução: Antonio Martins | Imagem: Sebastião Salgado

Desde seu início, o movimento ambientalista teve duas vertentes ou versões. Uma assume que o maior problema relacionado à devastação da natureza deve-se ao crescimento demográfico, que, ao gerar o consumo de cada vez mais recursos, acabará tornando o planeta inabitável.

O autor mais conhecido desta tendência, que poderíamos chamar de malthusiana, é Paul Ehrlich, que termina seu famoso livro The Population Bomb com este parágrafo: “A causa mais importante da degradação ambiental em escala planetária é fácil de localizar. A raiz do problema é que cada vez há mais automóveis, mais fábricas, mais detergentes, mais pesticidas, menos água, muito dióxido de carbono – porque há gente demais no mundo”.

Desta explicação da crise ambiental, Paul Erlich deriva sua proposta de solução baseada no controle do tamanho das populações. Esta versão aparece de muitas maneiras, e com distintos matizes. Costuma estar acompanhada pela teoria da limitação dos recursos consumidos – dentre eles, os recursos energéticos seriam um exemplo claro. A futura limitação de fontes de energia não renováveis tende a ser o caso citado como sinal de alarme, pelos autores pertencentes a tal tradição.

A outra versão do movimento ecologista já não identifica tanto degradação ambiental com crescimento das populações. Prefere focar no uso de tecnologias ou substâncias tóxicas ou contaminantes, que podem ser substituídas, independentemente do crescimento da população. Um de seus expoentes foi Barry Commoner, fundador do movimento ambientalista progressista nos EUA. Diferenciando-se da versão conservadora – caracterizada pelo determinismo demográfico – ele baseou suas propostas na mudança ou substituição dos recursos e tecnologia utilizados. Questionou a inevitabilidade da degradação ambiental, que Ehrlich considerava consequência do crescimento demográfico. Barry Commoner mostrou, como exemplo da reversibilidade do dano ambiental, a redução das emissões de CO², quando se troca os caminhões por trens, no transporte de mercadorias. A substituição da energia nuclear por fontes renováveis, como a solar ou eólica, é outro caso clássico.

Em vários textos, que se converteram em clássicos, Commoner analisou a contaminação atmosférica em diversos países, desenvolvidos e subdesenvolvidos, mostrando que a variável mais importante para explicar a qualidade ambiental não era a população e sim a tecnologia utilizada. Países com população escassa podiam ser muito contaminantes; e países muito povoados não estavam fadados a devastar a natureza, pois podiam utilizar tecnologias que não afetavam negativamente o ambiente (Commoner, Barry “Rapid Population Growth and Environmental Stress” e “Population, Development, and Environment: Trends and Key Issues in the Developed Countries”, ambos publicados no International Journal of Health Services, Volume 21, 1991 e Volume 23, 1993). A população podia ser uma variável importante no crescimento da toxidade, mas o impacto da tecnologia utilizada era muitas vezes superior. Barry Commoner questionava o catastrofismo que costuma caracterizar a versão ecologista conservadora, referindo-se à melhora da condição das águas em diversos rios norte-americanos, resultado da regulação do fluxo de seus cursos.

Esta consciência levou Commoner a analisar por que algumas tecnologias eram mais utilizadas que outras. E isso o conduziu ao estudo da estrutura econômica e energética de um país. Concluiu que a estrutura de poder que sustenta cada tipo de produção é causa da degradação ambiental. Preocupava-o muito, por exemplo, a enorme concentração da propriedade das energias não-renováveis, que coincidia com a das renováveis. Daí surgia um grande problema.

As teorias do Decrescimento

Um paralelo semelhante pode ser traçado agora com algumas das teorias do “Decrescimento”. Num momento em que muitas economias não crescem, causando enormes danos, como desemprego elevado, aparecem teses econômicas para as quais o crescimento é, por natureza, maléfico, pois consome recursos que seriam finitos, cuja desaparição causará danos gravíssimos. Em contrapartida, o Decrescimento seria uma evolução positiva, forçando-nos todos a ser mais austeros no consumo. Como bilhões de seres humanos já vivem em condições de enorme austeridade, não fica claro que devem fazer seus países, exceto desincentivar que se consuma mais. A solução, portanto, seria aplicável aos países de grande consumo, comumente conhecidos como “países economicamente desenvolvidos”. É aí que se concentra a proposta de reduzir o consumo considerado desperdício de recursos finitos e insubstituíveis.

O problema é que esta proposta (tal como Barry Commoner criticava a Paul Ehrlich) assume erroneamente que há apenas um tipo de consumo e atividade econômica; e uma maneira de crescer economicamente. Não compreende, portanto, que o “crescimento” é uma categoria contábil, cujo caráter, genérico, diz muito pouco. Pode-se crescer economicamente produzindo prisões e tanques de guerra; e pode-se crescer construindo escolas e investigando as curas para o câncer. Pode-se crescer construindo mais arranha-céus ou transformando as edificações já existentes, para que economizem energia e se tornem mais habitáveis. Ser anti-crescimento, sem qualificar o que se quer fazer, expressa um certo imobilismo, que prejudicará os mais frágeis na sociedade. É o que já observamos agora, quando as sociedades estão decrescendo.

A questão não está, portanto, em contrapor crescimento a decrescimento – mas em que tipo de crescimento, para que e para quem. As necessidades da população mundial são gigantescas. Exigir que o mundo deixe de crescer é negar a possibilidade de melhorar. Nem é preciso dizer que já existem recursos suficiente para permitir vida digna a todos os cidadãos do mundo. Tornar real esta possibilidade exigirá uma enorme redistribuição dos recursos – necessária, porém insuficiente, porque será preciso produzir mais e melhor, para satisfazer necessidades definidas democraticamente.

Esta redistribuição não passa necessariamente por uma redução do crescimento nos países desenvolvidos, como algumas vozes das campanhas pelo decrescimento sugerem. Na verdade, o tema relevante não é o crescimento, mas o tipo do crescimento. Substituir o transporte individual pelo coletivo, ou mesmo o carro movido a combustíveis fósseis pelo elétrico, não pressupõe crescimento menor, mas de outra natureza.

É isso que alguns defensores do decrescimento parecem ignorar. É necessário redefinir o que se entende por crescimento, mas parece-me errado assumir que há uma única forma de crescer e concluir, com isso, que o crescimento econômico é intrinsecamente negativo. Como também parece errado assumir que a inteligência humana – posta a serviço das necessidades da população, ao invés de ampliar a acumulação do capital – não possa redefinir os recursos materiais, de maneira que enriqueçam a qualidade ambiental do planeta, em vez de degradá-la. Já há muitos exemplos desta possibilidade, como bem documentou Barry Commoner.

Uma última observação. Nada do que disse deve ser interpretado como diluição de meu compromisso com a necessidade de tomar medidas radicais para prevenir a degradação ambiental. Aplaudo o esforço dos movimentos ambientalistas para conscientizar a cidadania sobre o grave problema criado pelo crescimento atual – pouco respeitoso, quando não hostil, à natureza, onde vivem as populações.

Mas este mesmo compromisso exige que eu seja crítico com as vozes que me parecem desejar nostalgicamente um mundo passado, negando a possibilidade do progresso. Há muitos anos, debati com Ivan Illich, criticando sua postura oposta à universalização dos serviços de Saúde — por considerar que negavam ao ser humano sua característica de ser autônomo, criando dependências em relação ao sistema médico. Este olhar para trás pode converter-se facilmente em mera atitude regressiva. É aqui que, temo, pode chegar este discurso anti-crescimento.

É preciso exigir outro tipo de crescimento – que responda às necessidades humanas e não à necessidade de acumular capital. Mas isso é muito diferente de paralisar o crescimento – o que seria um erro profundo.

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14 comentários para "Ambiente: “Decrescimento”, proposta elitista"

  1. pimpogo sagaz disse:

    A solução para esse problema,de crescimento desordenado,virão ao seu tempo com medidas tomadas no tranco. Quem viver verá e, com certeza,
    não serão essas pessoas que hoje preveem essa necessidade. A caminhada para o caos global é inevitável… Traduzindo: O fim será triste!

  2. stellamig disse:

    Sem dúvida, isso respondeu uma pergunta que eu faria, dado que não sou da área, mas li Georgescu e não entendi a correlação das ideias postas no artigo, que sequer mencionou esse autor embora esteja usando o termo decrescimento desde o título. não compreendo como ele conseguiu eliminar a citação, elegendo determinados autores. tendencioso tavez, ou falta uma melhor explicação. obrigada!

  3. Se o foco é o decrescimento demográfico, este já existe em termos comparativo com o passado pois hoje crescemos muito menos que
    no passado.porém em números sejamos mais .Não obstante isto, deve-se
    levar em consideração que existe um crescimento minimo que uma população deve ter para que não se extinga. Embora seja uma preocupação o crescimento demográfico face os recursos limitados a ciência,tecnologia a serviço da humanidade, educação e consciência social e igualdade na partilha dos recursos podem contribuir para um crescimento estável e sustentável tanto para a humanidade como para seus recursos naturais.

  4. Vavá disse:

    Uma discussão mais profunda e critica sobre a teoria elitista do decrescimento encontra-se aqui – http://passapalavra.info/2013/09/83316

  5. edson vargas de oliveira disse:

    Seleção natural. Estamos indo para isso, pois quando o Planeta se sentir ameaçado ele se equilibrará com seus mecanismos naturais, como: uma doença que dizimará populações inteiras, terremotos, vulcões, maremotos, incêndios, pragas nas plantações, etc…etc…. e o homem, os que sobrarem, recomeçarão tudo. Esperemos que com isso tenham aprendido a conservar a sua casa de forma sustentável, permitindo uma vida digna para todos, durante seu tempo de vida. As vaidades da riqueza, da beleza, do poder, etc.. etc… deixarão de existir e, com isso, tudo o que existe na natureza será preservado para a sobrevivência da espécie. Atualmente nenhuma teoria será colocada em prática, pois o caminho da humanidade já esta traçada e, o fim ou quase fim, não está tão longe assim. Acredito que não passe de 200 anos. Os EUA serão o primeiro pais que começara o equilíbrio da natureza, com o uso das armas atômicas para tentar manter seu “status quo” e serão os primeiros a serem dizimados, por pura culpa. Que assim seja.

  6. Fabio disse:

    Que tal um pouco de pragmatismo? Os 7 bilhoes pararem de jogar lixo onde não devem, isso inclui mares e rios. “Pq um diacho de presidente não vem a público e diz: não joguem lixo na rua, porra!”. Frear a violência. Sim violência aumenta a poluição. Mais armas, mais grades, mais ferros, mais aço, mais energia, mais portões, mais travas, mais viaturas, mais controle, ao invés simplesmente de se cultivar mais hortas. Troque seu portão por uma horta. Não se cortar uma arvore sequer para se passar mais asfalto. Fazer de praças e bosques santuários sagrados. Mais áreas verdes. Mais natureza. Liberar patentes para as novas tecnologias.

  7. Nadia disse:

    Leo, não acho que fiz um comentário agressivo. E a análise deixa sim várias brechas pelo autor possivelmente desconhecer o decrescimento, conforme muitas pessoas apontaram aqui nos comentários.
    Quando ele diz “Mas este mesmo compromisso exige que eu seja crítico com as vozes que me parecem desejar nostalgicamente um mundo passado, negando a possibilidade do progresso”. Se essas “vozes” que ele está se referindo não é em relação ao descrescimento, sobre o que é?

  8. LEO disse:

    Nadia, acho que vc está um pouco enganada. O decrescimento não é apenas “não crescer”, como você afirmou. Esta seria a definição de Estado Estacionário (veja Herman Daly, que é considerado o pai da economia ecológica).
    O descrescimento foi inspirado nas ideias de Nicholas Georgescu, lá do início da década de 70. Ele já havia dito que o estado estacionário não poderia ser apresentado como a salvação econômica, com base na compreensão das leis da termodinâmica.
    O movimento realmente defende uma revisão de valores que implicaria o abandono da cultura do consumo. Mas o autor do artigo acima não discorda disso. Ele também não falou que qualquer modelo de decrescimento nega a possibilidade de progresso. Se vc ler com calma, vai perceber que ele está se referindo a “algumas teorias do decrescimento” e está fazendo as críticas a teorias com abordagens específicas que ele descreveu.
    Cuidado quando fizer comentários agressivos, pois vc pode não ter compreendido muito bem a análise que foi feita.

  9. igorshc disse:

    Questionar o dogma do crescimento econômico parece mesmo uma heresia, mesmo dentro da esquerda… até quando?

  10. Dan disse:

    Sigo os debates da rede Decrescimento no Brasil e suas propostas não condizem com o conteúdo desse artigo. Me pergunto, no entanto, se não haveria uma “linha conservadora” da corrente do decrescimento (economista André Lara Resende)? Que outras Palavras da rede Decrescimento possam ser lidas por aqui.

  11. Miguel Jorge Machado de Souza disse:

    Penso que o autor está confundindo crescimento com desenvolvimento. Não é mais possível manter o mesmo paradigma quando se trata do tema, e jogar a solução para a tecnologia resolver. É preciso mudar o paradigma.

  12. michelesato disse:

    Bem, o problema que ele aponta da demografia é bastante questionável, já que há vários estudos comprovando que os 20% ricos consomem os 80% dos recursos. O Barry Commoner, tão citado pelo autor, tem uma fórmula que afere o impacto ambiental pelo tamanho da população, PIB e tecnologia. Por meio desta proposta o francês erradicado no Brasil, Ignacy Sachs calculou o consumo de energia comercial dos bebês de vários locais do mundo – entre países ricos e pobres. Os resultados revelam, novamente, que não é o tamanho da população que causa maior impacto, mas sim o CONSUMO EXAGERADO da minoria. E o que nós, ecologistas, queremos talvez resida na proposta do Schumacher: “the small is beautiful”! Não somos contrários à qualidade de vida das pessoas, mas não precisa da ganância do lucro que moveu a humanidade. Enfim, se Nelson Rodrigues estiver correto, a unanimidade do texto não existe! Discordo do autor! Qaulquer dia vou escrever pra “Outras Palavras”. Abraços

  13. Alan disse:

    Vicenç faz uma leitura parcial e equivocada do movimento pelo decrescimento. A literatura do decrescimento, tanto em artigos acadêmicos como em livros, como em panfletos deixa bastante claro que o decrescimento não é o oposto simétrico de crescimento, como parece entender Vicenç. Ao contrário, o decrescimento confronta, sobretudo, qualitativamente o paradigma do crescimento econômico. Este texto de Vicenç demonstra que ele tem muita sinergia com o movimento pelo decrescimento defende. Basta ler a bibliografia para entender isso.

  14. Nadia disse:

    Como vc diz, “crescimento menor” e “negando a possibilidade de progresso” parece que não entende muito o que é o decrescimento.O decrescimento não significa “crescer negativamente” como sugere o termo, mas “não crescer”. A grande crítica deste movimento questiona os indicadores de crescimento como parâmetro para políticas públicas. Pena que você não citou um dos principais expoentes: Serge Latouche.
    A substituição do transporte coletivo, investimento em áreas públicas, museus, bibliotecas etc. ou seja, tudo aquilo que contraria a cultura de consumo desenfreada é o que prega esse movimento. Mas ok, vc não quer saber, senão teria pesquisado o mínimo do mínimo.

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