O SUS diante das novas tecnologias médicas
Decifra-me ou te devoro! Uma nova onda de inovações – a Medicina de Dados – desponta. Seu sentido é incerto. Pode oferecer bem-estar e terapias revolucionárias; mas ameaça aprofundar o apartheid sanitário. Poderá a Saúde Pública apropriar-se delas?
Publicado 17/08/2021 às 20:16 - Atualizado 15/02/2022 às 14:01
Luiz Vianna Sobrinho e Naomar de Almeida Filho, entrevistados por Antonio Martins
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> O texto a seguir foi construído a partir de entrevista com Luiz Vianna Sobrinho e Naomar de Almeida Filho, que está transcrita ao seu final. Acesse também as versões em vídeo (link acima) ou podcast (abaixo).
> O projeto Resgate, por meio do qual Outras Palavras quer debater ideias-força para a reconstrução do Brasil em novas bases, pode ser conhecido aqui.
Se, num novo contexto político, o SUS precisa estabelecer o paradigma brasileiro de serviços públicos de excelência, que relação ele manterá com os desenvolvimentos tecnológicos recentes do cuidado à Saúde? Em especial, como ele lidará com a emergência da chamada Medicina de Dados, cujos potenciais terapêuticos são muito promissores – mas que parece tão imbricada com invasão de privacidade, colonialismo digital, privatização e apartheid sanitário? A partir desta questão crucial, o médico e escritor Luiz Vianna Sobrinho e o pesquisador Naomar de Almeida Filho, ex-reitor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), travaram um diálogo memorável, em 16 de agosto. Seu encontro faz parte do projeto Resgate, por meio do qual Outras Palavras busca refletir sobre a reconstrução do Brasil em novas bases, após a derrota do fascismo – que a cada dia parece mais possível.
Luiz Vianna abriu o diálogo. Autor de Medicina financeira, a ética estilhaçada e do O ocaso da clínica – a Medicina de dados, a ser lançado em 24/8, ele faz também, no livro mais recente, uma crítica fraterna (porém, cortante) ao movimento pela Reforma Sanitária. Considera que este menosprezou a potência da Biomedicina – o conjunto de conhecimentos e tecnologias normalmente associado ao que se chama de “cura médica”. Associada a um conceito de Saúde que vai muito além da “ausência de enfermidades”, a Reforma mira as causas sociais do adoecimento e, por isso, tira o médico do centro dos procedimentos sanitários. Bebendo de pensadores como Michael Foucault e Ivan Illitch, tende a enxergar sua supremacia como expressão de uma Saúde cientificista e reprodutora das relações capitalistas. Teria, contudo, deixado de enxergar uma transformação essencial, havida a partir dos anos 1980.
Trata-se, para Luiz, de um “boom tecnológico” da Biomedicina, que introduziu avanços diagnósticos e terapêuticos suficientemente fortes, segundo ele, para “revolucionar os próprios resultados” do enfrentamento a doenças muito comuns. Ao colocar toda a ênfase na atenção primária, o sanitarismo teria deixado de lutar para que os hospitais públicos oferecessem tais benefícios às maiorias.
E esta brecha teria sido aproveitada pela medicina privada. Os anos 1990 são, por sinal, os da emergência dos planos de saúde. “O SUS nasce e amputam-lhe as pernas”, lembra Luiz. Os hospitais públicos são sucateados. O Estado estimula – com subsídios, renúncias fiscais e leis protetoras – o novo mercado da Saúde. Impulsionado pelas novas tecnologias e amparado pelos favores institucionais, este cresce exponencialmente. É incentivado, inclusive, no período dos governos de esquerda. E o fato de se orientar pela lógica do lucro acentua suas piores características: exclusão social, apelo à busca de saídas individuais, associação da Saúde a uma mercadoria que se compra.
Igualmente notável, acrescenta Luiz Vianna – e este é o tema central de seu novo livro – é o fato de que começa, na virada do século, uma nova transformação. É o surgimento da Medicina de Dados. Agora, é o próprio capital quem desloca o médico do centro dos cuidados. Mas põe em seu lugar não a humanidade do cuidado igualitário, feito por equipes multiprofissionais – e sim o algorítimo, a inteligência artificial, o deep learning e… a lógica da gestão. “Acabou a figura do médico à beira do leito”, diz o autor. A possibilidade de analisar exames, chegar a diagnósticos ou prescrever tratamentos comparando um caso clínico qualquer com centenas de milhares de outros multiplica os recursos da Medicina. Mas o profissional médico perde totalmente o controle, porque não pode acompanhar tantos dados – “apenas as grandes corporações o fazem”, frisa Luiz Vianna. E elas empregam estes mesmos algoritmos para colocar no centro de sua ação não o cuidado, mas o resultado financeiro. A Medicina está arriscada a se converter em mera gestão dos custos e lucros que cada procedimento produzirá, segundo cálculos probabilísticos, pensa o médico.
Naomar de Almeida acrescentou erudição e contexto a estas provocações. Frisou que, epidemiólogo, a análise em massa de dados sempre foi parte de seu metiê. Lembrou de que, há poucas décadas, ainda no doutorado, lidava com a necessidade de perfurar cartões, entregá-los a leituras que se estendiam por dias – e podiam exigir repetições –, feitas em computadores que ocupavam andares inteiros. À época, explicou, o pesquisador precisava escolher criteriosamente que análises de dados solicitar às máquinas. Agora, seu trabalho é o oposto. As análises oferecidas pelos sistemas são tão abundantes que é preciso escolher, em sua profusão, as que têm relevância.
Mas Naomar aconselhou, também, a desconfiar dos algoritmos. “Inteligência artificial”, frisou ele, é um termo impróprio. A capacidade de resolver problemas, exibida pelas máquinas, não decorre de uma suposta capacidade de encontrar soluções inovadoras, mas apenas da velocidade de processamento. Um software vence um humano numa partida de xadrez porque é capaz de comparar, no tempo da movida de uma peça, uma massa incomparavelmente maior de alternativas. Ao analisar uma imagem clínica, um sistema de inteligência artificial tem a mesma vantagem.
Mas quem programa os sistemas? Os algoritmos, todos sabemos, não costumam ser neutros. Nas redes sociais, por exemplo, privilegiam as postagens capazes de suscitar polêmicas – mesmo que irrelevantes e corrosivas – pois isto multiplica respostas, interações e… a exibição de publicidade. E serão neutros os algoritmos da Medicina de Dados? Se o objetivo empresarial desta prática, como mostrou Luiz Vianna, é executar uma “gestão da Saúde” que amplie ao máximo os resultados financeiros, por que os sistemas não seriam programados para recomendar os tratamentos mais lucrativos, preterindo os mais capazes de preservar a vida? Ou a recomendar medicamentos produzidos por corporações parceiras das que fazem o diagnóstico?
Naomar de Almeida relatou que, ao assumir a reitoria da UFBA, em 2002, incorporou às suas preocupações a de educador. E preocupa-se em criar meios para que as novas gerações de médicos sejam capazes não apenas de executar os procedimentos recomendados pelos algorítimos – mas de exercer juízo crítico sobre tais recomendações. Ao interagir com Ilara Hammerli, que assistia ao diálogo, lembrou do conceito de híbridos, proposto pelo filósofo Bruno Latour, para destacar que provavelmente a conjunção de máquinas e humanos seja, no campo da clínica, uma excelente alternativa ao uso acrítico de algorítimos.
* * *
De que forma a Medicina de Dados afetará a Saúde Pública no Brasil? Luiz Vianna enxerga uma ameaça nítida no horizonte. Para ele, corporações como a norte-americana United Health – que adquiriu a Amil em 2012 – desejam substituir o SUS (possivelmente fagocitando-o em parte) junto às maiorias. Elas acalentam, possivelmente, planos de oferecer atendimento em massa contando com inteligência artificial – deixando, portanto de dispender com profissionais de Saúde. Poderiam fazê-lo por meio de “planos populares”, como os que o líder do governo Bolsonaro na Câmara, Ricardo Barros, tentou aprovar quando ministro da Saúde (de Michel Temer).
E a Saúde Pública – poderia servir-se de alguma maneira da Medicina de Dados com propósitos opostos aos das corporações médicas? Para, por exemplo, evitar o apartheid sanitário? Para garantir que os algorítimos sejam concebidos em favor do bem-estar das maiorias e da diversidade de opções terapêuticas? Para bloquear o colonialismo de dados?
Seria a Reforma Sanitária capaz de se fortalecer incorporando antropofagicamente as novas tecnologias? Esta parece ser a pergunta que ecoa do diálogo entre Luiz Vianna Sobrinho e Naomar de Almeida Filho.
Eis a transcrição do diálogo:
Antonio Martins: Oi pessoal, boa noite! Eu sou o Antonio Martins do site Outras Palavras. Esse é o nosso projeto Resgate, já entrando na terceira ou quarta semana e voltando a discutir a saúde pública, o SUS, paradigma de serviço público, a importância de enxergá-lo, de refletir sobre ele, de defendê-lo e, ao mesmo tempo, de identificar as lacunas, os caminhos por onde ele possa avançar.
O Resgate parte da ideia de que se tornou possível vencer o pesadelo fascista sobre o qual nós estamos. Não vai ser fácil, não é uma questão fechada, está em aberto, mas é possível. A sociedade brasileira pode ter esperança nessa luta. Mas o resgate parte também da ideia que essa vitória não pode significar a volta ao velho normal, porque o velho normal nos trouxe ao fundo do poço, o velho normal significa os quinhentos e vinte anos de colonialismo, significa a inserção num capitalismo periférico e dependente, significa os quarenta últimos anos de neoliberalismo fiscal.
Inclusive, nós, ao discutirmos o SUS, fizemos um breve balanço da experiência da reforma sanitária, discutimos o subfinanciamento, as maneiras de enfrentá-lo. Discutimos aspectos específicos, sempre na perspectiva de propor um novo SUS como um paradigma do que podem ser os serviços públicos de excelência para o Brasil. Essa é a perspectiva. Discutimos atenção primária, os gargalos na atenção secundária, os problemas, a privatização interna do SUS, problemas de gestão, e nos chamou muito atenção um debate, eu peço desculpas para vocês e para quem está nos assistindo, porque certamente nessa descrição eu vou cometer erros conceituais, mas eu vou tentar apresentar uma visão política disso.
O Luiz Vianna Sobrinho é médico e também pesquisador do curso de gestão pública para o desenvolvimento econômico e social da UFRJ, eu confundi aqui a sigla que eu encontrei no site do CEBS, mas depois você explica direitinho. O Luiz é o autor de um livro muito importante que se chamar “Medicina Financeira – a Ética Estilhaçada” e agora está recém-publicando um novo livro “Medicina de dados – ocaso da clínica”. Numa resenha desse livro, essa resenha nos chamou atenção porque ele justamente sugeria – desculpem a minha imprecisão – agora que a visão de cuidado à saúde, embora a reforma sanitária tivesse intenções de distribuição, de igualitarismo e de transformação do cuidado à saúde, muito avançadas, ela errou em considerar que o modelo de atenção à saúde, centrado na clínica médica, centrado no médico, entraria em declínio. E ela descuidou, pelo que eu entendi da resenha e de uma breve leitura do livro do Luiz, descuidou de oferecer à população essa clínica médica. Isso abriu o espaço para o mercado privado, para a financeirização da medicina, para uma medicina de gestão que ele fala em diversos pontos do seu livro.
Nós estaríamos vivendo uma outra virada, agora, que seria o que ele chama de “ocaso da clínica”, é o título do seu livro que talvez coloque a concepção da Reforma Sanitária numa situação ainda mais difícil. E é isso que eu apresentei aqui, de maneira muito esquemática, e que ele vai tentar expor aqui em 15 minutos.
E nós temos a satisfação muito grande de contar também com o Naomar de Almeida. O Naomar é professor da Universidade Federal da Bahia, ele foi reitor da Universidade Federal da Bahia, de 2002 a 2010, por oito anos, e ele foi um dos implantadores da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB). O Naomar escreveu, há pouco, aliás, foi entrevistado, há pouco, pela revista da FAPESP onde, ao discutir o cuidado à pandemia, ele apresentou uma visão um pouco diferente da visão do Luiz. Ele chamou atenção, justamente, para o fato da pandemia mostrar que a doença é um fenômeno de múltiplas causas, que você identificar apenas a a causa, o patógeno, é muito redutor e que a estratégia, no Brasil, de combate à pandemia, além do negacionismo do Bolsonaro, ela foi marcada por uma visão que apostou na alta tecnologia das UTIs e deixou de estar na capilaridade e no contato com a população, que poderia ter sido proporcionado pela atenção básica, em especial pelas equipes de saúde da família.
São duas concepções distintas, de duas pessoas muito implicadas na luta pela saúde pública. Então, esse diálogo pode ser muito rico para a gente discutir um SUS, a defesa de um SUS, mas um SUS ampliado e fortalecido. Me desculpem vocês todos pela simplificações. E mais, nós estamos muito felizes de trazer esse debate, que é um debate extremamente qualificado, para o público do Outras Palavras e para o esforço do Resgate. Então, Luiz, você tem a palavra aqui, por quinze minutos.
Luiz Vianna: Bom, boa noite a todas e todos. Eu agradeço muito, ao Antonio, esse convite. Eu acompanho o site Outras Palavras e também o Outra Saúde, as notícias, sempre muito atuais, do que vem acontecendo na saúde no Brasil. E esse convite, em 48 horas, para me apresentar, vamos dizer assim, a uma segunda banca de doutorado aqui na frente do professor Naomar, é uma honra além de um desafio, me deixou o fim de semana bem tenso, eu acredito que hoje, talvez, eu durma melhor.
Mas, ao contrário do que o Antonio falou, eu acho que vai concordar com isso, com o pensamento do professor, não creio que a gente vai discordar de muita coisa, que pelo menos não é minha intenção desde nunca. Eu vou tentar resumir, em quinze minutos, e arrumar um pouco o que eu penso e o que eu falei nesse meu livro, que são três artigos que resultaram do meu doutorado.
E fazer, mais ou menos, um resumo da minha trajetória e do que eu penso sobre a medicina contemporânea. Eu não estudo muito passado da medicina, acho que já tem muita coisa sobre isso, e como ela vem no século vinte e chega ao momento em que eu entrei na medicina. Então, é a partir daí que eu que começo a estudar medicina, que é justamente num momento de cisão entre o movimento sanitário e o que se chamou de biomedicina. Eu falo isso porque eu entrei, eu fui durante uma década, uma década e meia, apenas médico, e no começo dos anos 2000 eu entrei na Escola Nacional de Saúde Pública pra estudar bioética e vivi esse conflito desde o início, onde eu era, no meio médico, nos hospitais, aquele que lia saúde coletiva ou tinha um pensamento mais voltado pro sanitarismo, e quando eu chegava na Escola Nacional de Saúde Pública eu era apontado como o médico. Isso me causou sempre um estranhamento grande, e eu comecei a entender algumas… eu comecei a ler, justamente, a estudar, quer dizer, o que aconteceu com a reforma sanitária, na década de oitenta e noventa, que nos afastou tanto, né? Que afastou tanto os médicos do movimento sanitário.
Bom, tem todo o histórico da penetração do médico, da gente pensar desde os clássicos, lá da década de setenta, justificá-los, na inserção do médico no modelo do capitalismo, da permanência do modelo, na reprodução do modelo, de prática de medicina do capital, mas eu acho que a condição de fatores históricos, nas últimas duas décadas, quer dizer, do ponto de vista da reforma sanitária, a gente teve a criação do SUS, já foi falado aqui, já foi recordado isso aqui na semana passada, em alguns debates, quer dizer, o SUS nasce na década de oitenta e praticamente lhe amputam as pernas.
Primeiro governo, governo Collor, o primeiro ministro que era totalmente contra o SUS. Então assim, o SUS já nasce com a quebra no seu financiamento e com o primeiro ministro dizendo que era contra o SUS. Eu comecei a ver as causas desse, vamos dizer assim, desse estrangulamento do SUS, que já veio num momento que eu vivi, na década de oitenta, onde a ideologia que se passava nas televisões, o tempo todo, era um combate à medicina pública, feita nos hospitais públicos, e foram os hospitais que eu me preparei pra trabalhar, quando entrei na faculdade, no começo da década de oitenta, e que foram dilapidados.
Então, primeiro os trabalhos da professora …, da UFMG mostrando como parque hospitalar, tudo isso acontece junto. No Parque Hospitalar Brasileiro, ele é dilapidado ao longo da década de oitenta. Retira-se o financiamento desses hospitais públicos ao mesmo tempo em que é financiada a rede privada, que nasce na década de noventa. E enquanto você estrangula o orçamento do SUS, no começo da década de noventa, você amadurece e concentra os grupos privados, que já lidavam com saúde, que acabam organizando esse mercado ao longo da década de noventa, com o final, com a inauguração da ANS, da lei 9656, que regula os planos de saúde.
Bom, nessa época que eu entro no estudo da medicina. Então eu começo a perceber que já existe essa cisão grande, essa questão grande, do sanitarismo contra um modelo cientificista, da biomedicina, colocando teoricamente como se esse modelo, além de toda questão, vamos dizer assim, política, ideológica, de ser uma medicina voltada para o mercado, mas com um gancho muito forte sobre uma visão cientificista da biomedicina.
Então, dizendo que inclusive essa tecnologia, a gente tem que lembrar que também nesse período da década de oitenta, noventa, havia o bom tecnológico da medicina, que foi o boom que eu vivi na minha formação, a chegada de insumos, diagnósticos e terapêuticos, que revolucionaram inclusive os resultados. Quando a gente vai ler lá o texto de Ilicht , que fala dos resultados tão ruins da medicina, isso vai por água abaixo na década de oitenta, noventa, quando você começa a ter uma medicina muito eficaz, com resultados estrondosos no diagnóstico, em terapias, por conta da tecnologia.
E se dizer que essa tecnologia, esse foi o primeiro assunto que eu escutei, nos corredores da Enf a tecnologia havia afastado os médicos dos pacientes e eu não concordava com isso porque eu apenas enxergava isso como um estetoscópio mais sofisticado, na verdade o afastamento dos médicos pacientes era uma questão, que eu acho, que era social, que perpassava toda a cultura no final do século XX, em todas as profissões, nas relações sociais, todos os livros que a gente vai ver, o narcisismo, o individualismo que cresce no final do século XX, e isso atingiu, também, eu acho que a classe média, a classe profissional.
Bem, e foi muito cômodo ao mercado também, nesse momento, a gente lembrar que vem desde a política de Alma Ata, quer dizer, o projeto da reforma sanitária se empenha numa causa muito primária e emplaca toda a sua política, impõe toda a sua força, já que havia uma luta política grande no Congresso, na década de noventa, para a regulamentação das leis que ficaram em aberto, para a instalação do SUS. Então, enquanto o movimento sanitário se empenhava para emplacar e implantar a atenção primária, o mercado optou por, vamos dizer assim, além de financiar a sua rede hospitalar e desenvolver essa rede hospitalar, conquistar a classe médica, obviamente, com a sua política de mercado, embora saindo, os médicos ainda tinham na cabeça que eles eram profissionais liberais, mas é um momento que também o mercado e a corporações começam a conquistar a classe médica para um um trabalho assalariado de massa, dentro desse perfil de crescimento da rede hospitalar privada e de contratação.
Então, eu acho que, quando eu faço uma crítica, eu não faço uma segmentação, eu não acho que esse é o problema. Eu lembro, do primeiro texto do professor Birman, que inaugura a revista Phisys, ele fala, olha, nós temos que tirar a biomedicina como foco principal da medicina, a coisa tem que ser distribuída por igual, mas o que eu acho que aconteceu foi uma exclusão. E essa exclusão eu sentia no tratamento que eu recebi ainda no começo dos anos 2000, na própria Enf… “aquele ali é o médico, o médico da biomedicina”. Quer dizer então, se privilegiou a atenção primária – eu estou falando muito rápido, uma coisa que eu desenvolvo em, sei lá, trinta páginas, na minha tese – quer dizer, se privilegiou a atenção primária, mas você acaba afastando a medicina terciária e até hoje é o grande problema, nunca mais, quer dizer, não houve uma luta política para que se permanecesse, vamos dizer assim, na estrutura da medicina brasileira também a atenção terciária. A luta por leitos hospitalares que estão congelados, desde a década de setenta, a luta pela alta complexidade, que a gente só conseguiu manter em ilhas, né? Em ilhas de funcionamento, em hospitais universitários e até hoje é o gargalo do SUS.
O método diagnóstico, a medicina de segundo grau, quer dizer, quando a gente olha para o modelo inglês, onde se inspirou o modelo do Sistema Único, eles têm uma atenção primária excelente, mas eles têm alta complexidade, quer dizer, a própria Cuba, que tem resultados excelentes de saúde, tem, com todas as dificuldades econômicas que passa o país, tem também a medicina de alta complexidade, e isso está dentro do esqueleto de organização temporal, eu não acredito que lá haja esse modelo.
Eu percebo que no Brasil, ainda hoje, talvez um pouco menos, antes mais, nos anos 2000, há uma cisão muito grande e a gente viu esse reflexo quando a tentativa de implantação do Mais Médicos no Brasil, como a classe, se é que a gente pode dizer dessa forma, como a classe médica foi contra isso, como a classe médica se posicionou. Agora a gente tem que partir desse desse preâmbulo, desse primeiro momento, da década de oitenta, noventa, eu vejo que eles estão muito distintos, chegar aos anos 2000, onde você tem uma mudança na medicina, uma mudança na medicina que vai refletir também na saúde coletiva, que é a chegada da medicina baseada em evidência, com as técnicas de Medcare, que muda inclusive o modelo de pensar do médico e esse é o ponto que eu acho que é mais importante pra gente pensar na medicina hoje, porque ela começa a preparar o pensamento médico para o trabalho em cima de algoritmos, para uma retirada da autonomia do médico sob o saber. Cientificamente é um método, vamos dizer assim, do ponto de vista científico, é mais correto, mas você começa a dar poderes a um algoritmo abstrato que é quem vai decidir, e vamos dizer assim, os melhores caminhos ou as maiores decisões no campo médico.
Isso muda a maneira do próprio médico pensar em medicina, e possibilita a uma redução de todo o trabalho médico a questão dos dados. Isso acontece nos anos 2000 – eu acho que eu já corri muito do meu tempo, eu vou ter que falar na última parte, no final – quer dizer, a chegada da medicina baseada em dados.
Antonio Martins: Luiz, fica tranquilo com o tempo, você está falando coisas importantíssimas aqui, fica tranquilo.
Luiz Vianna Sobrinho: Tá. Então nós temos, nos anos 2000, por um lado a medicina, chegando esse novo modelo, quer dizer, eu que entrei na faculdade ouvindo na experiência daquele doutor, era o que se falava, quer dizer, na virada dos anos 2000, a experiência profissional cai para um valor secundário, onde você começa a botar níveis de evidência ou trabalhos e multicentros, quer dizer, como a gente observa hoje como isso é importante, na epidemia do Covid a questão da opinião científica, de estudos multicêntricos, eu não estou questionando o valor científico disso, mas eu estou mostrando que isso já é um preparo, uma mudança na forma do médico pensar em medicina, e agora começa a balizar o seu raciocínio em cima de, vamos dizer assim, de valores estatísticos que ele não decide mais.
Acabou a intuição médica à beira do leito, quando muito, ele faz diagnóstico. Estou tentando ser muito rápido numa coisa que é muito complexa, que é muito difícil também de entender, mas isso prepara para um novo momento em que você consegue trabalhar a medicina a partir de dados. Você consegue desenvolver inclusive novos modelos de financiamento, de remuneração, que é o que nasce no final dos anos 2000, da década de 2010, que é a medicina baseada em valor. Então você consegue tornar possível uma gestão de todo o trabalho médico, e de todo o resultado médico, a partir da sua redução de dados. Você consegue trazer o que está se chamando hoje de sociedade do desempenho, você consegue parametrizar a performance médica, performance serviço. Eu começo a ver alguns insights que me me fazem pensar nisso, quando eu chego numa unidade de terapia intensiva, na virada dos anos 2000, e vi um médico que estava vigiando um pós-operatório, de um paciente de cirurgia cardíaca, com duas telas de computador ligadas. Em uma tela ele tinha as curvas de pressão do outro paciente, na outra tela ele estava acompanhada as ações dele na bolsa. Isso tem um valor significativo, isso passa a ser uma cultura. É a cultura financeira, cultura de acompanhamento, de parâmetros dados, que entra num modelo também de gestão.
Então o médico hoje, que passa a ser um coordenador de serviço, ele não pode deixar de também ser o gestor financeiro daquele serviço. Um outro exemplo que eu vi, foi uma apresentação de um centro terapia intensiva onde se começava a discutir casos clínicos e, em determinado momento, essa passagem de casos clínicos passava para o desempenho do próprio serviço, em termos de resultados clínicos e financeiros, que no final é o que se chama medicina baseada em valor. E a medicina baseada em valor subverte uma questão antiga da discussão axiológica, você parte de valores pra achar resultados, a medicina baseada em valor, ela busca resultados como uma coisa consequencialista.
Então eu vou apostar num serviço que tem determinados resultados a longo prazo, onde eu vou comparar serviços que vão me dar melhores resultados, num modelo de acompanhamento médico que não cabe mais ao profissional, porque é impossível o profissional ter controle e seu acompanhamento de vários pacientes com doenças que são complexas, de alta complexidade, com vários fatores interferindo nos seus resultados a longo prazo, você acompanhar linhas de cuidado. Então tudo isso torna somente possível às grandes corporações terem controle sobre essa performance, tanto do médico quanto dos modelos de assistência privada.
E esse modelo de assistência privada, ele começa também a migrar para o serviço público, o serviço de saúde pública para os pagamentos por performance. Bom, a gente tem, no momento em que eu estou observando essa mudança na medicina, o que vem acontecendo na saúde coletiva. Talvez tenha sido um desapontamento, para muita gente que foi do Movimento Sanitário, acompanhar, na primeira década dos anos dois mil, quer dizer, num governo de esquerda, vamos dizer assim, a década de esquerda, um estímulo ao fortalecimento do mercado de plano de saúde.
O que a gente assistiu foi um amadurecimento e um fortalecimento dos mercado plano de saúde, eu vivi com esse desenvolvimento da ANS, dos planos de saúde e como eles superaram inclusive o próprio desempenho financeiro do SUS, em dez anos. Então, isso é uma coisa que corre paralela e nós chegamos, finalmente, à década que eu falo, que agora a gente tem uma capacidade de trabalhar com todo o essa questão médica em cima de dados, dados que são observados, dados que são coletados, nós chegamos nessa virada e agora, principalmente na metade dessa última década, de 2015 para cá, quando chegam as tecnologias de informação, mas principalmente na virada do ano de 2015, 2014, com os algoritmos de alta precisão, com o deep learning, quer dizer, você consegue desenvolver uma inteligência para o trabalho que esses dados, que supera tudo que havia sido feito antes, mas isso só é possível quando você reduz uma prática da medicina também a esses dados. É uma leitura de tudo que é relacionado à medicina, a esses dados.
Nós temos, e aí eu acho que o professor vai concordar comigo, quer dizer, praticamente uma vitória do objetivismo, uma vitória do que se chama o naturalismo, do ponto de vista que epistemológico, quer dizer, é quase que totalmente a medicina do …, que é um teórico da epistemologia médica, quer dizer, reduz tudo a questão objetiva e é óbvio que eu não penso dessa forma, Antonio, eu não vejo a epidemia dessa forma, o que eu eu vejo é que há necessidade, realmente, de uma visão integral, mas que não deveria ter sido excluída a medicina.
A minha crítica é que eu acho que a biomedicina é uma potência muito grande, uma potência científica muito grande, e ela foi excluída do projeto da reforma sanitária, em determinado momento, por opção política. E o mercado tomou conta, tomou conta totalmente. E hoje em dia o mercado, é a conversa que a gente estava tendo antes aqui quando você fala “pô, o mercado então agora vai vir em direção à atenção primária?”. Eu acho que a atenção primária era uma coisa que só havia mão de obra e não tinha produtividade, agora o mercado vai se interessar pela atenção primária, porque a atenção primária é uma coisa que pode ser parametrizada, pode ser tratada por algoritmos.
O que está hoje explodindo é uma quantidade de health…, quer dizer, de empresas que estão desenvolvendo aplicativos e partindo para cima dos governos, partindo para cima, como já foi anunciado em São Paulo… gestão de dados, e políticas de dados, e gestão de grupos de pacientes, e acompanhamentos de linhas de cuidado por programas de inteligência artificial que são poderosos, que são precisos, que podem nos ajudar… e eu não sou contra esse futuro, quando eu montei um observatório da medicina, há quatro anos, ainda durante o meu doutorado na EMSP, o que eu conversava com o professor Hermano, que me cedeu esse espaço, eu acho que é urgente, que do meu ponto de vista nós perdemos a a revolução tecnológica da década de 80 e 90, para o SUS. Quer dizer, isso teria que estar inserido, nós teríamos que ter hospital de alta complexidade em maior quantidade para a população brasileira, e eu acho que seria uma missão, como eu conversei com o engenheiro eletrônico da UFMG, recentemente, acho que é uma missão dos centros de pesquisa do Brasil, que desenvolvam tecnologia de internação com a visão do coletivo, com a visão coletiva do SUS, e não que a gente tenha, para em breve, na nossa atenção primária, um atendimento de caixa eletrônico. Eu acho que é mais ou menos isso, tentei falar rápido, está aí… cento e cinquenta páginas.
Antonio Martins: Foi extremamente densa e rica a sua fala, Luiz, vai dar muito pano para a manga, nas nossas conversas. Aqui tem um bando de gente elogiando muito a sua fala e os seus livros anteriores, o seu trabalho como como um todo. Você teve um poder de síntese magnífico. Muito obrigado!
Luiz Vianna Sobrinho: Muito café.
Antonio Martins: Naomar, você.
Naomar Almeida Filho: O Luiz já antecipou que essa expectativa de uma frontal discordância, viu, Antonio, pode ser, de alguma forma, frustrada em função de possíveis convergências. Mas talvez até para explicar um pouco minha, quer dizer, o lugar de onde eu estou falando, minha formação e carreira é na epidemiologia, minha formação é em cima de dados, mas cruzando uma certa fase heroica, quando lidar com dados ainda tinha uma série de limites tecnológicos, basicamente equipamentos. Quando eu fiz meu doutorado, ainda não existia nada disso de microcomputadores, eu fui encontrar o primeiro microcomputador, que pesava 12 quilos, chamava portátil, assim você fica carregando 12 quilos… não é simples.
Eu também sou do tempo dos cartões perfurados e que tinha uma máquina do tamanho de meia sala que só só servia pra perfurar cartões. E os computadores eram os da época, eram prédios inteiros, e você tinha que entrar em em uma espécie de fila, entregava os dados e esperava dois dias pra receber a análise feita e se tivesse errado uma vírgula na programação, tinha que fazer tudo de novo e esperar mais dois, três dias, né? E a gente fazia aquela fila da madrugada, quem estava em pós-graduação nessa fase.
E houve realmente, o Luiz tem razão, uma rápida, intensa e profunda, aceleração nos processos de incorporação de tecnologias de análise de dados. Essas tecnologias de análise de dados mudaram também a própria epidemia. Antes a gente abstraia e fazia muita especulação, em relação a análise de riscos, atualmente a gente tem a necessidade de fazer redução e restrição, porque não só máquinas ganharam muita potência, mas os software também se diversificaram, a tal ponto que muita coisa que antes o próprio analista tinha que programar – eu cheguei a ter que programar o software de análise de dados, na minha tese doutorado, mas isso é década de 70, 1970 – atualmente qualquer software lhe dá, assim, todo o elenco de análises possíveis, e o desafio é, para quem vai trabalhar os dados, é fazer a seleção do que é relevante e do que, de fato, tem alguma utilidade. Então eu tenho essa, digamos, essa origem.
Agora, em função até do que Antonio falou, que eu tive virar reitor numa certa fase da vida, né? E depois prossegui anida, então eu deslizei muito para o campo da educação, da formação, e tive que estudar por ofício, também, os temas da gestão. E, realmente, Luiz, é incrível como tem cruzamentos e atravessamentos que são muito muito ricos até pra gente buscar compreender.
Bom, o que eu poderia, talvez, contribuir para essa discussão? Porque, na verdade – viu, Antonio? – eu não sou médico. Eu fiz medicina. Em algum momento longínquo, com o meu passado, eu fiz medicina… mas fazer medicina implica a gente ser introduzido numa certa cultura, incorporar um ethos, que aí vem junto uma ética, também, uma etiqueta e uma série de elementos muito subjetivos do que é isso que é o “ser médico”. Há quase uma, Luiz falou, uma axiologia. Mas, além de uma axiologia, há uma certa ontologia, quer dizer, uma uma teoria do ser, que faz com que o próprio modo de olhar a realidade tem muito a ver com os processos de formação…
E aí, tem me interessado muito, até a citação que o Luiz também fez do programa Mais Médicos… Lembrem que o Programa Mais Médicos tem uma dimensão de informação que foi desastrosa. Eu já antecipo, né? A dimensão de informação foi desastrosa… se lançaram editais para as instituições privadas, abrir escolas de medicina e potencialmente realizar investimentos em lugares onde não tinha. Então, o Brasil passou de algo como menos de 100 escolas médicas para 360 escolas médicas, em é muito pouco tempo. E aí, eu acho que uma parte dessa nossa discussão, eu vou tentar até me encaminhar nessa direção… qual é que cenário de medicina que está se avizinhando e, inclusive, pressionado pelo evento da pandemia, que foi um evento catastrófico, é um desses eventos que mudam o mundo, né?
E o cenário da formação, quer dizer, esse sujeitos que estão sendo formados em massa estarão, de alguma forma, aptos para essa essa realidade que se transformou com essa intensidade, essa profundidade? Essa é uma questão, eu acho, muito de fundo, porque senão não teremos operadores dessas tecnologias com capacidade crítica, suficiente, para entender, compreender, não só os limites, mas também a consequências e as aplicações, que são todas críticas, né?
Tem muito realmente a ver com uma série de dilemas, dilemas de modelo econômico, por exemplo, dilemas de modelo de proteção social, dilemas também éticos e dilemas tecnológicos, evidentemente. E aí eu tenho, também, focalizado nesse aspecto da formação da desigualdade, porque todos os elementos que produzem avanços, depende de qual estrutura social esse avanço se refere, se orienta, e aí, muitas coisas que a gente pode pensar “poxa, isso certamente propiciará uma maior cobertura, maior acesso para a população, para a população real, para a população inteira”, e rapidamente se redesenha aquele avanço, aquela inovação, aquela incorporação tecnológica, de uma maneira que ela se torna rara, até para atender leis de mercado, que não se aplicam, rigorosamente, é algo que se chama de “mercado da saúde” que é muito mais o mercado da doença, do tratamento, da cura do que, efetivamente, de promover, sustentar, priorizar a qualidade de vida dos sujeitos, pois saúde é basicamente essa referência.
É claro que o tema da qualidade de vida tem também uma tradução clínica muito precisa e muito valiosa, mas que aí temos, e aí eu vou tentar analisar um pouco esse descolamento, que Luís identifica, no movimento da reforma sanitária em relação à própria clínica, em função do foco.
O conceito de clínica é um conceito individualizado, por definição, e é historicamente artesanal, onde o subjetivo entra porque se trata de sujeitos, e os sujeitos, em tese, são identificados, eles têm nome, têm cara, né? Aí alguém pode dizer “ah, mas isso é uma visão romântica”. Mas a formulação de base conceitual é que justifica, legitima e valida os procedimentos clínicos, é o efeito sobre sujeitos individuais, porque a clínica se constrói dessa maneira. E Luiz tem muito, ele traz essa ênfase na famosa medicina baseada em evidências, que é uma expressão que eu vi nascer, de certa forma, né?
Eu estava na Mc Master, ano 1985, vendo, de certa forma, esses conceitos aparecerem. E é impressionante como trazer a lógica probabilística para o conhecimento de sujeitos individuais tem um elemento de ruptura lógica que é superimportante, talvez ainda não dê tempo, sequer, de traçar, até superficialmente, a importância dessa questão. Mas eu vou pegar apenas um exemplo do momento, né?
O grande ator, Tarcísio Meira, falece de Covid, vacinado com todas as doses, com os cuidados, o isolamento inteiro, né? E chega a ser retirado numa fazenda, cercado, realmente, assim, o que se conhece sobre a Covid-19. O o raciocínio leigo, imediato, e que, aliás, está sendo explorado, e mal explorado, é que “olha aí, não adianta vacinar, não adianta isolar, não adianta cuidar”. Numa perspectiva do indivíduo, isso parece convincente, mas numa perspectiva, que a gente pode chamar, epidemiológica, populacional, demográfica, uma série de sujeitos serão aquele resíduo do que, muitas vezes, se pode imaginar como uma medida-população, por exemplo, a vacina é 95% eficaz para prevenir óbito, não significa que alguém que se vacina fortalece o seu sistema imunológico em 95% de energia ou de resistência. Não quer dizer isso!
Quer dizer que, em um grupo, onde se aplicaram as 2 doses da vacina, tem 5% de sujeitos que as duas doses da vacina, por uma série de motivos, alguns deles até muito peculiares a cada um desses sujeitos, somam-se as peculiaridades, essa tecnologia não vai proteger. Aí eu fico até fascinado – viu, Antonio? – com a mídia, até numa certa, digamos, não é só em imprecisão, eu acho que equívoco lógico pleno e total, ao dizer, por exemplo: “ah, tantos por cento da população está completamente imunizado” ou então “vá tomar a sua vacina para você ficar completamente imunizado!”.
Não tem nenhum sentido, nem estatístico, nem matemático e nem lógico, trabalhar com afirmações dessa natureza, só que a gente sabe que as narrativas são construídas com os discursos que as pessoas compreendem, e aí, eu acho que a gente tem um belo desafio… e você tem um grande desafio em promover espaços, como esse que estamos, para algum tipo de mediação dessas fontes e origens do que chamamos de verdade científica, em relação a esse conjunto de crenças que as pessoas precisam para manter sua vida.
Então, tem até uma expressão que, talvez até mais interessante do que, de alguma forma, contraditar a medicina baseada em evidências. Ela não está em algum grau de diferenciação em relação à medicina baseada em valores, ela está mais em oposição a uma medicina baseada em crenças. Vocês lembram a coisa de alguém condena outro por convicção? E não por provas, né? É um pouco parecido com isso, um certo tipo de crença se estabelece e aí nós temos, nesse caso, até um efeito, um efeito reflexo ao contrário – me perdoe, fica até redundante – um efeito reflexo ao contrário, onde a crença é prévia e os dados são, de alguma forma, levados a confirmar a crença.
Eu vou fazer, agora – só mais dois minutos – tentar fechar meu comentário, e para a gente entrar em uma discussão em relação aos algoritmos. É claro que o conceito de algoritmo é um conceito que tem sido reificado, quer dizer, tem sido dado a esse conceito uma série de materialidades que, como conceito, ele não tem essa materialidade, porque é uma lista de comandos articulados e integrados, quer dizer que, um passo leva a outro, que leva a outro, leva… É uma certa árvore de decisão programada, faz com que os comandos que contém um grama, criem um efeito, uma função em que, uma certa máquina, pode ler, traduzir e aplicar. O computador é isso, ele é basicamente uma máquina que lê um programa, decodifica e aplica para uma série de resultados.
Pode ser, por exemplo, geração de imagem, como agora, imagem e som, transmissão de sinais, fazendo com que essa imagem e som seja decodificada e e recodificada. Aliás, a palavra vem disso, né? Essa mediação tecnológica, por um tipo de de linguagem que pode ser transmitida de várias maneiras, é, depois, recodificada no aparelhinho que cada um, que está nos escutando, tem. Esse conjunto de instruções, que permite que uma máquina faça isso e, na verdade, uma rede de máquinas completem esse processo, de um modo tal que nos dão a ilusão de que estamos no mesmo lugar, isso aí é uma ilusão, evidentemente.
Não estamos no mesmo lugar! Esse conjunto de instruções não tem nada de inteligente, né? Agora, esse conjunto de instruções pode ter, em cada ciclo em que essa programação se realize, um comando que diz assim: “se o resultado for esse, muda tudo”. Aí tem alguma coisa que pode fazer com que toda aquela cadeia de programação tenha um dispositivo que reprograma, nesse caso, a máquina ou o computador, e isso tem sido chamado de inteligência artificial. E aí – tanto Antonio, como Luiz – o quanto existe de inteligência, nesse caso? Não sei!
A gente pode até ter uma uma visão, uma definição de inteligência, uma visão muito simplificada do que é a inteligência. Agora, usar essa lógica que, alguns chamam, você usou a expressão de learn – você chamou de machine learning – aprendizado de máquina. A questão é se é aprendizado e ou se é aberturas possíveis, embora não realizadas, para a própria programação. Aí, quando nós lidamos, quer dizer, profissionais de saúde, lidamos com dispositivos tecnológicos que apresentam resultados – é uma coisa que eu tenho até me interessado especificamente – é preciso ter o conhecimento de como esse resultado foi produzido para se ter alguma função crítica desse resultado, inclusive, para poder interpretá-lo do ponto de vista de sua validade.
E aí, quando alguém diz assim: “um certo paciente precisa fazer tal coisa para que sua chance de melhorar, sobreviver… ou que, se não fizer, morrer, piorar”… é um um esforço lógico que o o profissional de saúde aí, no caso, também o médico, é necessário que comecem a fazer parte de sua formação, não só o conhecimento, mas a consciência do que significam esses processos, porque se não, os profissionais de saúde – isso, aliás, já está acontecendo – eles ficam dependendo de laudos de sujeitos que sejam capazes de fazer uma leitura distanciada da situação real. E isso – Luiz tem razão – chegou com uma força tão grande no campo da saúde que, o que a gente chamaria de setor privado da saúde, mas um privado lucrativo, vê isso como uma possibilidade de aumentar a margem de lucro, massificar sem acrescentar força de trabalho.
E aí temos – eu acho -uma interessantíssima análise a ser feita, de se esse processo se aprofunda e se estende, também, o quanto a formação médica atual tem capacidade de dar conta dessa complexidade – e aí eu acho que Luiz tem razão e Antonio também, na leitura no resumo… aliás, belíssimo resumo, Antonio, do… eu que eu não li o livro e estou achando que entendi, já, o livro, em função do seu resumo – a questão dessa multiplicação de papéis. E é muito possível – e eu acho que isso já está acontecendo em algumas, eu diria assim, em alguns espaços de vanguarda na medicina, no mundo, no cuidado à saúde, no mundo, em que o conhecimento médico é muito mais um conhecimento de acompanhamento de funções tecnológicas, que a simples leitura ou a simples absorção do resultado, sem saber o que significa, e não produz efeitos que resultam em maior eficácia e efetividade… ou mesmo eficiência.
E quando eu falo em eficiência, ele introduz a questão de custos, aliás, Antonio, só um comentário sobre a mídia, só se fala na eficácia das vacinas ou dos procedimentos ditos tratamentos precoces, agora que se começa, rapidamente e ainda com pouca intensidade, falar de efetividade. Mas o tema da eficiência, que inclui custos, é um dos temas mais importantes para um tratamento da questão da tecnologia, numa vertente que eu nem sei se a gente vai ter tempo até de aprofundar e detalhar, que é o fato de que alguma coisa muito estranha acontece, que na área da saúde, em alguns países com uma certa configuração política específica, né? E o Brasil se inclui, né?
A incorporação tecnológica aumenta custos e isso é estranho, do ponto de vista de uma análise econômica, porque a incorporação tecnológica implica em menos gasto de energia e reduz a força de trabalho especializada – que é sempre cara – e permite massificação, por quê? Por que, cargas d’agua, aplicar tecnologia vai ampliar custos numa escala em espiral, né? E, talvez, o controle sobre o que se chama de propriedade intelectual – talvez aí esteja a chave pra gente até compreender essa dinâmica recente, nesse quase mercado do campo da saúde. Aliás, dois Prêmios Nobel de economia, mereceram seus prêmios em função da indicação de que o campo de serviços, por um lado, e serviços de saúde, em especial, eles não são mercados, eles são quase mercados ou pseudo-mercados, né? De modo que uma série de leis peculiares, que se aplicam somente aí, é que permitem algum grau de compreensão dessa grande complexidade.
É isso! Eu me estendi um pouquinho mais, mas eu acho que os temas que Luiz levantou merecem, talvez até aqui ser apenas um início desse diálogo, dessa discussão e, pelo que eu vi na série do Resgate, você já arregimentar sujeitos com enorme competência para contribuir… Sônia, Temporão, Gastão e muita gente que, no Brasil, tem realmente enriquecido muito esse debate que, acho que, é mais do que nunca atual e necessário.
Antonio Martins: Obrigado, Naomar! Eu acho que esse debate que vocês estão fazendo enriquece ainda mais essa série, historicamente. Eu tenho uma série de observações, aqui, a maioria delas não é pergunta, são elogios às falas de vocês, daqui a pouquinho eu vou sistematizar, mas eu não resisto à tentação de fazer uma pergunta, minha, pra vocês. Eu acho que essas hipóteses do Luís, ainda que haja polêmica sobre elas, elas estão legitimadas no campo da reforma sanitária, as pessoas estão prestando muita atenção ao que você está falando, Luiz, inclusive, pessoas que são claramente partidárias da Reforma Sanitária. Eu queria extrapolar isso que você está dizendo, para isso que você chama de medicina de dados… Porque você disse que todo o desenvolvimento tecnológico dos anos 1980, o SUS e o a reforma sanitária, de uma certa maneira, deixou de aproveitar ao máximo ao não apenas enxergar a presença do capital, nesses desenvolvimentos, mas ao não abstrair o mercado, não entender que eles tinham um valor em si mesmos, não sendo meras ferramentas do mercado, tanto que produziram aquilo que você falou de uma grande transformação nos resultados da medicina. São pessoas que viveram por causa disso, que teriam morrido por causa disso.
Então, essa sua crítica que está sendo, a meu ver, muito considerável, inclusive por nós aqui, como é que a gente pode evitar que isso ocorra nessa nova transformação que você está falando. É, porque nós estamos diante do que você diz, Naomar também, da emergência, que apenas começa, da medicina de dados, que pode fazer transformações tão importantes quanto. O SUS vai ficar fora disso? A atenção básica do SUS vai ficar fora disso? Se não, de que maneira incorporar isso? De que maneira incorporar para que não seja, inclusive, para que não aprofunde o apartheid sanitário, digamos, em que uma minoria tem direito aos melhores tratamentos e a maioria não tem direito? De que maneira tirar proveito disso para que não sejam os planos de saúde que vão oferecer a nova assistência primária massificada, como você falou? De que maneira evitar que isso desumanize o atendimento? De que maneira evitar que, como disse o Naomar, os médicos não tenham consciência nenhuma de como são desenvolvidos esses algoritmos, como surgem esses resultados? De que maneira criar inteligência crítica em relação a isso? De que maneira nós precisamos, e as universidades precisam, formar profissionais com capacidade e crítica? De que maneira nós podemos desenvolver esses algoritmos? Porque eu imagino que, na construção deles, por exemplo, tenham interesses também, das empresas, de receitar certos remédios, o algoritmo não é neutro, o que a gente vê no Facebook não é porque seja o melhor pra gente, é porque tem geral e tem inteligência interesseira também, para fazer, por exemplo, as pessoas brigarem mais, para aumentar a audiência, para aumentar as interações. Então, o que eu pergunto a vocês dois, que eu também, eu também o compreendi, que não são perspectivas opostas, mas são perspectivas complementares. E como tirar proveito dessas novas transformações? Porque, pelo que eu estou entendendo, não tem só o interesse do capital nelas, mas tem o desenvolvimento tecnológico que pode servir para o conjunto da humanidade, para que elas não produzam mais desigualdade sanitária e para que elas não produzam mais alienação, inclusive, dos médicos, e mais valorização do que você chama da medicina de valor, da medicina empresarial, em prejuízo da medicina pública.
Luiz Vianna: Eu tenho um dia para responder isso tudo?
Antonio Martins: Como disse o Naomar, acho que esse debate deve continuar, eu acho que nós estamos tocando, aqui, num tema que é essencial para o futuro do SUS.
Luiz Vianna Sobrinho: Olha só, quando eu falo em dados, quer dizer, tem que voltar lá quando eu falo nos anos 2.000, e aí meu orientador Fernando Teles, professor Fernando Telles, me fez entender isso. Quer dizer, embora a gente tenha conceitos de doença, né, professor? Que é coisa sempre bem complicada, tem várias teorias para isso, a gente nunca vai conseguir juntar. Quer dizer, o paciente pensa em doença de uma forma, a gente não vai conseguir fazer com que o paciente pense em doença da mesma forma que os médicos pensam em doença, e que os filósofos e sociólogos da medicina pensam em doença. Então, quando se fala em filosofia, epistemologia, a teoria – professor tem uma teoria brilhante, complexa – quer dizer, existem várias teorias sobre conceito de saúde e doença. Os pacientes sempre vão pensar em doença na forma deles, e nós vamos pensar em doenças de uma forma, pelo menos nós mesmos, de uma forma mais objetivista, uma forma mais naturalista, né? No modelo, lá do bolso e tal. Quando a gente passa nesse modelo de pensamento, a gente sempre está pensando, ou sempre estava pensando, em medicina, anatomia patológica. Era o conceito de Foucault, por isso eu boto o “Ocaso da clínica”, quer dizer, foi uma permissão que eu tenho do nascimento da clínica. O Foucault, ele mostra como os médicos, a medicina e a saúde sempre pensou nesse dano da anatomopatologia, mesmo que pensássemos em determinantes sociais, no final, que a gente estava pensando é um dano da anatomia patologia do paciente, tirando a saúde mental, que é uma outra questão, né? Mas quando a gente fala da doença biológica, doença que nos atinge.
Então, o que passa hoje, quer dizer, o que passa na cabeça dos médicos, a partir de determinado momento de tratamento, e eu não condeno a medicina baseada em evidência, são assuntos muito delicados para se falar e no texto eu falo com mais calma nisso. Medicina baseada em evidência é ótima, para mim, traz uma série de precisões científicas para o nosso trato com os dados que a gente retira do exame clínico, do diagnóstico e tal.
A questão é que a substituição de tudo por dados, o médico, quer dizer, e aí sai pra uma série de coisas, eu acabei tendo que limitar o livro, que eu comecei a ler Bernard Stiegler, que é o cara que que fala da filosofia da tecnologia, como a mão do marceneiro começa a ficar com cara de mão do marceneiro, o médico que começa a lidar só com dados, ele é um médico que pensa em dados, e não anatomia. É nesse sentido que eu falo que é o “Ocaso da Clínica”, quer dizer, o médico, ele raciocina em dados, ele imagina dados que são dados tanto retirados da clínica do paciente, como dados financeiros, até o momento em que ele não sabe mais o que é dado, o que é performance clínica.
O médico, ele acaba sendo, em muitos artigos norte-americanos, dizendo que o bom médico é o bom gestor clínico. Pô, é o bom gestor clínico, o que faz a gestão da linha de cuidados do paciente, onde está incluído tanto o desempenho clínico como desempenho financeiro ou clínico-financeiro de evolução daquele paciente ou daquele grupo de pacientes, né? Então, nós temos, hoje, grandes gestores vindo para aula de saúde, que até há uma década passada, você vai olhar o currículo do cara, o cara era diretor de gestão da Alpagatas.
Então, o que eu acho – o professor falou do Ethos – eu acho que falta em muitos desses médicos, o ethos do sofrimento, quem tem noção de sofrimento. Pode alguém lidar com medicina sem ter a experiência de sofrimento? Isso faz falta? Um modelo de médico que a gente trata, quer dizer, eu até hoje trabalho, só vim correndo hoje, tirei o estepe do pescoço e vim correndo para chegar na hora aqui, quer dizer, eu acho que isso é uma coisa primordial, né? Que é uma coisa importante pra você continuar é pensar no que é o modelo de medicina.
O que eu tenho visto, em machine learning, o deep learning é uma mudança da metade da década de 2010, pra cá, você tinha um computador que ganhava xadrez de todo mundo, até que se inventou um outro computador de aprendizado profundo que ganhou desse computador várias vezes, ele treinou apenas 24 horas, são novos modelos – eu não entendo de matemática, mas eu tenho lido alguma coisa sobre essas caixas pretas, né? – novos modelos de algoritmos que trabalham a ponto de você já ter hoje objetivamente – eu não faço profecias, né? – o que eu li é que na China você já tem postos de atendimento onde o paciente entra, ele coloca o cartão de saúde dele e o atendimento por uma máquina, quem trabalha com algoritmos já lhe dá o diagnóstico, a partir dos seus sintomas. Você tem um computador chinês, que tem até o nome, que passou para prova do Conselho Federal de Medicina, lá na China.
Então, isso é uma coisa viável, isso é uma coisa possível. Tanto por esse lado, como por um outro lado, de trabalho de pesquisa, que eu comecei a estudar, que são os modelos agora de capitalismo de plataforma, que se fala, seja capitalismo de vigilância, capitalismo de performance, tudo que está se falando, assustando todos pesquisadores que vêm estudando o controle a partir da coleção de dados de grandes grupos populacionais, como isso passa a ser uma coisa importante.
Então, o que eu vejo, assim – não sei se eu respondi a parte das perguntas, pelo menos uma pergunta, que eu penso que é o desafio para quem pensa em saúde pública e pensar em saúde coletiva – o que eu vejo do lado de cá do mercado, que o mercado nunca veio pra atenção primária porque não é interessante economicamente, ou não era, e que agora vai vir com a força muito grande. Há dez anos, quando eu escrevi o meu primeiro livro, falei olha a Unique não está vindo para o Brasil para brigar com a Unimed Golden, a Unique está vindo para o Brasil para um dia atacar os 150 milhões que estão fora da saúde suplementar, quando entrar uma cobertura universal, quando eles dominarem o congresso e conseguirem fazer com que o o Estado brasileiro pague planinhos e controle da atenção primária. Pô, e agora ficou mais fácil, né?
O que está surgindo de empresa no país, o tempo todo você vê na internet, lançando coberturas em cima da tecnologia de informação, gerenciamento de saúde, não é de doença, gerenciamento de saúde, quer dizer, o que eles estão propondo é justamente o que se fala de atenção primária, através de tecnologias de informação e isso tá sendo todo dia eu recebo todo dia, então o mercado está assim, tem congresso todo dia, disso, e eu assisti a um congresso na minha cidade – bom, eu tive alguns desgostos de assistir a esse congresso – em que a coisa parecia assim uma felicidade. O congresso foi apresentado com a música do rock lutador, né? Era como começava o congresso!
Então era como estava se propondo para os médicos chegarem a esse modelo. E aí vem aquele discurso na – eu até brinquei com o professor Castiel, falei “Castiel, vamos escrever um livro sobre o novo iluminismo com um edge digital, quer dizer, está vindo um novo iluminismo digital que está prometendo que, poxa, é uma beleza, isso vai ser uma maravilha”. Qual vai ser o debate, né? Qual vai ser o desgosto desse novo iluminismo digital, quando isso derrubar de vez qualquer proposta de uma organização coletiva mais equânime, né? Quando você começar a ter atendimento premium, os médicos que sempre que dão boas atenções a um grupo muito pequeno, e atendimento de caixa eletrônico para grande parte da população. Isso é um tema, é uma frase que eu venho repetindo, há quatro anos, eu acho que é uma coisa que está sendo implantada e com congresso que tem, os ministros que a gente tem, né? Que já disseram, há pouco tempo, um ex-ministro, que o SUS está muito grande, que realmente a Constituição deveria andar para trás, não tem como prometer isso, e agora a gente está vendo o que que vem sendo aprovado… será que não vai ter realmente isso? Uma atenção primária comprada a preço de banana, pequenos planinhos de saúde fazendo essa cobertura de saúde, né?
Então é isso, eu acho que a missão de quem quem pensa em saúde coletiva e quem está ligado aos seus desenvolvimentos, a USP vem com um trabalho muito bacana de predição, eu tenho acompanhado, de predição de desempenho, desenvolvimento de prognósticos nos pacientes, mas o trabalho, né? Na atenção primária, eu acho que… eu não sei se a saúde, se o movimento sanitário brasileiro ainda pensa ou vem desenvolvendo algum projeto para o trabalho na atenção primária, como o mercado vem se preparando para esse cuidado com métodos de inteligência artificial e de controle de grandes grupos nacionais através desse novo modelo de plataformas digitais.
Antonio Martins: Desculpe, Naomar, qual é a tua opinião?
Naomar Almeida Filho: Rapaz, questão séria e complexa! Deixa eu argumentar, é que fazendo uma analogia em relação a uma questão que também está se tornando um grande dilema nesse momento, não só no Brasil, mas também em outros países do mundo, que é o campo da educação. E como eu fiz esse deslizamento para a educação, eu estou aprendendo assim, todo dia é um enorme aprendizado, tem um elemento que a gente pode chamar de artesanal, na prática, e que corresponde ao que Antonio, nessa questão trouxe, como a cobrança da questão humana, né? De uma humanização necessária.
E a gente pode até pensar que, historicamente, se construiu todo um arcabouço de, eu diria assim, de representação ideológica da medicina e do cuidado à saúde como sacerdócio, em que sujeitos, com um certo tipo de vocação, fariam algum sacrifício, né? E esse sacrifício tem um elemento, assim eu diria, uma certa herança religiosa. A mesma coisa, ou pelo menos de um modo similar, acontece na educação. E aí estamos com esse debate, também entre nós, em relação à utilização dessas tecnologias digitais. E por que que uma tecnologia digital tem essa potencialidade de, nesse caso, de substituir esse tipo de trabalho? Porque é um trabalho intelectual, que resulta em aplicação de habilidades que, algumas delas são são habilidades manuais, mas com um grau de precisão e um certo treinamento que um conhecimento, muito específico, permite.
E aí tem uma análise a ser feita, que eu queria trazer, tem um elemento político nesse detalhamento, porque o que chamamos de medicina, na verdade, é um conjunto tão complexo e diverso de saberes e práticas, né? E que não faz mais nenhum sentido estarem juntos. Aí os sujeitos continuam a se formar, como médicos, mas veja, tem médico de muitas referências e de muitos planos de compreensão, e até de aplicação. Então, em vez de termos várias medicinas, como por exemplo, as engenharias se diversificaram, né? A formação não é de engenharia em geral, não tem uma atenção primária na engenharia, já teve uma certa diversificação e especificação, e nesse perfil de informação. Na área médica, não! E aí é possível que a gente identifique, isso variando em distinta sociedades, o que significa esse poder médico. E isso precisa ser trazido pra análise.
Então, Antonio, você me pergunta minha opinião. Eu acho que uma parte importante do que o Luís está falando tem uma ressonância direta a um modelo de sociedade em que a saúde e a doença são monetizadas. E aí ele falou, a medicina baseada em valor. Só que não são valores fundamentais, valores cívicos, valores humanos, valores referidos a direitos, e sim valores referidos à expressão monetária mercantil. Então, um certo procedimento, ele terá um maior valor – e aí veja que interessante – a composição de custos, na assistência à saúde, não é dada pela consideração de insumos, de saberes, tecnologias, equipamentos e tempo – o que, em outras produções industriais e outras produções de serviços, inclusive, ocorre – porque tem uma série de elementos que são apropriados em função do perfil do sujeito que está buscando aquele cuidado.
Em sociedades de capitalismo competitivo, onde o Estado tem uma expressão pequena, por exemplo, Estados Unidos, aquilo que eu mencionei da eficiência, o quesito eficiência, na avaliação de tecnologias, é substituído por lucratividade potencial, e o Brasil segue essa linha, apesar – e Luís tem razão –o movimento político, da reforma sanitária, conseguiu incorporar, na Constituição, a saúde como direito e a assistência à saúde como um dever do Estado, e aí, veja isso, é muito mais sintonizado com os modelos de estado de bem-estar social europeus, da social democracia no pós-guerra, é que no continente americano só tem como a expressão, assim, similar, o Canadá… e tem a experiência socialista de Cuba, que é outra coisa, né?
Aí, referências de que o Estado é protagonista. Então a gente tem, no SUS, um campo de batalha ainda não resolvido, onde todo movimento de reforço e conservação do Estado, não só como regulador, mas o Estado como protagonista, versus o Estado distanciado e apenas financiador. Por que? Porque o Estado é importante como financiador, porque saúde é um bem, e ele só revela o seu valor na sua perda. É distinto, não é um objeto de consumo que se compra para se acrescentar a um certo patrimônio. É como, nós todos temos um patrimônio, o que o Amartya Sen chama, nós temos capabilidades (capabilities), que algumas delas são de saúde e, no decorrer da vida, nos ciclos de vida e também nas circunstâncias da vida, parte desse desse patrimônio genético, fisiológico, vai se perdendo, mas só se sabe que se perde quando já não se tem mais, né?
Então, aí tem toda uma discussão fascinante, realmente fascinante, do quanto a mediação tecnológica nesse tipo de mercado e, com esses elementos de definição, de processo de produto, resultam. E isso tudo tem sido muito estudado, por um campo que, eu acho que a falta de um termo mais específico, chama de economia da saúde – e até estamos assim tristes, porque perdemos um dos introdutores desse campo, no Brasil, faleceu o professor Sebastião Loureiro, colega e amigo de muito tempo, aqui no Instituto de Saúde Coletiva, e que foi um dos introdutores dessa discussão que é extremamente atual. É, tudo isso que a gente tá conversando aqui é de uma pertinência, e até urgência, para que o Resgate seja possível, né?
Antonio Martins: Obrigado, Naomar! Pessoal, certamente não vão poder esgotar quase nada, aqui. O objetivo desse debate é lançar algumas sementes de discussão importante. Se vocês têm um pouquinho de tempo, eu gostaria de apresentar algumas das perguntas que o pessoal, que está assistindo aqui, mandou por escrito. Tem – a maior parte são saudações e elogios – aqui, o Anderson Gaps, está dizendo “o Blockchain pode dar um maior controle de transparência em todo processo legislativo, judiciário e executivo, não é propriamente sobre o debate e em breve veremos isso”, ele está dizendo. A Valéria está perguntando se essa live está sendo gravada. Está sendo sim, Valéria, você pode ver nesse mesmo endereço do YouTube, passados alguns minutos, depois que ela terminar, ela está, na íntegra, disponível. A Nícia te elogia Luiz, “ainda não li o novo livro, mas “Medicina financeira, ética estilhaçada” é excelente, interessantíssimo e necessário”, a Nícia “faço questão de registrar, interessantíssimo até para leigos como eu”, ela mesma voltou a elogiar. E outras pessoas elogiando, aqui… Vamos ver perguntas. “Parabéns! Parabéns!”. Doutor Armando Denegri “Luiz traz um debate que nos obriga a enfrentar a totalidade complexa, sem simplificações, temos que assumir a existência do mercado, da medicina especializada e da dinâmica financeira no setor da saúde, preservando a saúde como direito inconstitucional, mas enfrentando toda a complexidade que deriva dessa promessa solidária”. O Armindo pergunta: “A tecnologia versus desenvolvimento humano, mas a pergunta é quais?”, pergunta meio genérica. João Andrade diz: “Importantes reflexões, como assegurar o SUS, em todo o seu propósito, proteção aos vulneráveis, vulneráveis frente ao inevitável crescimento da medicina de mercado? A resposta parece ser fácil, mas…”. A Angélica elogia o debate e ela diz: “Boaventura citações”, ficou ilegível aqui… “A inteligência artificial na saúde pode potencializar essas ações, vocês acham que a saúde brasileira em dados ainda pode ser a saúde baseada no viver pleno?”, pergunta a Angélica. Lara dizendo que está alegre em ouvi-lo, Naomar, Lara Hammery. Armando volta a perguntar “a medicina de dados em contexto de aumento da acumulação de capital, na medicina, irá cada vez mais colocar o tecnólogo no lugar do médico e vai reificar a evidência como ordenadora da produção”. Antonio Carlos Rosa diz: “brilhante, professor, na semântica sociotécnica, como vem acontecendo em todas as áreas, é só técnica e são muitas questões”. Lara, Ilara Romerly “venho pesquisando o conceito de híbridos do Latour, o que os debatedores acham? Pode ajudar a entender o processo de trabalho na saúde?”. O Carlos Alberto Bizarro diz: “Inevitável não me render à visão de Arendt, do trabalho e da obra humanas como reprodução da vida, em contraste com ação humana como produção da pluralidade, ou o que nos faz humanos?”. O Antonio Carlos Rossi lá diz: “A socialização dos processos está passando, de fato, para a coisificação, é a minha percepção”. Volta a Ilara: “considero que a saúde coletiva não está refletindo sobre o significado da saúde digital”. O doutor Armando: “No SUS, a crise histórica de acesso à chamada média e alta complexidade, espelha claramente o diferencial negativo em relação ao acesso aos meios diagnósticos, aspecto que cristaliza a defasagem escalar do SUS em relação aos setores de ponta, na prestação de saúde suplementar. Temos proposto uma revisão do desempenho do SUS a partir do exercício dos tempos”. A Ilara, mais uma pergunta: “considero que a saúde coletiva não está pesquisando o suficiente a denominada saúde digital, que parte da premissa da medicina de dados. Os debatedores concordam ou discordam?” A Ilara: “o modelo do negócio atual é vender aplicativos para APS e usar esses dados como ensino de máquina em hardwares localizados fora do Brasil e da jurisdição nacional, aí voltam a vender produtos aqui”. E a Leandra diz: “excelente debate, parabéns ao Outras Palavras”.
Obrigado, Leandra, mas obrigado, principalmente, ao Naomar e ao Luiz. Vocês querem fazer, tentar responder parte dessas perguntas e fazer a fala final de vocês? Luiz e Naomar, o microfone de vocês está desligado.
Naomar Almeida Filho: Luiz primeiro? Ou eu primeiro, e aí Luiz encerra? As questões são impossíveis de serem respondidas, além de serem numerosas, né? Mas eu vou pegar a Ilara, q Ilara é uma amiga, colega de muitos anos, é uma das figuras importantes no que a gente chamaria de informação em saúde. Pois bem, ela levanta a questão do conceito de híbridos, eu acho que pode sim ser extremamente útil esse conceito de híbridos, o Latour é um grande antropólogo que tomou a prática de produção de conhecimento científico como objeto, e aí começou a fazer etnografia de laboratórios. É, como é que os pesquisadores produzem o conhecimento e desenvolvem tecnologias? E depois – claro, a viagem foi muito mais extensa – mas essa ideia de híbridos é muito interessante e acho que na saúde já acontece, e até o Luiz deu um exemplo, a questão, por exemplo, do deep blue, o computador que ganhou para o humano, e uma vez que ganhou para o humano, tudo que ele acumulou, minha própria programação, é um desses algoritmos que é autoalimentado, né? E todo erro, ele não repetia mais. E aí, na medida em que perdia, acrescentava conhecimento sobre os resultados possíveis, nos movimentos do xadrez. E o deep blue é de uma primeira geração, conseguiu este feito, e depois outros vieram e é impossível, a um humano, vencer a máquina. Mas não porque o humano é menos inteligente, é porque a máquina tem velocidade e tem memória mecânica. A memória dela faz com que, num nanosegundo, percorra todas as partidas já jogadas no mundo. O humano não consegue fazer isso, por mais treinado que seja, não consegue fazer isso. Mas sabe o que é que está vencendo? O deep learning da inteligência artificial. Nesses programas de jogos desse tipo, é a combinação, Ilara, humano-máquina, e aí são os híbridos de Latour em em ação, e isso já foi testado e é a forma, de longe, de maior precisão, inclusive, em soluções diagnóstica ou de soluções de interpretação e julgamento de dispositivos de diagnósticos, que usam a combinação do algoritmo com o humano.
Qual é o problema aí? É que é preciso ter humanos que sejam capazes de compreender o algoritmo. E a nossa, eu diria até que, a raiz de uma certa corrida pela vanguarda tecnológica-científica na atenção à saúde. E vai ser mais a formação de humanos capazes de participarem, como híbridos, nesse processo, do que os desafios tecnológicos de, não só de processamento, mas também de armazenamento. Isso foi, está sendo muito bem resolvido, e aí tem uma outra pergunta que apareceu aqui, em relação a essa possível quebra de uma soberania, em função de se estar na rede mundial, é porque muito pouca coisa agora é realizada, localmente, e sim em redes, o que chama de sistemas distribuídos, e esses sistemas distribuídos, eles não têm materialidade por vizinhança. Nós estamos, nesse momento, participando de um sistema distribuído em escala mundial, onde sequer as trajetórias de passagem dos sinais são as mesmas a cada segundo, para viabilizar aquilo que foi superado, na segunda geração, que era o processamento por lote, não tem mais processamento por lote.
São simultâneos e paralelos, os próprios processadores, nesse momento, eles são múltiplos, em função de uma série de avanços que, a cada ano, o chamado poder de processamento, não é que os processamentos são mais poderosos, mas é que no mesmo processador você tem dezenas de processadores. Iniciaram com 6, 12, 36, os processadores agora eles é como se fossem multicomputadores. Então isso, eu acredito que realmente é uma superação de uma série de barreiras, que agora os humanos estão tendo que, de alguma forma, correr atrás desse processo. E aí, só para completar a resposta para a Ilária, mas também já refletindo e me despedindo, também, né?
Mais uma vez a resposta está no coletivo, esse coletivo não é somente coletivo de pessoas, é coletivo de pessoas articuladas e interagindo com redes, e as pessoas também são pontos de redes e, nesse momento, ainda estamos com mediação visual, mediação de som de sentidos. Já já aparece uma série de mediações, criando realidades que são realidades estendidas, realidades virtuais, mas, de fato, o elemento coletivo é o que seria, nesse ponto, talvez, o grande diferencial, no domínio da tecnologia. E, para fechar sobre o SUS, eu queria deixar aí, talvez, até a outra oportunidade, conversar mais com o Luiz. É um equívoco dizer que alta tecnologia é o Quaternário, é o hospital. O que a gente chama, em geral, de alta tecnologia, é a utilização de tecnologias mais recentes, mais poderosas e mais significativas, e aí, onde está cada vez mais se desenvolvendo o que se chamaria de uma intensificação tecnológica, é justamente para ampliar o alcance com redução de custos.
Atenção primária à saúde é isso, é ampliar o alcance, com redução de custos, mantendo padrões de precisão, eficácia, efetividade e eficiência, é que num sistema regulado, socialmente regulado, permite que a produção de uma saúde melhor seja mais barata, se não for colonizada pela lucratividade, e por isso que o sistema norte-americano de saúde não é, de longe, precisamos ficar longe de copiá-lo, pelo fato de que a lucratividade precede, e não o benefício, a qualidade o o impacto na sociedade. E aí me despeço, agradecendo a oportunidade fantástica, agradecendo aí a Antonio, e a todo mundo que sugeriu a ele. E a Luiz, por ter contribuído aí, trazido os temas que a gente pode dialogar.
Antonio Martins: Nós que te agradecemos pela riqueza de todas as tuas falas, Naomar, e vamos continuar nesse diálogo. Luiz.
Luiz Vianna Sobrinho: Eu deveria ter falado antes, eu acho que o professor que tinha que ter fechado, eu acho que ele já fechou, porque foi uma aula e eu pretendo continuar essa conversa nossa, se a gente puder manter esse contato depois. Eu quero lhe passar o meu livro e discutir alguns pontos que foram, muito rapidamente, principalmente a questão do valor, que a gente falou agora, a medicina baseada em valor nasce na Inglaterra com um outro sentido, né? O valor como princípios. E ela foi domada, sequestrada pelo porterismo, enfim, pela questão consequencialista e financeira e tal. Mas aí tem uma série de detalhes. A minha proposta é que a gente prolifere o discurso. Acho que a gente tem que ocupar os espaços políticos com esse discurso, levar isso à frente e é uma briga política, ela não é uma uma escolha científica, é uma briga política. Eu acho que a gente tem que manter essa chama, eu acho que esse Resgate é isso, né? A gente tem que tentar aumentar a distribuição dessas conversas nossas e fazer mais pontes. Eu quero me aproximar do professor para aprender essas questões, quando eu fazia alta tecnologia, foi no momento, na década de noventa e oitenta, e sem dúvida, eu acho que quem vai decidir hoje, eu acho que é quem dominar o que está chegando aí, que são essas questões ligadas a essa nova revolução da informação.
Eu agradeço muito a sua tolerância com meus meus deslizes acadêmicos. E agradeço muito ao Antonio, esse convite, eu estou à disposição e foi muito bom. Para mim, foi uma noite maravilhosa! Valeu a pena ficar acordado, duas noites, para falar hoje, aqui com vocês. Muito obrigado!
Antonio Martins: Pode dormir bem, agora! Sônia Fleury está mandando um abraço para todo mundo, para vocês dois, em especial, e nós terminamos, em geral, os programas, dizendo que poderíamos ficar muito mais tempo discutindo… mas hoje eu acho que é diferente, eu acho que a gente não só poderia, como a gente precisa ficar muito mais dias discutindo, precisa voltar muito a esse debate. Acho que tem duas funções essenciais de um bom jornalismo, uma é a política, é discutir alternativas, é não se conformar com as coisas como elas são, é informar, é trazer os dados da realidade justamente para transformar essa realidade. E a outra é a profundidade, é a busca permanente da apresentar, para o público comum, informações a que ele não tem espaço, na vida atribulada dele, trazer especialistas, mas provocar esses especialistas para dialogar com o conjunto do público, fazer essa troca de saberes, a troca de saberes de gente como vocês, uma troca de pessoas que estão nos assistindo, e que são… O Naomar está voltando aqui. Vamos esperar ele. Naomar, você caiu, mas estamos nos despedindo. Muito obrigado por ter voltado, eu estava dizendo que, como você mesmo falou antes de mim, esse debate tem que continuar por muito tempo, estamos orgulhosos, aqui, no Outras Palavras, de ter recebido vocês e ter oferecido, aos leitores, uma discussão de altíssimo nível e de enorme relevância para a luta pela saúde pública.
Muito obrigado mesmo, gente! Ficamos em contato aqui! Boa noite, pessoal!
Naomar Almeida Filho: Boa noite!
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Olá,
estou em busca do email do Dr. Luiz Vianna Sobrinho, alguém pode me ajudar?
Caro Leandro, escreva para [email protected] e tentaremos ajudá-lo 🙂