Uma estratégia para desprivatizar o SUS

Décadas de estrangulamento financeiro abriram, na Saúde Pública, brechas crescentes para terceirização, descoordenação e precarização. Processos corroem atendimento público e relação com profissionais. Será preciso enfrentá-los

Adriano Massuda e José Gomes Temporão, entrevistados por Antonio Martins | Imagem: Charles Alston

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> O texto a seguir foi construído a partir de entrevista com Adriano Massuda e José Gomes Temporão, que está transcrita ao seu final. Acesse também as versões em vídeo (link acima) ou podcast (abaixo).

> O projeto Resgate, por meio do qual Outras Palavras quer debater ideias-força para a reconstrução do Brasil em novas bases, pode ser conhecido aqui.

Que nenhum dos problemas do SUS será sanado, sem multiplicar os recursos empregados no sistema, é consenso. Chega a ser espantoso que tenha havido, nas últimas décadas, expansão dos serviços, e mesmo inovações de grande relevância – a Estratégia de Saúde da Família, por exemplo, foi implantada progressivamente, a partir de 1994 –, em meio à exiguidade de dinheiro. Mas num cenário de superação do neoliberalismo fiscal, para o qual o projeto Resgate se volta, não bastarão mais verbas: será preciso corrigir problemas estruturais. Em 12 de agosto, dois grandes pensadores e militantes da Saúde Pública discutiram um dos mais relevantes.

O ex-ministro José Gomes Temporão (hoje na Fiocruz) e o ex-secretário da Saúde de Curitiba Adriano Massuda (atualmente professor da FGV) abordaram a privatização que corrói, por dentro, o Sistema Único de Saúde. Falaram sobre a onipresença de hospitais e centros de diagnóstico privados. Denunciaram a entrega, a particulares, da gestão das próprias unidades de atenção primária (porta de entrada e interface central da Saúde Pública com os usuários). Trataram da captura, por interesses privados, dos próprios equipamentos públicos (por meio da indicação partidária e clientelista de seus gestores). Apresentaram, para cada déficit, alternativas concretas. O investimento intenso, em especial na atenção básica, é o início de tudo. Mas precisa ser complementado com um plano de carreira nacional para os profissionais da Saúde; com modelos de gestão e contratação contemporâneos (os atuais são dos anos 1950); com um novo protagonismo público, mesmo na relação com os prestadores privados; com novo federalismo transformado– capaz de manter a autonomia dos municípios e, ao mesmo tempo, de impedir a fragmentação do sistema. Uma tentativa, sempre limitada, de resumir o que disseram vem a seguir:

> Primeiro passo: lutar contra o subfinanciamento:

Em debate anterior, Francisco Funcia e Grazielle David haviam apresentado os mecanismos por meio dos quais o SUS vem sendo subfinanciado há décadas – e passou a ser desfinanciado, após o golpe de 2016. Mas o diálogo de ontem trouxe dados concretos sobre os resultados desta política. Entre os países que mantêm sistemas universais de Saúde, França e Alemanha investem, neles, entre US$ 3 e 5 mil anuais por cidadão, apontou Massuda. No Brasil, acrescentou, são US$ 800 per capita – entre 3,5 e 6 vezes menos. Temporão mostrou como, mesmo em termos relativos, o Estado brasileiro despreza a Saúde. Brasil e Inglaterra investem, ambos, o equivalente a 9% do PIB em Saúde (ponderando renda per capita e população, significa que gastamos apenas 1/6  dos britânicos). Mas aqui, além disso, apenas 48% do dispêndio é feito no setor público – contra mais de 80% lá.

Concebido no período de ascenso das lutas sociais, que vai da segunda metade dos anos 1970 até a Constituição de 1988, o SUS expressou, também, um desejo de igualdade. Mas sua institucionalização deu-se no período seguinte – marcado, ao contrário, por concentração de renda e restrições ao gasto social. Esta contradição, já haviam lembrado Sônia Fleury e Juarez Guimarães, é a raiz principal das deficiências da Saúde Pública.

> Hospitais privados, caminho da desarticulação:

O subfinanciamento do SUS e os benefícios do Estado brasileiro ao setor privado, criaram uma deformação. A grande maioria dos atendimentos hospitalares oferecidos pela Saúde Pública é feita em estabelecimentos privados: Santas Casas, outras instituições “filantrópicas”, hospitais empresariais. É pior ainda com os exames diagnósticos, realizados, quase em sua totalidade, fora da rede própria do SUS.

Como agir diante deste quadro? Temporão crê que seria irracional abandonar a rede privada, que foi construída com recursos públicos (financiamentos generosos da Caixa e do BNDES) e que formou e reúne, de qualquer modo, capacidade e inteligência. Mas o inadmissível, diz ele, é que o SUS não mantenha com esta malha uma condição de protagonismo. A Saúde pública limita-se a contratar serviços. Não define padrões, não estabelece metas, não exerce controle. Age como mero cliente. E paga mal – consequência do subfinanciamento. Os hospitais privados, a que recorre, servem, costumeiramente, a outros contratantes, com os quais firmam acordos menos precários.

A melhora da rede hospitalar implica, é claro, investimento direto do SUS. Mas Temporão e Massuda concordam que é possível manter, mesmo com a medicina privada, relações muito mais favoráveis. É preciso que a Saúde Pública comande também os particulares que contrata.  Há exemplos de como agir. Segundo Temporão, o Instituto Nacional do Câncer, órgão do SUS, mantém uma rede de cerca de 130 hospitais oncológicos – públicos, filantrópicos e privados – que atende com qualidade, por ser efetivamente coordenada.

> Reverter a terceirização das Unidades Básicas:

Há anos, e a partir de São Paulo, a terceirização chegou à rede de atenção básica à Saúde. Aqui o dano é mais grave, porque são estas unidades que estabelecem e coordenam a relação permanente entre o SUS e a população. No entanto, cerca de 10% a 12%, calcula Massuda, já são geridas por Organizações Sociais (OSs), cuja lógica não é a da Saúde pública. A prefeitura paulistana chegou ao cúmulo de entregar a terceiros não apenas as próprias UBS, mas a própria Central de Regulação de Leitos, responsável por uma gestão estratégica da qual o SUS jamais deveria abrir mão.

A invasão da atenção básica pelas OSs foi, continua Massuda, a solução simplória para um problema complexo. As formas de gestão adotadas na Saúde pública (e no Estado brasileiro em geral) estão ultrapassadas há muito. Datam dos anos 1950, quando o Brasil era majoritariamente rural  e a estrutura estatal, pouco complexa. Para atualizá-las, é preciso determinação e, em certos casos, coragem para enfrentar e dirimir conflitos. Mas prevalece, ainda, o dogma ideológico segundo o qual o Estado não é capaz de dar este passo. Por isso, as OSs espraiam-se.

Temporão propõe, como alternativa, investir em “uma radical qualificação e expansão da Estratégia Saúde da Família” e nas redes que a articulam: Policlínicas, Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU). Seria, pensa ele, o caminho para que, antes de tudo, o SUS construa o que pode ser a espinha dorsal de um novo padrão de garantia do Direito à Saúde.

> Carreira nacional para os profissionais de Saúde:

Nas condições de subfinanciamento atuais, acrescentaram Temporão e Massuda, o SUS oferece pouco aos profissionais de Saúde – e exige deles bem menos do que deveria. A questão vai muito além dos salários. Não há, até hoje, por exemplo, uma carreira nacional para médic@s, enfermeir@s, psicólog@s e nenhuma das outras profissões que atuam na Saúde pública. As possibilidades de evoluir restringem-se, quando muito, a um município. Inexiste (ao contrário do que ocorre, por exemplo, na Petrobrás ou no Banco do Brasil) a possibilidade de prestar um concurso nacional, começar num posto remoto e, aos poucos, se for desejo, optar por uma localização mais central.

Em contrapartida, o Estado é frouxo ao cobrar responsabilidades. Os médicos, por exemplo, podem acumular dois empregos públicos e trabalhar ao mesmo tempo no setor privado. Nestas condições, é quase impossível criar vínculos e é tentador ter, no SUS, apenas uma fonte de renda a mais.

Temporão defende uma proposta que ele sabe ser polêmica. Acha que, como ocorre em outros países com sistemas universais, deveria ser vedado aos médicos acumular trabalho no SUS e no setor privado. Mas ele reconhece: é impossível dar este passo sem oferecer condições dignas de trabalho e carreira nacional.

> Não há futuro para a Saúde brasileira sem o SUS:

Medicina de dados, teleatendimento, biotecnologias. Há inúmeras transformações em curso, no cuidado com a Saúde. Seu sentido é incerto. Podem abrir caminho para condições inéditas de vida digna e bem-estar para as populações. Ameaçam, ao mesmo tempo, instalar um apartheid sanitário ainda mais profundo, ao restringir o acesso às novas tecnologias apenas à minoria capaz de pagar por elas. Mais uma vez, a disputa não se decidirá no terreno da técnica, mas no da política.

Também por isso, frisaram Massuda e Temporão, é preciso um SUS ampliado, fortalecido, capaz de assegurar que a Saúde Pública seja a de excelência – desmercantilizada e igualitária, mas ao mesmo tempo avançada e humana.

“SUS ou Medicina privada – quem será capaz para a Saúde integral dos brasileiros?”, perguntou Temporão em sua fala final. Basta comparar a riqueza e profundidade do diálogo, entre ele e Massuda, com a narrativa, cada vez mais rasa e marqueteira, dos defensores da saúde-mercadoria, para ter certeza da resposta.

Eis a transcrição do diálogo:

Antonio Martins: Oi, boa noite. Eu sou Antônio Martins, esse é o Resgate, a iniciativa do Outras Palavras que procura discutir as possibilidades da gente superar o fascismo e de reconstruir o país em novas bases.

O Resgate parte da ideia de que estão surgindo condições, não é algo certo, mas estão surgindo condições muito concretas, os últimos fatos inclusive demonstram isso, de formar uma maioria, entre a sociedade brasileira, que seja capaz de vencer o fascismo. Mas o Resgate parte também da ideia que que isso não pode significar a simples volta ao comum, que a volta ao comum é o que nos trouxe aqui

A volta ao comum expressa os quinhentos e vinte anos de colonização, expressa a inserção num capitalismo dependente e subordinado, expressa os quarenta anos do neoliberalismo, o período no qual nos foi dito que as sociedades não podiam pensar o seu futuro porque cabia aos Estados, como expressão das sociedades, essencialmente atender uma disciplina fiscal que alimentou, engordou, a aristocracia financeira.

Há sinais de que esse cenário está mudando no mundo, esse projeto está desgastado, ele é desgastado, contrariado claramente, hoje, nos Estados Unidos. Ele foi contrariado, durante todos esses quarenta anos, na China, durante a pandemia todos os Estados descumpriram a ideia segundo a qual, a ideia absurda, segundo a qual, os Estados só podem gastar aquilo que arrecadam.

E nós precisamos pensar projetos, ideias-força, para um Brasil após a superação tanto do fascismo quanto dessas amarras fiscais que nos colocaram, que produziram o retrocesso em que nós nos encontramos. Hoje nós temos como, nós temos já há dez dias, como foco desse debate do resgate o SUS.

O SUS como potência material que conseguiu, foi a tábua de salvação da sociedade brasileira na pandemia, mas o SUS também como símbolo da potência civilizatória do público, do comum, da repartição de riquezas, daqueles serviços que são essenciais e que não podem ser mercantilizados. Nós já debatemos o subfinanciamento do SUS, nós debatemos, além do subfinanciamento, medidas concretas pra resolver problemas que decorrem do subfinanciamento, mas que não vão ser resolvidos automaticamente quando ele acabar. Falamos sobre os problemas da atenção primária e como superá-los, falamos sobre os problemas dos gargalos dos atendimentos da chamada atenção secundária.

E nós temos um tema essencial, hoje, se a gente quiser resgatar o SUS, construir um SUS ampliado, fortalecido, humanizado… é a questão da privatização do serviço. Ela foi abordada, de certa maneira, ontem, a Roberta Oliveira, assessora da secretaria da casa civil da Bahia, nos contou o enorme cipoal que é para as prefeituras do interior encaminhar seus pacientes para um conjunto díspar de serviços, na maior parte privados, e que não estão interligados entre si e muitas vezes não priorizam os pacientes do SUS. E as idas e vindas, das unidades básicas do SUS, para esses serviços acaba rompendo o tratamento, o caminho, o percurso terapêutico.

Ela contou também como uma providência simples, que foi a construção de um conjunto de policlínicas regionais, em consórcio entre o Governo do Estado e as prefeituras, permitiu racionalizar o serviço, oferecer para os médicos, para as equipes de saúde, condições de acompanhar muito melhor os pacientes e oferecer aos pacientes, também, um tratamento muito mais adequado sem ampliar, talvez até reduzindo, a transferência de recursos, o uso de recursos públicos.

Mas nós estamos hoje com dois especialistas destacados e lutadores também destacados em favor da saúde pública que vão nos falar sobre a desprivatização do SUS. Nós temos o Adriano Massuda, o Adriano é professor, é médico formado no Paraná, na Universidade Federal do Paraná, e é professor hoje da Escola de Administração de Empresas da FGV. O Adriano foi secretário de saúde em Curitiba e trabalhou em outras posições no sistema de saúde, além de ser consultor da Organização Panamericana de Saúde.

E nós temos a satisfação de ter a presença ilustre do ex-ministro José Gomes Temporão, que foi ministro da saúde entre dois mil e sete e dois mil e onze. O Temporão é médico sanitarista, exerceu diversas outras atividades na gestão pública e hoje dirige – como é Temporão?- o Instituto Sulamericano de Governo e Saúde. São essas as informações que eu obtive aqui, não sei se tão completamente precisas.

José Gomes Temporão: Na verdade eu sou pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz, esse instituto aí eu já passei o bastão há muitos anos.

Antonio Martins: Está certo! Continua aqui na Weekpedia. Então, também pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz. Boa noite Adriano, boa noite Temporão.

Adriano Massuda: Boa noite, Antonio.

Antonio Martins: Desculpe por interromper. Eu te pediria, em primeiro lugar, Adriano… essa questão da privatização do SUS é bastante conhecida, porém, de forma muito genérica. Nosso público não é um público especializado em saúde, apenas uma parte dele é um público que atua no setor de saúde. Então, eu te pediria pra pra nos dar uma visão um pouco geral do que representa essa privatização dos próprios serviços. Não estamos falando do paciente que vai a uma clínica particular, com um hospital privado ou com um plano de saúde, mas como a própria estrutura do SUS está minada, num certo sentido, não sei se essa palavra é boa, mas é está preenchida por uma uma parcela muito grande dos serviços, é prestada por hospitais, Organizações Sociais e outros tipos de serviços de saúde privados. Você pode nos dar um panorama disso, Adriano?

Adriano Massuda: Bom, Antônio, boa noite e queria agradecer muito o convite, cumprimentar também o querido amigo, ministro Temporão. Uma honra enorme estar ao seu lado nesse debate tão importante. Pensar o futuro do Brasil. E a pandemia tem demonstrado aí a a imprescindibilidade da gente ter um sistema de saúde com as características do SUS, o sistema de saúde público, universal, gratuito, que oferece da vacina ao transplante pra toda a população, não só brasileira, mas pra quem tá no território nacional. A gente atende, aqui pelo SUS, inclusive migrantes, pessoas não documentadas, coisa que em outros países, que têm sistemas universais, isso não acontece. Se você é um migrante que não está legalizado, no Canadá, na Inglaterra, você tem dificuldade para ser atendido pelo sistema de saúde pública desses países.

Nosso sistema de saúde é bastante generoso. Ele oferece da vacina ao transplante, para toda a população que está em território nacional. Acho que isso é uma questão importante de destacar e, entretanto, o que a gente almejou, o que os constituintes almejaram quando definiram as bases do sistema de saúde brasileiro, tomando como referência as diretrizes aprovadas pela oitava Conferência Nacional de Saúde, e aí já tem uma coisa importante também da característica do sistema de saúde brasileiro, é ter sido formulado pelo movimento social organizado, pelo movimento sanitário, com a forte participação da intelectualidade sanitária, dos trabalhadores, das comunidades de base, enfim… ou seja, é um sistema que não nasce de uma reforma de governo, nasce de um projeto, de disputa de sociedade que a gente quer pro nosso país.

Entretanto, a gente nunca teve as condições para implementar o SUS de maneira plena. Logo no início, no começo dos anos noventa, foi decretada a situação de calamidade fiscal, em 1993, porque não se tinha estabelecido um financiamento adequado para o sistema de saúde brasileiro. O que a Constituição propunha era que 30% do orçamento da seguridade social fosse destinado ao Ministério da Saúde, e isso não foi implementado.

Várias medidas foram criadas para se tentar garantir, criar um mecanismo para financiar o sistema de saúde brasileiro, e a consequência é que, até hoje, ele é absolutamente subfinanciado. Esse subfinanciamento, na verdade, de 2016 em diante, se tornou um desfinanciamento e isso compromete a capacidade de gestão do sistema de saúde brasileiro.

Então, para dar um dado de comparação, essa questão do financiamento é fundamental pra entender a precarização no modelo de gestão, que é a questão das OS. Então tem uma questão anterior aí, que é essa, países que têm sistemas universais de saúde alocam, pelo menos 80% do gasto em saúde, como fonte governamental, ou seja, despesa pública. Aqui no Brasil nós estamos na metade disso. O gasto público representa 41% do gasto total. 58% do gasto em saúde, no Brasil, é um gasto privado, então, a privatização começa na distribuição dos recursos à saúde.

Quando a gente vai olhar para a nossa rede assistencial, e aí a questão de como que ela está organizada, apesar do subfinanciamento nos trinta anos de existência do SUS, a gente conseguiu criar uma grande expansão da rede de serviços, principalmente da rede básica, e essa rede básica ofertada por municípios, o sistema de saúde brasileiro, é um sistema descentralizado, tem a sua gestão descentralizada para o âmbito municipal, como pouquíssimos países no mundo, aí também é uma outra questão… A gente tem um problema de financiamento, mas também tem um problema do modelo de governança, a nossa rede básica foi toda, praticamente, constituída por serviços vinculados às prefeituras, ou seja, serviços estatais.

Então, quando a gente olha para a nossa rede básica, a gente tem uma rede básica estatal, na sua grande maioria, com profissionais vinculados às prefeituras. E há um fenômeno recente, não mais tão recente mas… de terceirizar a gestão das unidades básicas, por meio das OS, trazendo essa solução que foi criada em São Paulo, nos anos noventa, ou melhor, implementado em São Paulo, mas vinha de um projeto de reforma do estado, de criar formas alternativas de gestão dos equipamentos públicos.

Isso foi implementado primeiro nos hospitais, a rede hospitalar pública de São Paulo é, praticamente, quase toda ela gerenciada por OS, isso foi, esse modelo foi disseminado pra outros estados e, num segundo momento, começou a ser incorporado também em unidades básicas de saúde. Então, uma boa parte, hoje, das unidades, ou melhor, uma minoria ainda, mas há um crescente de unidades básicas de saúde sendo gerenciadas por OS.

Então, na rede hospitalar, como eu já falei, isso começou em São Paulo e se expandiu. Então acho que é uma característica aí da terceirização da gestão. Tem um outro componente da rede privada, falando dos hospitais, que atendem ao SUS. A grande maioria dos leitos vinculados ao SUS é privada e de administração de instituições filantrópicas. Então, se a gente analisar os leitos gerais do Brasil, a maioria é privada, mas atendem ao Sus a partir de contratos estabelecidos pelas secretarias municipais e estaduais de saúde, de uma maneira geral.

Antonio Martins: Algum dado estatístico mais preciso sobre isso? Você falou em maioria no atendimento dos hospitais e, nas OS, minoria, mas crescente. Existe dado estatístico consolidado sobre quanto isso representa?

Adriano Massuda: Olha, é uma excelente pergunta. As informações do Ministério da Saúde estão ficando cada vez menos transparentes. Essas informações deveriam estar disponibilizadas no Cadastro Nacional de Estabelecimento saúde, mas a questão do modelo de gestão não é uma informação tão clara, então o que a gente pode falar é que a rede básica, praticamente cem por cento dela, é municipal, e um crescente, que eu colocaria em torno de uns 10% a 12% gerenciadas por OS.

Com relação aos hospitais, a maior parte dos leitos está em instituições privadas filantrópicas. As instituições públicas, há um crescente de hospitais públicos administrados por Oss, e isso dependendo muito da solução dos estados e também dos municípios. Há uma possibilidade, há uma autonomia dos entes federativos, passa-se pela questão dos entes federativos, então… mas esse dado preciso, de quantos são, eu não tenho. A gente ainda tem a rede de apoio diagnóstico, de exames complementares, essa rede é praticamente quase toda privada, contratada pelo SUS, e o SUS, então, exames de laboratório, exames de imagem, ou seja, o gestor do sistema de saúde, quando eu era secretário de saúde em Curitiba, por exemplo, a gente ia na rede, 280 equipamentos de saúde vinculados ao município, metade eram públicos, que era toda rede básica, as UPAs, os CAPS, e a parte hospitalar e especializada contratada de serviços filantrópicos, que prestavam historicamente atendimento à cidade.

Enfim, então um pouco é esse o panorama. O que de fato a gente tem é um mix público-privado com bastante variação entre as regiões do país e entre as características do tamanho dos municípios. Municípios pequenos praticamente tem redes municipais de atenção básica em um hospital filantrópico. A grande maioria, dos hospitais filantrópicos, é de pequeno porte, pouco efetivos. Enfim, só pra fechar o raciocínio pra passar a palavra para o Temporão, a gente conseguiu, nesses 30 anos de SUS, fazer uma grande expansão da rede básica, expandir serviço de saúde mental, expandir serviços de urgência e emergência. A gente não conseguiu mexer na atenção hospitalar especializada. Ela segue, ainda, o modelo inampsiano de pagamento por produção, de contratos precários, de baixa capacidade do gestor do SUS fazer bons contratos pra integrar esses serviços à rede assistencial.

Então, essa realidade que você relata na Bahia, ela é uma realidade bastante comum na grande maioria dos municípios brasileiros, de uma grande fragmentação dos serviços que, mesmo atendendo o SUS, funciona de maneira segmentada. Então, pensando o futuro, a gente precisa ter mais recursos para o sistema público de saúde, a gente precisa chegar, pelo menos, no patamar que países ricos investem em saúde, que é em torno de 80% do gasto em saúde sendo gasto público, para aí sim poder ter capacidade de direcionar esse recurso para as áreas de necessidade do sistema de saúde brasileiro, e a gente ter a capacidade de criar carreiras de estado para os profissionais de saúde… carreiras de gestão, carreiras de gestores, de sanitaristas, para pensar a gestão pública.

A gente não tem carreira de sanitarista mais, no Brasil. É uma fragilidade imensa, uma baita de uma contradição, na medida em que aumenta a complexidade dos problemas de saúde, aumenta a complexidade da gestão de uma rede difusa, complexa, de serviços, você tem uma deterioração, da capacidade do Estado, em fazer essa gestão, você tem a perda de uma inteligência sanitária que deveria estar na presença de uma carreira de estado, para sanitaristas, pra fazer a gestão do sistema de saúde. Isso requer financiamento e requer que o recurso seja alocado de maneira planejada, estratégica, em áreas de necessidade.

Só para terminar, aqui em São Paulo, essa precarização da gestão dos serviços também domina, hoje, a precarização da gestão do sistema. As OS não gerenciam só, apenas, hospitais, aqui em São Paulo as OS gerenciam, inclusive, a central de regulação de leitos, que seria, assim… se pensar nas possibilidades, tudo bem, vamos pensar… a última coisa que você pode é descentralizar, privatizar, esse espaço de tomada de decisão para ver aonde vai o paciente que precisa estar num determinado leito, essa é uma função eminentemente pública, que não pode, de maneira nenhuma, ser descentralizada, privatizada. Daqui a pouco estão privatizando as funções de inspetoria sanitária, enfim… ou seja, funções típicas de estado, que de maneira nenhuma podem ser privatizadas, e a gente vê isso acontecendo e deteriorando a capacidade de gestão do estado em relação a, não só a gestão de serviço, mas a gestão do próprio sistema de saúde.

Antonio Martins: E o próprio secretário, o secretário, nessas condições, deixa de gerir o sistema de saúde, passa a gerir os contratos com as OS, evidentemente. No fundo, está privatizando o secretário também. Temporão, o que você acrescenta a esse quadro que o Adriano caracterizou assim, em linhas gerais, com tanta nitidez.

José Gomes Temporão: Um boa noite a todos. Antônio, muito obrigado pelo convite do Outras Palavras, pra estar aqui com vocês. Cumprimentar o Adriano, um grande prazer, Adriano, estar com você aqui, nessa noite. É um tema muito candente, apaixonante e importante. Eu queria, vou tocar em alguns pontos para, quem sabe, ajudar aqui a gente a aprofundar um pouco esse debate.

Primeiro ponto que eu queria falar é o seguinte, a participação do setor privado, por si só, em si, não é negativa. Você imaginar o sistema universal integral com uma oferta totalmente estatal pública, no Brasil de hoje, no Brasil das próximas décadas, eu diria que ele é real e até mesmo sem sentido. Por que isso? Na verdade, você tem uma grande capacidade instalada, o Adriano falou, na alta complexidade, principalmente, privada, né? Que em grande parte foi financiada com recursos públicos, nos anos setenta e oitenta do século passado, de recursos da Caixa Econômica Federal e, nas últimas décadas, recursos do BNDES, muitos deles a fundo perdido.

De outro lado você tem, na rede privada, conhecimento, capacidade médica, capacidade em saúde, você tem que considerar isso como patrimônio da da nação e imaginar como você pode colocar essa capacidade a serviço do SUS, ou seja, a questão é como se dá essa participação? Ela se dá através de um contrato de direito público onde, a partir do momento que o serviço privado se integra a rede SUS, ele deve passar a ser visto e tratado como se público fosse, me parece que essa é a questão. E de outro lado impedir que recursos públicos pra investimento, por exemplo vindos, do BNDES, sejam alocados para expandir a rede privada, para oferta privada, e não para oferta do SUS.

Uma outra questão que eu queria colocar é, será que existem serviços públicos privatizados? Com certeza, basta olhar o processo de nomeação de dirigente de hospitais. Os hospitais do Ministério da Saúde, aqui no Rio de Janeiro, loteamento de cargos, uma pulverização de cargos de confiança muitas vezes sem critérios de mérito, ou de capacidade técnico-científico, ou de gestão, para a ocupação desses cargos. Inclusive, nós sabemos que o dia a dia – Adriano foi gestor – a persistência de indicações de políticos para conseguir atendimento para seus eleitores… Pode parecer uma coisa meio do Brasil profundo, que já, hoje, a página já teríamos virado, mas não se iludam, muito presente! Baixada Fluminense, aqui no Rio de Janeiro, na própria região metropolitana.

Antonio Martins: Ou seja, você está se se referindo à privatização, à apropriação, por interesses privados, até daquele que tem gestão pública.

José Gomes Temporão: Exatamente! Apropriação do público pelo interesse privado, político, econômico, desvio de recursos, licitações fraudadas. Agora eu queria chamar atenção, já pra levantar mais uns alguns pontos aqui, quais seriam, ao meu ver, os motores da privatização do SUS, hoje? Da saúde brasileira, hoje? O primeiro deles, inconteste, é o baixo financiamento setorial, ou seja, a partir do momento que você mantém o desfinanciamento estrutural do SUS… Onde o próprio parlamento, os governos, o BNDES como uma agência de fomento ao crescimento do setor privado, e quando você junta isso a políticas de subsídio e renúncia fiscal diretas e indiretas para o setor de planos e seguros, e corte de recursos, como aconteceu com a Emenda 95 do SUS, é evidente que a capacidade de investimento e, portanto, a capacidade de crescimento, da rede pública, se reduz profundamente.

Por outro lado, olha que coisa interessante, vamos dar um exemplo: O hospital Albert Einstein, de São Paulo. Ele presta serviço ao SUS. Que tipo de serviço? Transplante de órgãos. E por que o faz? E apenas transplante de órgãos? Porque o SUS remunera o transplante de órgão, para um hospital privado, num nível muito adequado, que cobrem todos os custos, com certeza. Mas o Einstein não se dispõe a a fazer internações, exames laboratoriais, consultas de especialidades e outros procedimentos para o SUS. Por quê? Porque o SUS remunera muito abaixo, do que seria o custo de prestação desses serviços, para os prestadores, por conta do estrangulamento financeiro. Basta ver que o setor de planos e seguros, pra atender, parcialmente, as necessidades de cinquenta milhões de pessoas, gasta anualmente, mais ou menos, o dobro do que o SUS para atender integralmente à totalidade da população brasileira, os cento e cinquenta milhões que dependem dele pra todas as necessidades… e mais, todos os brasileiros, para transplantes, vacinas, medicamentos de alto custo pra doenças crônicas, atendimento de urgência e emergência, vigilância sanitária e epidemiológica. Então a questão do financiamento é central.

Segundo, há uma baixa qualidade e eficiência da da rede pública e entra exatamente os modelos de gestão. Ou seja, a busca de qualidade e eficiência dos serviço público é o aspecto central pra nós reduzirmos a privatização. O que que tem acontecido nas últimas décadas? Uma busca completamente equivocada pelo aumento dessa eficiência através de falsas cooperativas, terceirizações, contratos por tempo determinado para os profissionais de saúde e contratações de Organizações Sociais.

Ou seja, ao invés de nós nos dedicarmos a pensar, dentro do Estado, um modelo ou modelos que permitam uma eficiência melhor e permita uma qualidade melhor, o que nós fizemos foi uma brutal fragmentação que, além de privatizar a gestão, impacta, ao meu ver, também negativamente a qualidade.

O terceiro ponto é a questão dos trabalhadores da saúde. Olha, o SUS deveria ser o espaço, o pólo de atração dos melhores entre os melhores, não é isso? Todo mundo quer trabalhar no SUS. E como você faz para conseguir isso? Não é apenas salário, são condições de trabalho, são perspectivas em relação ao futuro e, infelizmente, hoje nós não vemos isso. E aí eu quero dar um exemplo, falar uma coisa bem polêmica aqui, que ninguém… eu já falei isso em um outro debate, há muito tempo atrás, e as pessoas não gostaram muito, mas é o seguinte: é o trabalho dos médicos. Os médicos, pela lei brasileira, podem ter até dois empregos públicos, além de atividades privadas incalculáveis. Ele pode ter dois empregos públicos e quatro contratos privados, não é?

Qual é a importância disso? Olha, isso leva a conflito de interesse, isso leva à fragmentação do cuidado. Grande parte do trabalho se dá em plantões, que nós sabemos que é inadequado, para o segmento adequado dos pacientes, e se impacta a qualidade da assistência. Então, eu levanto a tese de que nós deveríamos, de que deveria ser proibida a acumulação de empregos no SUS e no setor privado para médicos e outros profissionais, como é na Inglaterra. Quem trabalha no — trabalha só lá, quem trabalha no setor privado trabalha só no setor privado. É claro que isso também impacta a questão econômica, você tem que ter condições de garantir tempo geográfico integral, dedicação exclusiva e salários competitivos e adequados.

E o o último ponto que eu queria levantar, para concluir, é que tem uma dimensão política e ideológica., também, nesse processo de privatização. É a dimensão cultural público e privado, ou seja, tem toda uma narrativa, uma ideologia que apresenta a saúde como gasto, que o SUS é muito importante para os mais pobres, que a medicina privada é de melhor padrão que a medicina pública, o que não é verdade. Que o Estado é ineficiente, é corrupto. Essa é uma visão hegemônica no parlamento, é uma visão hegemônica na burocracia estatal, no Ministério da Economia, no Ministério do Planejamento, no judiciário… Então, e aqui se junta a isso uma certa naturalização da desigualdade estrutural, ou seja, seria natural que os mais pobres, de um lado, e a classe média dos mais ricos tenham acesso diferenciado à saúde, à educação ou a outros serviços de saúde.

Ou seja, aqui entra uma questão central, que é a questão da sustentabilidade política do SUS. O SUS Universal, para todos os brasileiros, não o SUS precário, não o SUS fragmentado, não o SUS parcial. Eu acho que surge, olha, para mim, não é o SUS tirar foto tomando vacina contra a Covid-19, com a plaquinha “eu amo o SUS”… é ótimo, mas não é o suficiente. Nós temos que lutar para que esse SUS se projete como o sistema de saúde para todos os brasileiros.

Antonio Martins: Muito obrigado, também, Temporão. Olha, vocês levantaram, nessas duas falas iniciais, relativamente curtas, um conjunto de questões pelas quais eu gostaria de passear um pouco… Tem oito ou nove questões aqui, pelo menos, que vocês levantaram. Então vou fazer perguntas pontuais pra vocês. A primeira questão, que vocês dois frisaram, é o subfinanciamento e, após o golpe, o desfinanciamento como causa essencial da privatização dos serviços. Eu já vi estatísticas, eu não sei se vocês têm de cabeça, o Massuda comparou o gasto público com o gasto privado na saúde… Mas tem um outro dado, muito relevante, que é o volume de gastos por habitante, comparando países… vocês têm esse dado porque isso remete à seguinte questão, que a gente tratou na conversa, por exemplo, com a com a Sônia Fleury e o Juarez Guimarães, e que o Massuda meio que tratou. É, justamente, quando a gente fez a constituição, quando a gente fez o SUS, o país e o mundo… mas veio a onda neoliberal com mais força.

Então é essa a contradição que você vocês dizem. A gente cria um modelo, aparentemente, aparentemente não, o modelo transformado, transformador também, sem recursos pra pra executá-lo. Eu queria saber se vocês têm esse dado, a comparação entre gasto por habitante em saúde pública, no Brasil e em outros países.

Adirano Massuda: É, eu vou dar um dado por alto, só de comparação. A gente tem, no extremo, país que gasta, que mais gasta – para dizer assim o quanto é importante ter o sistema de saúde organizado, para que o gasto seja distribuído de maneira adequada – que mais gasta, hoje, no mundo, é Estados Unidos. Está gastando em torno, próximo de, 18% do PIB americano em saúde. Isso dá quase dez mil dólares per capita. É uma quantidade absurda e mesmo assim o sistema de saúde não cobre todo mundo, você tem aí, mais de 10% dos americanos que não tem nenhum tipo de cobertura de planos de saúde, público ou privado, que lá também tem cobertura pública, o Medcare o Medcade.E apesar de ser o país mais rico do mundo, é onde tem o maior número de falências por pessoa física, em função dos gastos com saúde.

Na média dos países europeus, você tem uma um um gasto médio, per capita, de três mil a cinco mil dólares. Então, o NHS, o sistema inglês, acaba sendo um sistema abrangente, cobre todo mundo, oferece uma grande quantidade de tecnologias de alta qualidade e o gasto médio é um pouco maior de três mil e quinhentos dólares. A Alemanha também cobre todo mundo e… pouco mais de cinco mil dólares. Então, mas o que é importante é que, tanto nos países europeus, oitenta por cento do gasto, desse gasto, é um gasto público.

No Brasil, a nossa média de gasto em dólar, está em torno de oitocentos dólares por habitante ano, e isso, se a gente for dividir entre o que é público e privado, sessenta cinquenta e oito por cento é um gasto privado, que se concentra em menos de vinte e cinco por cento da população brasileira, então é um gasto bastante concentrado. Enquanto que 40% está destinado a toda a população brasileira que usa o SUS. Cento e cinquenta milhões de brasileiros usam, exclusivamente, o SUS.

Enfim, então tem essa essa distribuição bastante desigual.

José Gomes Temporão: Acho que o ponto central, por exemplo, quando você compara o percentual do PIB, investindo em saúde, o Brasil está em alguma coisa em torno de 9% do PIB, a Inglaterra também gasta 9% do PIB, os Estados Unidos gastam 17% e tem o desempenho muito pior. Então, o Brasil não está muito distante do gasto, em relação ao percentual do produto interno bruto, do que países, alguns países europeus e até alguns países em desenvolvimento aqui da América do Sul e outros. O problema é exatamente a questão do gasto público e do gasto privado.

Chamar a atenção que, no caso do gasto privado, que é a mais da metade por cento, acima de 56%, 57% do gasto é privado, parte desse gasto privado é desembolso direto das famílias. E em quê? Em medicamentos, principalmente? Porque o Brasil, com exceção do SUS que subsidia gratuitamente medicamentos de alto custo no tratamento de doenças crônicas, mas os medicamentos do dia a dia, apenas o farmácia, o aqui tem farmácia popular, que foi um grande programa do governo presidente Lula, mas que foi perdendo força, poderia hoje estar cumprindo um papel muito maior, mas grande parte das famílias brasileiras gasta um recurso expressivo na compra direta de medicamentos e outros procedimentos, e isso onera, proporcionalmente, os mais pobres, evidentemente.

Quando você vê o impacto numa família que ganha dois, três, quatro salários mínimos, em medicamentos, é muito maior do que uma família que ganha dez, quinze ou vinte salários mínimos. Mas a questão central é o gasto público. O Brasil gasta pouco em saúde, o Governo brasileiro, o Estado brasileiro, tem que gastar mais.

Antonio Martins: Muito obrigado, Temporão. Esses dados são muito úteis, aqui, para esse diagnóstico e a gente tem que partir da noção, para todas as questões que a gente vai tratar agora, que são uma visão de futuro, e de que esse processo todo de subfinanciamento, depois de desfinanciamento, tem que ser enfrentado pela sociedade, mas para que a sociedade lute por isso, ela tem que ter uma noção do que pode ser um outro sistema de saúde também. E vocês tocaram na questão dos hospitais privados, mostrando que eles são responsáveis pela grande maioria dos atendimentos do SUS, e os serviços laboratoriais e de imagem, da quase totalidade. Eu queria fazer duas perguntas para vocês. Você concordaria, Temporão? Você lembrou bem, que existe uma vasta rede, você não pode descredenciar esses hospitais privados. Mas você disse, num determinado momento, que os recursos novos deveriam ser sempre pra construir hospitais públicos, não se poderia fazer o que se fez nos anos setenta, o que se faz agora, da Caixa Econômica ou do BNDES financiarem hospitais privados quando não tem dinheiro, quando nós precisamos caminhar para uma maior publicização do sistema. E você falou, Massuda, do modelo inampsado, que é esse de remuneração quase sem controle. Eu perguntaria, então, essas duas coisas: Seria uma proposta concreta dizer que todos os recursos de investimento em hospital tem que ser feitos na rede pública? E que saída a gente teria pra inampsização? Que outro modelo? Já que você vai ter que conviver, por bastante tempo, com uma rede privada. De que forma ela poderia atender ao público de outra maneira?

Adriano Massuda: Eu começo? Boa. Bem, eu acho que o Temporão colocou, assim, de maneira brilhante, a complexidade do tema da relação público-privado, e acho também que na análise que ele fez dá pra ver que os dois sistemas, tanto público, quanto privado, se desenvolveram e se tornaram complexos e desenvolveram conhecimento, desenvolveram saberes, acumularam experiências que precisam ser reconhecidas e, talvez, o que a gente precisa construir é uma nova síntese de um sistema de saúde único.

É o SUS, e o sistema privado estar a serviço do SUS, seguindo as políticas públicas nacionais, definidas nacionalmente. Então, acho que isso é central. Para isso, assim, para você conseguir ter melhor capacidade de contratação, você precisa ter recurso. Por hoje eu falo, olha, eu consigo contratar transplante no Einstein, mas não consigo contratar a internação, por quê? Porque o que se remunera não é suficiente.

Um dos efeitos, Antônio, que é fundamental ver, do subfinanciamento, e é esse subfinanciamento público. Ele é majoritariamente federal, ele teve um impacto sistêmico bastante importante na governança do sistema, que acaba explicando aí a consequência da precarização da gestão. Antes do SUS, o gasto público, ele era 75% federal. Hoje, o gasto público é 40% federal. Quem assumiu a responsabilidade, quem assumiu a carga do financiamento público, acabou sendo os municípios. Os municípios, antes do SUS, colocavam em torno de dez por cento do orçamento público, hoje estão colocando quase 35%. E aí você tem cinco mil quinhentos e setenta municípios com capacidades fiscais totalmente diferentes. A gente publicou um estudo na Lancet, em 2019, demonstrando que as políticas de austeridade fiscal teriam efeitos distintos no país. Os municípios que seriam os mais afetados seriam os municípios pequenos, com menor capacidade de arrecadação, que são mais dependentes das transferências federais. Reduzindo as transferências eles vão ter dificuldade de manutenção dos serviços. Então, a questão central é a questão do financiamento. Você tendo o financiamento, você consegue fazer melhores formas de contrato e melhor maneira de controle do recurso gasto.

E aí o setor privado brasileiro, acho que desenvolveu métodos de pagamento de contratação de serviços que tem que ser apropriados pela pela gestão pública… De você contratar pacotes de cuidado e vencer esse modelo, né, que era ainda inampsiano, que é o pagamento por procedimento, que desresponsabiliza pela pela continuidade do cuidado, o atendimento fica centrado só na produção do… então isso tem que mexer, mas para mexer nisso precisa ter mais recursos.

Técnica para fazer, jeito pra fazer, a gente consegue incorporar. O SUS teria plenas condições de fazer melhores contratos, seja com hospitais públicos, como o Temporão falou, como o Temporão falou, o problema da qualidade da gestão não está só nos hospitais privados, está no público. Na questão geral da atenção hospitalar brasileira, a gente tem agora a experiência recente da EBSERH, que eh se tornou uma empresa de administração dos hospitais universitários, uma coisa… por exemplo, vou falar uma coisa também que é polêmica, a EBSERH tem que vir para o Ministério da Saúde.

Se a gente quiser, né, que o SUS seja, de fato, o gestor da rede assistencial tem que trazer esses hospitais universitários que incorporam tecnologia para dentro do escopo do Ministério da Saúde, sendo geridos pelo sistema de saúde. É assim que se forma bons profissionais, é assim que você faz boa pesquisa, é de acordo com o que o sistema precisa, e não com o que o profissional médico, o chefe do serviço quer fazer. Enfim, então acho que é por aí que a gente tem que caminhar.

Antonio Martins: Que você diz, Temporão?

Temporão: Eu acho que o caminho do Massuda está bom, mas é o seguinte, eu diria o seguinte… tua primeira pergunta…

Antonio Martins: As verbas públicas.

José Gomes Temporão: Qual sua prioridade? Investir, nós temos que ter um fundo público de investimentos, você poder ter recursos aí, do Ministério da Saúde, dos estados, dos municípios e do próprio BNDES, como órgão de fomento, numa radical qualificação e expansão da Estratégia Saúde da Família, de qualidade universal. Segundo, você ampliar o que nós chamamos das redes que envolvem atenção primária, policlínicas, Centros de Atenção Psicossocial, SAMU, UPAS, Rede de Urgência e Emergência. Você, porque não vejo nenhum sentido em você criar uma rede hospitalar paralela à rede hospitalar que já está aí, filantrópica, só que o padrão de relacionamento com essa rede privada tem que mudar, do ponto de vista econômico, do ponto de vista da modalidade de remuneração. Na verdade, você tem que partir para trabalhar por orçamentação global em cima de indicadores de desempenho, de redes integradas de atenção à saúde. Então você investe pesado numa grande qualificação e expansão do que nós chamamos da rede de atenção básica, ambulatorial e de atenção à saúde mental de urgência e emergência.. e mudar radicalmente o padrão de relacionamento com a rede privada, do ponto de vista econômico, do ponto de vista conceitual.

Vou dar um exemplo prático, que isso já existe. Não idealmente, como nós gostaríamos, mas de avançou muito. O Brasil dispõe de uma rede de 130, 140 hospitais de oncologia, é um dos poucos países em desenvolvimento, no mundo, que dispõe dessa rede. Essa rede é majoritariamente filantrópica e parte privada, pequena parte pública, e essa rede, ela é obrigada a cumprir uma série de padrões de atendimento para poder fazer parte dessa rede.

Esses hospitais têm que oferecer atendimento ambulatorial de internação, cirurgia quimioterapia, radioterapia, reabilitação, psicologia, nutrição, et., etc., etc. Existe uma política do Ministério da Saúde que foi construída, principalmente, a partir do Instituto Nacional do Câncer, que montou essa rede. E essa rede tem um padrão bastante razoável. Claro que ela deveria ser muito maior, poderia trabalhar muito melhor, mas é um exemplo interessante de como você pode fazer, utilizando uma rede que não é estatal, de oferta, ela é pública, mas a partir de uma política pública você pode dar um outro padrão de funcionamento e garantindo um atendimento 100% SUS.

Antonio Martins: Ótimo! Vamos conversar um pouquinho sobre as OSs., minha informação, vocês me corrijam, é que também a privatização das OSs, o recurso às OSs, a terceirização do atendimento básico, ela se dá, na grande maioria dos municípios, por conta das restrições orçamentárias e da lei de responsabilidade fiscal, num certo sentido, para driblar uma lei neoliberal se contrata, se transfere, um serviço que era público, para terceiros, privados. Queria saber se é isso mesmo? E, retomando o que o Massuda falou, deveria haver o veto, por exemplo, a que certos serviços de gestão dessa rede de assistência básica fosse exercida, então, pelas OSs, como uma primeira medida, digamos assim, que vocês acham?

Adriano Massuda: Não acho que o argumento que justifica a criação das OSs… de início, é uma perspectiva de que você não tem solução, pela administração pública, para resolver problemas complexos, e aí a questão de se construir o argumento fiscal acaba sendo uma justificativa secundária. Mas eu acho que, de início, ali tem uma questão, nós precisamos rever o modelo de gestão do Estado brasileiro, o Temporão tentou fazer essa discussão, com a questão das fundações estatais, não é um debate simples… eu tinha uma fundação estatal em Curitiba, ela também não é a solução de todos os problemas. Os vícios da da gestão pública, da gestão privada, por dentro desses desses novos modelos. Então, eu acho, de fato, que a gente precisa fazer o debate da gestão do sistema de saúde brasileiro, quais são os serviços públicos… e construir modelos de gestão que tenham perspectiva de ter carreira profissional, porque você precisa ter contratação, vínculos profissionais, profissionais com carreira, que possam ter carreira no SUS.

A rede básica, pela característica que tracei no início, ela é praticamente toda estatal, municipal, então ela é estratégica. No Brasil, a nossa rede básica não faz só atendimento médico, como é a grande maioria da atenção primária em países europeus. No Brasil, a tensão básica brasileira é multiprofissional, no território, ela tem funções de saúde pública, ela faz visita aos agentes comunitários, fazem visitas nas casas, faz busca ativa pra fazer tratamento das pessoas… isso são ações tipicamente de saúde pública.

Então, quando você privatiza a atenção básica brasileira, esse tipo de ação tipicamente de saúde pública, que você precisa de poder de Estado, isso fica enfraquecido. Então, acho que é uma questão importante, onde a gente precisaria investir é no fortalecimento da estratégia de saúde da família e criar carreiras, para que os profissionais na atenção básica possam se desenvolver, ter bons salários, ter perspectiva, enfim…

Em outros níveis do sistema, onde você já tem praticamente todo o serviço ofertado por instituições privadas, como em exames diagnósticos, não tem sentido você querer comprar, construir, uma questão pública em contrário, aí a questão é fazer melhores contratos. Eu acho que tem que ter esse pensamento de como é que a gente gere um sistema de saúde que lida com esse mix público-privado, lidar com a realidade.

Como é que a gente pode melhorar a capacidade de gestão dos serviços de saúde, mas também a gestão do sistema de saúde como um todo, num sistema de saúde que é municipalizado, que os entes federativos têm autonomia, para fazer as suas escolhas. Então, também é praticamente inviável você ter um modelo único no Brasil, mas você construir um modelo para o SUS, que o Ministério da Saúde incentive, Municípios e Estados, a implementá-lo… Isso deu certo no saúde da família. Criou-se um modelo, financiou o modelo, adotou o modelo, funcionou. Por que não avançou ainda mais? Porque não tem recurso, o recurso para a atenção básica, do Ministério da Saúde, é apenas 20% do orçamento total do ministério, se dobrasse, se chegasse em 40%, sem dúvida a gente conseguiria ter uma atenção primária mais forte e mais eficiente e aí reduzindo, inclusive, a demanda pra atenção hospitalar especializada.

Antonio Martins: Vocês dois falaram na questão da saúde básica. Eu estou muito curioso, daqui a pouco queria conversar com vocês sobre isso. Mas, Temporão, você foi ministro. O Massuda está dizendo que, diante de um problema complexo, que é a necessidade de formas mais sofisticadas de gestão dos equipamentos e dos sistemas de saúde do Estado, se adotou uma solução simples ou simplória, que foi só de dizer “nós não temos condições dessa complexidade, vamos passar para as OSs”. Como ex-ministro, eu sei que é um problema complexo, mas… que em linhas gerais poderia seguir a busca dessa complexificação da gestão dos equipamentos e dos sistemas, em especial, na saúde?

José Gomes Temporão: Bom e essa talvez seja uma das principais discussões e debates que, ao longo dos últimos anos, a gente vem travando entre os sanitaristas, e onde não há muito consenso, há muito dissenso aí. Mas acho que falta uma uma discussão mais equilibrada e mais razoável. Eu sei que o Gastão Wagner anda pensando alternativas. Quando eu estava no ministério, eu iniciei debate para superar, digamos assim, as amarras da administração direta, formal, rígida, que vem lá dos anos cinquenta do século passado, e já não se adequa à saúde pública e à medicina de hoje.

Eu coloquei em debate a questão do modelo das fundações estatais de direito privado. São entidades públicas, os funcionários regidos pelo direito privado, mas com algumas características muito importantes. Você precisa ter uma profissionalização da gestão, ou seja, você reduz drasticamente os cargos de confiança, as pessoas que trabalham têm que ser por pessoas altamente qualificadas com critérios bastante claros de formação, qualificação, tempo ou serviço público. Você tem que ter controle da sociedade, transparência, conselhos que acompanham de perto essa gestão. Você tem que ter um planejamento com metas e indicadores de resultados, você tem que ter um modelo de financiamento de orçamentação global, quer dizer, um modelo moderno que não seja pagamento por átrio ou por produção.

E isso foi em 2008, que eu propus isso, foi um tiroteio, a corporação veio em cima e era a 10ª Conferência Nacional de Saúde, isso aí virou então uma questão de honra, digamos assim, para o sindicalismo mais conservador de esquerda, se colocar contra. E o curioso viu , Adriano e Antonio, que de lá pra cá só piorou tudo. Aí veio OS, veio fragmentação, veio terceirização, falsa cooperativa, contrato por tempo precário, quer dizer…

E nós continuamos então, digamos assim, em busca de um de um modelo que satisfaça e que atenda o SUS público, de qualidade, universal. Eu sou radicalmente contra OSs, por vários motivos. Eu acompanhei de perto a experiência de OSs aqui do Rio de Janeiro… além de dela estar, nos últimos anos, nas páginas policiais e não nas páginas sociais, me parece que ele tem um modelo que fragmenta, quebra, perde o sentido público. Na verdade, o que está ali é um prestador, a rotatividade dos profissionais é muito grande, a qualidade, portanto, cai, e ainda mais na atenção básica.

A atenção básica é o estado ali, na porta de entrada, acolhendo, atendendo, cuidando, acompanhando. É absolutamente fundamental. Então, eu acho que é essa questão, nós que estamos no Resgate…

Antonio Martins: Esperem, cortou aqui. Pessoal? Massuda, você está me ouvindo? Temporão você está me ouvindo?

Adriano Massuda: Eu estou te ouvindo, acho que o Temporão travou.

Antonio Martins: O Temporão que travou. Eu achei que fosse o meu. Não! Agora voltou, agora está esclarecido, pessoal. O Temporão teve algum, ele estava falando, caiu e vamos esperar que ele volte.

Adriano Massuda: Bem quando ele ia falar a solução para os problemas.

Antonio Martins: Tá vendo, essa hora, foi por isso que caiu (rsrs). Vamos esperar um pouquinho, porque ele estava no meio de um um raciocínio interessante. mas ele abordou um outro problema aqui, Massuda, que parece muito importante – vamos conversando, depois ele volta e retoma – que é o problema corporativo e o problema do que ele chamou de sindicalismo de esquerda que, na opinião dele, que ele estava esboçando, resiste a discutir modelos de gestão mais complexos. E, por outro lado, ele falou também e tenho a impressão que você, e Gastão, já tinha falado antes, sobre a necessidade de estabelecer carreiras médicas nacionais, médicas, de enfermeiros e de todos os profissionais do sistema de saúde. Isso não poderia ser uma maneira de estabelecer um pacto, com os funcionários do SUS, que superasse, por um lado, não há uma carreira, então eles ficam retraídos de perder os direitos que têm hoje, e isso faz com que seja difícil implementar novos sistemas de gestão, mais complexos, mais sofisticados… um pacto não passaria por criar carreiras nacionais e discutir também formas de gestão diferentes dessas dos anos cinquenta?

Adriano Massuda: Não, sem dúvida, acho que essa é a alternativa. Para algumas áreas estratégicas do sistema de saúde, no Brasil – se for pensar o modelo em inglês, é outra coisa – mas no Brasil, para nós aqui, a nossa atenção básica, ela é estatal e a gente precisa fortalecer. Se a gente aumentar a capacidade resolutiva da atenção básica, a gente diminui demanda pra atenção especializada e hospitalar. Isso está mais do que comprovado. Hoje, com tecnologias digitais então, você melhora o acesso, você consegue coordenar melhor o cuidado, mas você precisa ter uma forte ação estatal, de organização e de prestação desse serviço. Aí, para você fazer essa prestação estatal, passa por você ter carreiras. Hoje, qual que é o grande problema? Quem oferece os contratos são os municípios, e os municípios têm capacidades fiscais muito diferentes de oferecer carreiras.

Então, é preciso construir um modelo que, ainda que seja tripartite, descentralizado para o nível municipal, de execução municipal, uma coisa combinada, mas ele seja uma carreira do SUS para a atenção básica. A gente precisa pensar nisso e construir alternativas A vigilância em saúde é outra área fundamental, é o monitoramento de doenças, o desenvolvimento de programas, você precisa de funcionário de Estado para fazer isso, regulação do sistema. Hoje, o sistema é cada vez mais interconectado, mas você precisa ter coordenação do cuidado entre os diferentes níveis, atenção básica para atenção especializada, regulação de urgência, ocupação dos leitos, isso tem que ser com funcionários públicos que tenham carreiras.

E aí, como então a gente tem 5.570 municípios, com capacidades muito diferentes de ofertar carreiras municipais, você acaba tendo grandes diferenças na capacidade de gestão do SUS. Então esse debate, sem dúvida, é preciso ser enfrentado e eu tenho certeza que, se a gente faz esse debate de maneira qualificada, a gente consegue ter o movimento sindical como aliado. Acho que o movimento sindical acaba tendo muitas vezes uma posição reativa porque vê perda de direitos.

Acho também que é importante fazer o debate de que, nós precisamos ter, evidentemente que o movimento sindical tem que defender a corporação, é pra isso que existe, mas tem que estar na sua pauta, também, a defesa do SUS. E a defesa do SUS, às vezes o movimento sindical tem essa contradição, de defender o SUS, mas também defender planos privados de saúde para a sua corporação. Então, vamos defender o SUS de fato!? Vamos fazer com que esse seja o nosso sistema?! Então, acho que passa por aí, a gente pensar construção de alternativas para o modelo de gestão do sistema de saúde brasileiro.

Antonio Martins: Deixa eu tocar num tema espinhoso, mas antes avisar que o Temporão ficou sem luz em casa, a luz voltou, ele está tentando voltar, mas a internet ainda não voltou, vamos esperar um pouquinho. Tema espinhoso, Adriano, é que na época dos Mais Médicos, o movimento médico conservador usou, talvez como um pretexto, a ideia que não era o caso de trazer médicos de fora, mas era o caso de estabelecer carreiras médicas, inclusive, para estimular os profissionais a começarem nas regiões mais distantes e irem progredindo para as regiões mais centrais. Então, pelo visto, embora talvez tenha sido utilizado como mero pretexto, tem um fundo de razoabilidade e de verdade nesse argumento. É necessário ter uma carreira de médicos, de psicólogos, de enfermeiros, médicos, médicas, enfermeiras, psicólogas e assistentes sociais do SUS. Isso não existe e é necessário.

Adriano Massuda: As carreiras, mais uma vez, são municipais. Os municípios têm capacidades muito diferentes de ofertar carreiras, então a gente precisa de soluções nacionais para alguns problemas que a gente não consegue resolver. Na atenção básica é fundamental você ter um desenho de uma carreira médica se quiser ter médico no sistema de saúde, e tem que ter, você precisa ter garantias de que ter bons contratos, ter perspectiva de exercer o seu trabalho de maneira digna, ter suporte pra usar apoio diagnóstico, encaminhamento de caso, enfim, precisa dar condições de trabalho. Então passa por tudo isso. Eu acho que a questão da solução do Mais Médicos foi uma boa solução para o momento, a gente precisava de uma solução emergencial, demonstrou que, quando você tem um médico bem formado, ele consegue ter uma ampliação da capacidade resolutiva dos serviços de saúde, isso tem um impacto sistêmico, pois se reduz encaminhamento para atenção especializada hospitalar, melhora indicadores de saúde, enfim…

Então, acho que a experiência do Mais Médicos foi uma primeira boa experiência que pode servir para a gente pensar uma formulação de uma carreira nacional. Ao mesmo tempo que, mesmo em países com o NHS, que tem uma rede básica também bem constituída, eles abrem, contratam profissionais estrangeiros, muitos profissionais estrangeiros. Canadá contrata enfermeiros para áreas que têm dificuldade de alocação dos profissionais do próprio país. Então, cada vez mais frequente, entre países, essa contratação de profissionais também de outros países. Então, a experiência brasileira foi foi bastante interessante nesse sentido, acho que serviu de um de um grande aprendizado.

Antonio Martins: Bem-vindo de volta, Temporão! Temporão, quando você caiu, você estava falando da sua oposição a OSs, principalmente no setor do atendimento básico, porque ele é justamente a porta de entrada, é onde o Estado recebe o público que tem o direito à saúde. Eu queria fazer uma pergunta sobre a saúde básica pra vocês. Vocês foram muito enfáticos em falar sobre a importância dela, e eu queria saber, o Temporão falou, por exemplo, que terminada a era do subfinanciamento, ele teria como prioridade número um fazer uma enorme trabalho de requalificação da atenção básica. E você falou, Massuda, que só 20%, no Brasil, dos recursos do SUS, são destinados para a saúde pública, sugerindo que você acha que deveria ser muito mais.

Adriano Massuda: Dos recurso federais. Dos recursos municipais, a maior parte dos recursos municipais vão pra atenção básica.

Antonio Martins: Mas como vocês veem essa grande requalificação na atenção básica, no Brasil? Quais seriam as linhas dela?

José Gomes Temporão: Olha, acho que a questão central é, ser a prioridade número um, nós todos sabemos, experiência internacionais demonstram, que uma atenção básica de qualidade, esta é uma que é uma coisa muito comum. Viu, Antônio? Em saúde pública. E que a gente critica muito, que é isso, é jargão corrente das secretarias municipais, estaduais e ministério da saúde, é chamar de baixa, média e alta complexidade, né? Nada mais equivocado. Então, alta complexidade seria um transplante, uma cirurgia neurológica, quando eu acho que o trabalho de um enfermeiro, na periferia de uma grande capital, numa equipe de saúde da família, no bairro violento, é muito mais complexo do que fazer uma cirurgia abrindo um crânio, aqui entre nós.

Então, é exatamente na atenção básica onde está a grande complexidade do sistema, porque ali você vai lidar com o dia a dia, o cotidiano, com a promoção da saúde, com a prevenção, com a detecção precoce de uso de droga, baixo peso ao nascer, se o velhinho está tomando o medicamento, como é que está a questão do saneamento, como é que está a questão da da qualidade do ar, como é que está a questão do transporte. É essa visão de atenção de primária, ou de saúde da família, que a gente gosta de chamar aqui de “a nossa estratégia de reorientação setorial”, que ainda não chegou a ser, de fato, avançou muito, mas tem muito avançar.

E tem uma coisa interessante que o futuro das tecnologias de saúde, a telesaúde, novos métodos de diagnóstico, podem qualificar ainda mais a capacidade de resolver os principais problemas e aumentar muito a capacidade de tratar e de cuidar desse nível de atenção. Então, eu acho que essa é uma prioridade absoluta e, claro que dentro desse contexto de estruturação de redes integradas, onde a questão, por exemplo agora, pensando no pós-covid… a questão do sofrimento psíquico está explodindo e vai explodir ainda mais, e o Ministério da Saúde se dedica, desde 2016, a desconstruir a reforma psiquiátrica brasileira. Então a questão dos CAPS, Centro de Atenção Psicossocial, álcool e drogas, consultório de rua, residências terapêuticas, todo esse Resgate da reforma psiquiátrica tem que ser recolocado, com prioridade absoluta também.

Antonio Martins: E que você acha, Adriano?

Adriano Massuda: Não, plenamente de acordo. Essa questão da reforma psiquiátrica, a gente vem vendo retrocessos acontecendo, até antes de 2016, já com financiamento de comunidades terapêuticas, que de produção de saúde tinham muito pouco. E uma desconstrução, aí na sequência, da rede CAPS, a volta de um modelo, de financiamento do modelo manicomial… então retrocessos bastantes importantes aí, numa área extremamente sensível, extremamente necessária, e que o Brasil conseguiu produzir um modelo bastante inovador. Um modelo de atendimento, de tratamento, de reinserção do paciente com problema mental, problema de saúde mental, foi algo bastante importante. Mais uma vez, por que não avançou mais? Faltou financiamento. Você precisa ter CAPS com profissionais bem formados. E então a rede, se a gente conseguiu fazer uma grande expansão na atenção primária, hoje, praticamente todos os municípios têm equipe de saúde da família. Todos os municípios têm agentes comunitários de saúde. A gente tem quarenta e cinco mil, alcançou quarenta e cinco mil, com equipe de saúde da família. Na saúde mental a gente expandiu, mas a expansão não foi tão ampla, não chegou em todos os municípios. A rede de CAPS não conseguiu atender, se tornar serviços vinte e quatro horas para atender pacientes em em situação de crise. Então a gente avançou, mas o avanço foi menos do que comparado com a atenção primária, e o retrocesso tem sido ainda maior, a desconstrução do modelo tem sido maior e mais rápida do que na atenção primária.

Antonio Martins: Gente, já são 9h15, mas eu, se vocês permitem, eu não resisto a fazer uma outra, uma última questão pra vocês. O Temporão falou em algo que eu compreendi como um pacto por uma nova relação cultural no SUS. Se bem eu entendi, isso tem a ver com o fato de haver fruto do que é a sociedade brasileira, no serviço público de saúde, uma desigualdade muito grande. Há uma desigualdade, já conhecida, na relação médico-paciente, mas há uma desigualdade, isso não é exclusivo da saúde, está presente na educação também, em que, num país colonial, as pessoas, a maior parte, do público atendido pelo serviço público, é pobre e muitos negros. E a maior parte dos profissionais são de classe média, e esses profissionais muitas vezes têm preconceito com quem eles tratam, e são diminuídos entre os pares deles porque eles estão tratando pobres e não estão tratando com a população branca.

É o mesmo que existe na Universidade. O preconceito que existe com o professor de escola pública, contra o professor da universidade, sendo que na universidade, até há pouco tempo, só entravam os brancos, a classe média e os ricos. Eu fico imaginando, pelo que vocês falaram, num outro projeto, o SUS, que hoje é problema em relação a isso, não poderia ser um espaço de encontro, digamos assim, das classes sociais que querem a transformação do Brasil? Das maiorias que usam o SUS, mas da classe média, que poderia ser atraída, também, e de uma nova relação cultural com os profissionais da saúde… que sintam orgulho de estar no SUS, sintam que estão, como vocês falaram, no serviço mais avançado de saúde do Brasil. Naquele serviço que resolve as grandes complexidades. Você acabou de falar, Temporão, naquele serviço que permite ao Brasil tentar se reencontrar consigo mesmo. Vocês veem esse esse papel, digamos assim, político-cultural, esse possível papel político-cultural do SUS?

Adriano Massuda: Eu acho que o SUS já fez isso, na sua origem, mas evidentemente que viveu todas as contradições de um país que é o mais desigual, a democracia mais desigual do mundo, e tem todo um passado escravocrata que tem raízes muito presentes ainda. Então é um é uma luta constante. Agora, o SUS também, ele é diverso, ele tem algumas áreas que avançaram muito mais do que outras, e esses espaços de encontro, eles acontecem de maneira cotidiana em algumas áreas. Por exemplo, a experiência que eu tive oportunidade de implantar, em Curitiba, o consultório de rua. Como era o encontro das equipe, do consultório de rua com a população em situação de rua, todo um comprometimento com o Resgate de cidadania, com a mudança de, não só de atendimento de doença, mas trazendo aquela pessoa que tá numa situação de degradação social, para a tentativa de combinar o que era possível também fazer respeitando os seus desejos, as suas vontades, mas tentando construir alternativas.

A área de DST AIDS também foi revolucionária no Brasil. Conseguiu fazer inovações, do ponto de vista de educação em saúde, de trabalho com as ONGs, de lidar com as diferenças, a saúde mental, enfim. Então a gente tem, no SUS, diferentes experiências muito inovadoras e que acabam, às vezes, sendo pouco reconhecidas.

A minha esposa tem feito um trabalho muito interessante nesse sentido, ela tem organizado uma série que chama “Unidade Básica”, que foi inspirada em situações reais e do cotidiano das Unidades Básicas de Saúde, para levar para o grande público, para informação de massa, de situações, e quando as pessoas olham aquilo e falam – mesmo a equipe dos atores, um dos atores era o Caco Ciocler – “mas médico, no Brasil, faz visita na casa das pessoas?”. Porque isso, ele tinha que fazer como ator. Então, faz, isso está no cotidiano das nossas equipes. Então há um baixo grau de reconhecimento. O SUS, ele já é revolucionário, ele nasceu revolucionário. A gente faz pequenas, múltiplas e grandes revoluções, dentro desse sistema, mas pelo subfinanciamento a gente não conseguiu revolucionar ainda mais. A área hospitalar especializada ainda é a área que a gente conseguiu menos mexer, que está mais dominada pelo setor privado brasileiro. Mas aí, enfim, a gente tem que tentar, como a gente falou no começo, tentar negociar, tentar fazer melhores contratos, aproveitar a inteligência que tem lá, também, para construir uma nova síntese no Brasil.

Acho que o Brasil, nesses trinta anos, se desenvolveu, o SUS se desenvolveu, teve experiências fantásticas que precisam ser a base para gente pensar o futuro, mas também não olhar o futuro de uma maneira maniqueísta, como se a verdade estivesse só só de um lado… não! A gente precisa saber dialogar e construir uma solução dentro de um país que é bastante diverso e tenha as complexidades que a gente tem que entender, respeitar, mas sobretudo tentar construir sínteses que possam diminuir as desigualdades que são gritantes no nosso país.

Antonio Martins: Obrigado. Temporão, que te parece?

José Gomes Temporão: É, eu acho que é isso mesmo. A Reforma Sanitária Brasileira, surge como movimento cultural, um movimento em busca de hegemonia, um movimento que transcendia a visão tradicional da saúde, da medicina. Uma visão que buscava na determinação social da saúde, ligação orgânica com economia, sociologia, o meio ambiente, a investigação, a cultura, habitação, trabalho, é exatamente desse espaço e desses movimentos que a informação eletrônica se alimentou. Com a institucionalização SUS, evidentemente, que tudo muda, mas vem ao mesmo tempo uma outra grande riqueza que o Adriano chamou atenção, que são dezenas e centenas de experiências absolutamente inovadoras na clínica, nos movimentos sociais, na educação popular, no cuidado, no planejamento participativo, no estabelecimento de critérios, diretrizes, prioridades… Na realização das conferências nacional de saúde.

Seria muito interessante, e acho que esse é um esforço a ser feito, um apanhado das experiências mais importantes, mais interessantes, o seu impacto, a política nacional de práticas integrativas, a política nacional de atenção à saúde do homem, a política nacional de atenção à população negra, à população indígena, à população dos campos, ribeirinhos, quilombolas. Então tem um um movimento feminista e a saúde, tem o gigantesco legado de experiências acumuladas, mas de outro lado você tem o mainstream da saúde, que é a alta tecnologia à saúde, é hospital, ressonância magnética, procedimentos sofisticados. E então, isso se alia a interesses poderosos mercadológicos, porque isso faz parte da estratégia de comercialização das indústrias da saúde… de equipamentos, farmacêutica, da grande mídia que é financiada por planos de seguro de saúde.

A nossa querida Fernanda Montenegro acabou de fazer, acabou não, está fazendo ainda, uma gigantesca campanha de propaganda da Golden Cross junto com a filha dela, rádio, tevê e jornal, não é isso? Então vou, são coisas muito poderosas que se contrapõem a essa outra visão e há uma luta político-ideológica, há uma luta cultural. Então você tem, de um lado, o conjunto, digamos assim, das publicidades e saúde. Então quando o Fantástico faz uma matéria sobre determinado medicamento revolucionário no tratamento do câncer, por trás tem uma indústria financiando isso, pautando isto, dando subsídios pra essa… então o cotidiano e os cidadãos, ele está muito influenciado por esse discurso. Remédio, propaganda de medicamentos, como esse plano de saúde, essas UTIs maravilhosas que aparecem na televisão, jatinhos levando pacientes de norte a sul, de leste a oeste do nosso Brasil varonil. É impressionante, isso só existe na propaganda mesmo.

Então, é exatamente o que eu acho, que agora, na pandemia, houve uma, não vou dizer que houve uma quebra, mas houve uma fissura positiva para o nosso lado, no sentido de que, pelo menos na dimensão da saúde pública, ficou muito claro para grande parte da população brasileira, classe média e inclusive formadores de opinião, a importância do SUS. O grande desafio é como é que você transforma isso, contextualiza isso para o que – viu, Adriano? Você é de outra geração – mas lá atrás, quando a gente começou a fazer reforma sanitária, não tinha fax, nem internet, nem telefone celular, nem nada disso. Quer dizer, então você tem que recontextualizar essa questão para as redes sociais, para a linguagem de hoje, para os novos movimentos que surgiram dos jovens, do hip-hop, das das novas culturas, das novas lutas políticas. Eu acho que isso é o grande desafio que se coloca pra gente.

Antonio Martins: Gente, eu agradeço muito a vocês, eu acho que o nosso debate deixou claro que nenhuma das questões que a gente vê, de fragmentação, de terceirização, de privatização, nenhuma delas vai ser resolvida sem a gente acabar com o desfinanciamento e o subfinanciamento do Sus. É necessário muito recurso para a gente enfrentar todas essas questões. Mas a gente passeou também por um conjunto de temas que precisam ser enfrentados e que poderão ser enfrentados quando a gente superar esse neoliberalismo fiscal que rebaixou e que acaba deteriorando todos os serviços, como vocês falaram aqui.

Eu agradeço muito vocês, eu acho que foi muito enriquecedor para essa experiência do Resgate, em especial, nesse sentido, que para a população não basta dizer que nós precisamos de mais recursos, de mais verbas, é preciso dizer o que isso pode mudar concretamente na vida dela, e eu acho que foi muito concreto e muito vasto o que vocês transmitiram aqui. Eu agradeço muito a vocês e pergunto se vocês querem fazer mais alguma consideração ou se despedir aqui das pessoas que estão nos ouvindo. E espero que tenham aprendido, pelo menos, tanto quanto eu.

Adriano Massuda: Não, eu quero agradecer o convite, aprendi muito aqui com o Temporão, sempre aprendo com ele. O Brasil tem grandes sanitaristas, se tivesse um Temporão na frente do ministério, nesse momento, um Jarbas Barbosa, que está na OPAS, uma Mariângela Galvão, que está na OMS, sem dúvida, o Brasil estaria numa outra situação. Então, para mim é uma honra enorme poder estar dividindo esse momento aqui contigo. Antônio, também, olha, muito obrigado pelas questões, o pessoal que nos acompanhou. Uma última reflexão, talvez, assim… a gente tá vivendo um momento histórico. Uma pandemia como essa, vai deixar, vai fazer mudanças paradigmáticas, do ponto de vista da Organização, das Ações de Saúde, assim como foi a pandemia provocada pela gripe espanhola, em 1918. A medicina mudou, depois daquilo. E os sistemas de saúde vão mudar. A gente vai precisar ter sistemas de saúde fortes, que tenham boa capacidade de fazer monitoramento de eventos, intervenção rápida, ao mesmo tempo garantir assistência à população. Está todo mundo falando isso, no mundo. O Brasil tem uma boa base para fazer essa discussão. O SUS, ele foi, a gente tá no momento agora de baixa, mas o SUS, sempre quando você vai para fora – eu tive a oportunidade de ver fora – as pessoas gostam de ver a nossa experiência, nossa experiência foi revolucionária, então acho que a gente tem que olhar para essa nossa história, fazer essa avaliação de, nesse momento, do que que deu certo, o que não deu, para onde é que a gente vai. Então, esses momentos de reflexão são super importantes e não podem ser feitos só dentro do movimento sanitário, devem ser feitos com a sociedade, de maneira geral, a sociedade precisa participar desse debate, precisa entender a necessidade de recursos públicos para a saúde, precisa opinar aonde esses recursos devem ir, precisa ser convencida de que é preciso fortalecer a atenção primária, é ali que a gente consegue garantir atendimento mais próximo. Mas a gente precisa, também, ter mais capacidade de resolver os problemas, enfim, acho que por aí… e debates como esse, eu acho, que são sempre bastante importantes para gente poder estar refletindo, aprendendo e pensando, sonhando caminhos para a melhoria da situação do nosso país. Obrigado!

José Gomes Temporão: Bom, Antonio, muito obrigado pelo convite. Eu estou acompanhando quase todos os eventos que o Outras Palavras está organizando nesse projeto Resgate, sobre saúde, muito material interessante, muita coisa importante para depois ser sistematizada, para reflexão e para ação, né? E, eu acho que o Adriano coloca uma questão bastante interessante, porque estamos vivendo tempos muito difíceis, mas que abrem, também, novas possibilidades. O impacto dessa patologia na ciência, na organização dos sistemas de saúde, na clínica, na incorporação de novas maneiras de cuidar e de novos desafios, também se farão presentes, não tenho a menor dúvida. E a gente tem que valorizar, inclusive, porque a gente está avançando. Por mais paradoxal que seja, eu acabei de saber que o Senado acabou de de aprovar uma lei, que é uma um passo importantíssimo na questão da propriedade intelectual, na perspectiva da saúde pública, no Brasil, que é a lei que flexibiliza a quebra de patentes, em relação a questões de saúde pública. Então, um grande avanço. Era tão difícil discutir esse tema! Eu me lembro que, em 2007, quando, pela primeira vez o Brasil quebrou a patente, a primeira e única, na minha gestão, o Presidente Lula assinou o decreto, parecia que o mundo ia acabar… e é tão difícil enfrentar essas discussões e acabamos de aprovar uma lei que avança muito, em relação a esse aspecto. E eu queria dizer o seguinte: e quem é que tem projeto? Para o futuro, considerando todas essas transformações, todas essas dificuldades, todos esses desafios tão heterógenos, como alguns dos que nós abordamos aqui. O setor privado tem projeto pra enfrentar isso? A gente sabe que não tem. Quem tem somos nós, é o SUS que tem esse projeto. Esse projeto de cuidado, esse projeto moderno, esse projeto, vou dizer a palavra assim, revolucionário, esse projeto humanista, esse projeto democrático, inclusivo e chamando a atenção de que o grande desafio, para além de todos os outros, que vai se aprofundar, que está, já está se aprofundando, é o da desigualdade. A gente sabe que a saúde pública, obrigação SUS, é um poderoso instrumento de redução de desigualdade. É isso! Um abraço pra todos e obrigado pelo convite.

Antonio Martins: Muito obrigado, para vocês, gente. Muito obrigado para quem nos assistiu e amanhã temos a questão essencial dos planos de saúde, a tentativa de capturarem o SUS e, em contrapartida, a necessidade da sociedade regulá-los adequadamente.

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2 comentários para "Uma estratégia para desprivatizar o SUS"

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