Criminologia feminista n’O Auto da Compadecida

Na cena do julgamento está a chave para entender a riqueza da obra. Nela, as duas figuras principais, Chicó e Nossa Senhora, encarnam saberes antimasculinos e antiacadêmicos, revertendo então o desfecho trágico da história

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O texto abaixo é parte do livro Direito e Cinema Brasileiro – 51 ensaios jurídicos sobre o cinema brasileiro, organizado por Ezilda Melo.
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“Como somos culpadas de termos elevado o homem acima da craveira comum, enquanto, de baixo, lhe segurávamos o pedestal! – Como supervalorizamos o sexo oposto, enquanto nós mulheres, engrossávamos o imenso exército de seres submissos, de cabeças baixas e vontades quebradas – sob séculos de costumes impostos… e toneladas de códigos e normas a traçarem nossa linha de conduta”

Lourdes Ramalho

Por Míriam Coutinho de Faria Alves e Ezilda Melo

A noção jusliterária/cinematográfica da misericordiosa em o “Auto da Compadecida” nos encaminha para refletir sobre a representatividade feminina no imaginário discursivo da justiça popular a partir da criminologia feminista. “A advogada nossa”, presente no imaginário sertanejo, evoca uma multiplicidade de saberes culturais, compartilhados e imersos na ordem simbólica patriarcal, tornando possível ressignificar a ideia de justiça através do critério da fantasia como forma de resistência, ao redimensionar possíveis relações entre direito e realidade cultural, assim como possibilitar a ideia de justiça promovida por uma mulher em favor dos pecadores ou, numa linguagem jurídica, dos criminosos.

Do plano textual ao imaginário da tela

O julgamento é a peça chave para análise do filme “O Auto da Compadecida”[1], quanto também da peça teatral “Auto da Compadecida”. A instituição do Tribunal do Júri[2], existente no Código de Processo Penal Brasileiro, possui na obra de Ariano Suassuna uma forte metáfora com o imaginário popular, pois a tradição religiosa cristã acredita no julgamento no plano celestial a partir das cenas ocorridas no plano terrestre, dos pecados e dos erros humanos, e muito se assemelha à cena do Júri processual a que se está acostumado na lida jurídica penal.

Antes do julgamento, muitos episódios ocorrem. E quem nos conta é Ariano Suassuna[3] em “Auto da Compadecida”[4]. Tudo acontece no sertão, que é o centro, palco, vida em que faz aparecer o encourado, a mulher do padeiro, o padeiro, o padre, o bispo, o sacristão, o coronel e o cangaceiro e na visão cinematográfica Guel Arraes acresce o Cabo Setenta, Vicentão e Rosinha, além de nomear os personagens. O elenco do filme tem Matheus Nachtergaele como João Grilo; Selton Mello como Chicó; Rogério Cardoso como Padre João; Lima Duarte como o Bispo; Denise Fraga como Dora; Diogo Vilela como Eurico; Paulo Goulart como Major Antônio Morais; Virgínia Cavendish como Rosinha; Aramis Trindade como o cabo Setenta; Marco Nanini como “Capitão” Severino de Aracaju; Maurício Gonçalves como Jesus Cristo (“Emanuel”); Fernanda Montenegro como Nossa Senhora, como “A Compadecida”; Luís Melo como o Diabo; Bruno Garcia como Vicentão; Enrique Diaz como Cangaceiro “Cabra”. A personagem central é uma mulher, “Lá vem a compadecida! Mulher em tudo se mete![5]”, demonstrando numa fala a forte construção social da mulher no imaginário nordestino.

De natureza medieval, integrando características teatrais e circenses, a peça de Ariano Suassuna ao transitar do texto literário para o sistema audiovisual de minissérie[6] (em 1999) e linguagem cinematográfica[7] (2000) requer novo processo elaborativo. A incorporação de elementos visuais marcados pela cenografia, a divulgação e recepção dentro do sistema audiovisual modifica por certo o texto literário. Assim, esta comédia dramática encontra-se com o direito ressignificando essas interconexões como práticas da cultura. A estética[8] artística e jusliterária conecta-se com a hermenêutica jurídica assumindo uma identidade derivada, aquela que se fruto de entendimentos doutrinários mas que não abandona os artefatos culturais na relação entre racionalidade jurídica e realidade cultural.

Mulher em tudo se mete!”: jusliteratura humanista em “O Auto da Compadecida” e o testemunho de Chicó: o relato da justiça através do critério da fantasia.

É o palhaço quem afirma “Auto da compadecida! Uma história altamente moral e um apelo à misericórdia”[9]. João Grilo intervém à Nossa Senhora e recorre ao argumento da misericórdia, à empatia, à alteridade, ao compadecimento. Compadecer. Verbo que remete à condição primária de quem sofre com o outro e torna-se compatível na dor. Essa compatibilidade com a dor do outro seria necessária para consciência judicativa? A obra cinematográfica “O Auto da Compadecida” nos faz repensar a partir da representação feminina, o argumento da misericórdia como via jusliterária humanizadora.

A crítica literária e teatral aproxima os modos de vida do sertão brasileiro da mentalidade medieval ibérica, sobretudo, tenta construir esse complexo paralelo ao assinalar aventuras sertanejas como quixotescas, sebastianas representadas na rica literatura de cordel de onde se extrai denso imaginário popular.“O Auto da Compadecida” delineia traços identitários do imaginário sertanejo, mistura bravura e passividade, saudade com caatinga. E assim como a saudade é coisa variada, vai mudando daqui e ali, fazendo com que a memória seja referência no plano discursivo. Suassuna sertaneja o sertanejar, presta uma prece ao suprareal, percorre os sertões da alma. As fantasias do personagem João Grilo pretendem explicar o acontecido. E o palhaço-narrador, ao lado da figura de Chicó, traz além do caráter dramático, possibilidades de revisitar o épico inscrevendo nele também o cômico, retomando o tema da narração como estratégia de sobreviver e contar “casos”, estórias imaginadas.

Chicó é testemunha e (re)leitor dos acontecimentos que tornam ordenamentos dos fatos extraordinários. A partir dos relatos de Chicó pode- se supor critérios da fantasiosa narrativa. No entanto, pode-se vê-lo diante de uma realidade opressora, o fantasiar como ato de resistência e a lógica da fantasia não como falseamento dos fatos, mas ao inverso: como justiça, já que a explicitação dos fatos é parte da “ vida criativa” e segue determinada coerência, faz parte da lógica de sobrevivência de quem passou fome e comeu macambira na seca. No espaço imaginário nordestino, as peças e o humor são instrumentos de crítica social, contestam hierarquias religiosas e políticas, afirmam a desigualdade social e apontam as fragilidades humanas diante dos sistemas de poder.

Chicó diz o que diz como se verdade fosse utilizando-se da arte da “mentira” (aqui a explicação para o termo “mentira” significa criação da realidade) para produzir convencimento. E ele só sabe “que foi assim” que aconteceu o acontecido. E se há crença no que Chicó enuncia, há também partilha da imaginação. Neste sentido, busca-se analisar o relato fantasioso como critério de justiça observando na elaboração da fantasia, o elemento da coerência narrativa, instrumento narrativista do direito. Sendo assim, o testemunho de Chicó é relato de justiça via critério de fantasia.

A partir desses elementos pode-se fazer intervenções sobre as ficções jurídicas e seus critérios narrativos que em busca da partilha da imaginação do senso comum teórico dos juristas (Warat) reproduzem um constructo discursivo socialmente compreendido no contexto cultural dominante ao que se referem. Como explica Calvo González (2013, p.49), “a coerência narrativa se dá como forma de instalação na sententia factum de um constructo discursivo que aponta para a plausibilidade e harmonia entre enunciados fáticos[10]”. Aplicações narrativas são frequentes na teoria jurídica contemporânea, dentro do discurso processual constitucional, para exercer adequação do elemento fático ao discurso jurídico-legal estabelecendo assimetrias processuais. Assim, no espaço imaginário nordestino contemporâneo o humor é instrumento de crítica social, contestando as hierarquias religiosas e políticas, revisitando hábitos e seus visíveis contrastes. A antropologia simétrica de Latour (2013, p.19) para quem “o próprio hábito é moderno, uma vez que continua sendo assimétrico[11]”

Quando os pecados humanos, numa visão cristã, ou os crimes, numa linguagem jurídica, são postas em julgamento, o diabo está vestido de vaqueiro e as figuras religiosas como Emanuel (Nosso Senhor Jesus Cristo) e a Compadecida (Nossa Senhora) incorporam elementos forenses. Considerando o contexto do inferno, a partir da leitura de Flusser, filósofo e antiacadêmico, que em a História do Diabo[12] transforma o próprio Diabo em personagem, “o fundamento do Diabo é a língua[13]” (Flusser, 2008, p.191) assim como suas distintas formas de exploração. Substanciando o argumento de que o julgamento é um processo dialógico que traz em si a teatralização como modo de representação dos discursos. A perspectiva dialógica entre teatro popular e elementos medievais, resgata no imaginário popular a misericórdia como elemento humanizador no sentido de que restitui um discurso mediador de valores culturais. Dentro deste contexto, a linguagem jurídica torna-se, sem a percepção da cultura popular, o meio mais eficaz de perversão da dignidade.

Suassuna, numa narrativa contextual, anuncia um discurso épico dos direitos humanos, e invoca o heroísmo consagrado na postura de seus personagens que se revestem de diversas formas. Como diz Ramalho[14], “sempre em sintonia com as questões sociais, históricas, políticas, estéticas etc.., as artes, incluindo a literária, renovam-se constantemente em um diálogo permanente entre o antigo, o novo e a realidade humano-existencial.”

No campo jurídico, sobre a ideia de coerência narrativa, observa-se esta como integrada por elos de correntes. Assim, a discursividade jurídica é um fazer jusliterário, sendo preciso acolher a verdade da narrativa em que assim como Chicó “só sabe que foi assim”.

Gênero e Criminologia feminista na leitura de “O Auto da Compadecida”

Os estudos de gênero, os estudos literários, a crítica literária e a criminologia feminista, ajudam como filtros de leitura da obra cinematográfica “O Auto da Compadecida”. São três mulheres no filme: A Compadecida, que é figura maternal e sacra no imaginário católico nordestino; Rosinha, a virgem imaculada, pura e casta, vestida de branco, romântica à espera de um casamento, e Dora, a mulher do padeiro, sexualmente ativa, mandona, que na visão patriarcal não faz papel de santa e será a única mulher julgada pelos seus atos mundanos. É importante ressaltar que na peça eram apenas duas mulheres: a Compadecida e a Mulher do Padeiro, que sequer tinha nome.

A virgem Maria assexuada e a Eva pecadora, a dualidade feminina em imagem paradoxal, acompanha a história das mulheres[15] e fica muito evidente na leitura que se faz aqui nesta análise. Se de um lado, na construção cinematográfica, tem-se a virgem Rosinha, “a filha do Major Antônio de Morais”, forma de identificá-la sócio-culturalmente dentro de um referencial masculino, uma representação arquetípica de uma identidade feminina tradicional, presa aos padrões patriarcais, moça que estudou fora, que teve acesso a outras referências culturais, herdeira única, devota cristã, que frequenta a Igreja usando véu e que, ao usar, suas vestes claríssimas, deixa explícito o símbolo da castidade e de pureza, representação do feminismo cristão, espera sair do jugo do pai para o do futuro marido, mesmo que precise abandonar sua riqueza e posição social em busca de um ideal de amor romântico.

De um outro lado, contrapondo-se ao modelo de mulher externado por Rosinha, aparece a figura de Dora, “a Mulher do Padeiro”, que usa vestes provocantes e exuberantes em cores fortes, batom vermelho nos lábios, roupas íntimas que aparecem em seus longos decotes, controladora do marido e das finanças da padaria, com artimanhas para viver sua sexualidade fora do casamento, cheia de amantes, pela lei penal uma adúltera e pela boca do povo de uma cidade pequena do sertão nordestino, uma “mulher safada”, na década de 30 do século passado, período em que vigorava um código civil onde a mulher era propriedade marital. Dora, a dona da ‘cachorra’ que morre por envenenamento e tem direito a um sepultamento cristão, tem um corpo que não se conformou ao que lhe foi imposto social e culturalmente. Dora representa um feminismo revolucionário, rebelde, de revide à sociedade opressora, uma mulher corajosa em externar um comportamento[16] que só era aceito como normal quando praticado por quem pertencesse ao sexo masculino.

Tanto para Beauvoir quanto para Butler, o gênero não é algo inerente, não tendo, portanto, nem começo, nem fim. Gênero é muito mais algo que se constrói continuamente no contexto sócio-histórico-cultural em que se está inserido. A definição de gênero[17] de Butler ratifica esse raciocínio, ao considerá-lo como “uma complexidade cuja totalidade é permanentemente protelada, jamais plenamente exibida em qualquer conjuntura considerada”. Nesse sentido, gênero não é sinônimo de mulher. Dialoga-se com o conceito de gênero de Butler[18] (2003, p. 58-59) ao comentar a célebre frase que Beauvoir[19] (1967) inaugurou o volume dois de sua obra mais conhecida “não se nasce mulher, torna-se mulher”. Nessa linha de abordagem, portanto, as mulheres são consideradas o negativo dos homens, e teriam uma falta que as diferencia do masculino. Aplicando esse referencial teórico ao personagem do padeiro Eurico, o homem corno, e ao da sua mulher Dora, a esposa infiel, o que se percebe é a subversão[20] de lugares esperados para homem e mulher no imaginário patriarcal de uma sociedade.

Na construção da identidade do nordestino, o discurso literário e cinematográfico, desenhou este como alguém que partilha da superioridade dos fortes. Ao remeter ao coronelismo[21], a mulher não passaria daquele objeto diferente da identidade masculina que estava ali para lhe satisfazer. O cabra macho nordestino nas palavras de Albuquerque Jr[22] (2010, p. 23 -24), seria aquele sem fragilidades e sem feminices. Assim, no senso comum, as representações dos homens nordestinos estão ligadas à ideia de coragem, destemor, valentia, virilidade, portanto em um olhar contrário sobre o que é a construção do ser mulher. Vicentão, o valentão, e Chicó, o medroso, são os polos antagônicos para desconstruir essa ideia de coagem.

O mito do homem sertanejo como “cabra-macho” alimenta um modelo de masculinidade baseada numa relação entre homens e mulheres que vigora desde o Brasil colônia, e por isso, é naturalizada, tida como eterna. Esse modelo de homem colabora com a violência contra as mulheres até hoje e está descrita em diversas obras literárias[23], que retroalimentam modelos estruturais de comportamento e violência no Nordeste. Lourdes Ramalho[24] (2011, p.74), em seu monólogo “Fiel espelho meu”, ao dar voz à viúva Verônica, anuncia sua percepção de mundo e sua revolta com lugares tão díspares e sem igualdade jurídica, dentro do próprio espaço doméstico.

Na personagem Dora há a construção do estereótipo de mulher que é muito presente dentro da ideologia católica: a de mulher pecadora. Assim, percebe-se, a priori, que na literatura brasileira regionalista nordestina, e na visão cinematográfica do que se convencionou como Nordeste, há a construção de lugares contrapostos de mulher[25] e, dentro dessa perspectiva, cada qual tem um modo de ser tratada em sociedade, sendo a pecadora a mulher que merece as punições violentas. O referencial teórico para esta análise parte da utilização das teorias feministas, que são bases teóricas norteadoras porque através destas, coloca-se a opressão feminina numa dimensão visível e ampla. Esta fundamentação, portanto, utiliza dois conceitos difundidos na perspectiva feminista: o conceito de patriarcado e o de gênero. O casal Dora e Eurico, portanto, subvertem a lógica patriarcal.

O julgamento no Auto da Compadecida guarda uma forte metáfora com o imaginário popular, pois remete ao julgamento no plano celestial, o júri no céu, a partir das cenas ocorridas no plano terrestre, e na disposição espacial-teatral que no plano material se conhece.

A terceira personagem feminina é “A Compadecida”, invocada por João Grilo, a defensora dos demais personagens, e traz argumentos pautados na ideia de uma justificativa no passado, nos antecedentes de cada pessoa julgada, na análise psicológica, na construção lógica entre os fatos narrados e na crença de que todos podem errar e se arrepender. O plano do Encourado, o Diabo, o acusador, é levar todos para o inferno, no entanto João Grilo alega que tem direito à defesa e clama misericórdia à mãe da justiça, que logo de início reconhece que seus assistidos praticaram atos vergonhosos, mas que não merecem condenação por suas mentiras, artimanhas, necessidades e até crimes contra a vida, como no caso do cangaceiro.

A mulher como defensora, criticada pela acusação que diz que ela está desmoralizando tudo na tentativa de salvar a todos, mostra a construção de uma criminologia nova, feita por mulher, uma criminologia feminista[26], que surge como resposta ao esquecimento sobre o sujeito feminino no sistema de justiça criminal, seja como profissional do Direito, seja como parte num processo criminal onde reina o masculinizado debate acadêmico. Ao dar visibilidade à condição feminina de Dora[27], a Compadecida reinterpreta o alcance das categorias criadas pelo patriarcado que retroalimentam a inferioridade e a submissão da mulher e encontra justificativa para o comportamento sexual daquela, tido como “pecado”, ao reconhecer que o controle sobre o corpo e os modos de conviviabilidade e sociabilidade feminina estão dentro da vigilância penal que oprime as mulheres e representa a continuidade do patriarcalismo como mantenedor de uma organização social que se baseia na divisão de sexo para discriminar e violentar a mulher. Fica evidente que o conhecimento crítico da Compadecida, utilizado na seara criminológica, não nega a existência da elaboração teórica produzida pelo feminismo ao considerar conceitos como gênero e patriarcado em sua análise.

O protagonismo da defesa feita por uma mulher, auxiliada por um homem iletrado, sem formação acadêmico-jurídica, sabedor pela oralidade que existe o contraditório e que não poderia ser mandado para o inferno sem que sua versão fosse ouvida, a “advogada nossa[29]”, a misericordiosa com suas teses antipunitivistas acatadas, ao final dos autos, recebeu uma espécie de honorários, pela promessa de Chicó. Portanto, Guel Arraes, seguindo a linha do texto de Ariano Suassuna, valorizou o imaginário nordestino, a criminologia feminista e fortaleceu a face matriarcal da justiça no filme “O Auto da Compadecida”.


[1] A peça teatral “Auto da compadecida” foi escrita em 1955 por Ariano Suassuna (1927-2014). O Auto da Compadecida, filme de Guel Arraes, foi lançado no ano de 2000.

[2] MELO, Ezilda. Tribunal do Júri: arte, emoção e caos. 1ª edição. Florianópolis: Empório do Direito, 2016.

[3] Cf. Intercom Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação Santos 29 de agosto a 2 de setembro de 200Literatura e Almanaques: Ariano Suassuna e os modos alternativos de inserção do popular e do nacional na mídia. Amílcar Almeida Bezerra. Professor do Curso de Comunicação Social da Faculdade Boa Viagem (PE). http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2007/resumos/R1349-1.pdf Movimentoarmorial.

[4] A terminologia Auto utilizada para indicar peças breves, de origem Ibérica, nos liga a nomes como os de Gil Vicente na cultura luso-brasileira, em especial Juan del Encina, Padre José de Anchieta, entre outros

[5] SUASSUNA, Ariano. Auto da Compadecida. 11ª edição. Rio de Janeiro Livraria AGIR, 1975, p. 170.

[6] ARRAES, Guel. O Auto da Compadecida. Minissérie da TV Globo. Brasil, 1999. 157 min.

[7] ARRAES, Guel. O Auto da Compadecida. São Paulo: Globo Filmes, 2000. 104 min.

[8] Trata-se da estética jurídica como modo de percepção e apreensão do imaginário jusfilosófico.

[9] SUASSUNA, Ariano. Auto da Compadecida. 11ª edição. Rio de Janeiro Livraria AGIR, 1975, p. 24.

[10] CALVO GONZÁLEZ, José. Direito Curvo. Trad. André Karam Trindade, Luis Rosenfield, Dino del Pino. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2013, p.49.

[11] LATOUR, Bruno. 1994 [1991]. Jamais fomos modernos: ensaio de antropologia simétrica. Rio de Janeiro: Editora 34, p.19.

[12] História do diabo (Die Geschichte des Teufls) fora escrita em alemão em 1965.

[13] FLUSSER, Vilém. A história do Diabo. São Paulo: Annablume, 2008, p.91.

[14] RAMALHO,Christina. Poemas épicos. Estratégias de leitura. 1ª Edição. Rio de Janeiro: Uapê,2013, p. 15: “Considerado por parte da crítica um gênero esgotado no século XVIII, o épico, contudo, como forma de arte literária que é, sobreviveu e sobrevive em muitas culturas, ainda que revestido de novas formas, como ocorre com qualquer gênero literário quando corretamente observado por lentes teóricas e críticas que levem em conta as transformações por que passam as manifestações literárias e artísticas em geral”.

[15] TEDESCHI, Losandro Antonio As mulheres e a história: uma introdução teórico-metodológica. Dourados, MS: Ed. UFGD, 2012, p. 16: “ Esses discursos integraram-se às práticas sociais que passaram a determinar a vida das mulheres. A história do corpo feminino é contada pelo olhar masculino, estabelecendo, através dos discursos, uma “natureza feminina ”, voltada unicamente para a maternidade e a reprodução. Abordar a construção dessas representações é revelar o imaginário masculino presente, impregnado, refletido na cultura. Tradicionalmente se empregam argumentos extraídos da natureza, da religião, do político para legitimar a subordinação feminina”.

[16] ARAÚJO, Eronides Câmara de. Homens Traídos e práticas da masculinidade para suportar a dor. 1ª edição. Curitiba: Appris, 2016, p.100: “Quando ocorria a infidelidade feminina, não só o processo normativo como o jurídico eram acionados para punir a mulher, por desonrar a instituição familiar, diferente da infidelidade masculina, que embora constituísse no texto jurídico como a desonra da família, havia tratamento diferenciado, pelo efeito de uma sociedade regida por vários saberes e normatizada por valores centrados no homem”.

[17] BUTLER, Judith P.: Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade/Judith Butler; tradução, Renato Aguiar – 3ª ed. – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010, p. 28. “Uma coalizão aberta, portanto, afirmaria identidades alternativamente instituídas e abandonadas, segundo as propostas em curso; tratar-se-á de uma assembleia que permita múltiplas convergências e divergências, sem obediência a um telos normativo e definidor”.

[18] BUTLER, Judith P.: Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade/Judith Butler; tradução, Renato Aguiar – 3ª ed. – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010, p. 28. “Se há algo de certo na afirmação de Beauvoir de que ninguém nasce e sim torna-se uma mulher decorre que mulher é um termo em processo, um devir, um construir de que não se pode dizer com acerto que tenha origem ou fim. Como uma prática discursiva contínua, o termo está aberto a intervenções e re-significações. Mesmo quando o gênero parece cristalizar-se em suas formas mais reificadas, a própria ‘cristalização’ é uma prática insistente e insidiosa, sustentada e regulada por vários meios sociais. Para Beauvoir, nunca se pode tornar-se mulher em definitivo, como se houvesse um telos a governar o processo de aculturação e construção (grifos da autora).

[19] BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo. A experiência vivida. 2ª edição. Tradução de Sérgio Milliet. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, Vol. II, 1967.

[20] Diálogo do filme “O Auto da Compadecida”: Dora: Abre essa porta, Eurico! Eurico: Isso é hora de chegar em uma casa de respeito, aqui você não entra nem com a mulestia de cachorro-doido, vai dormir é na rua, que é pra todo mundo conhecer a qualidade de mulher traidora que você é. Dora: Oxii, eu só fui dar uma voltinha pra me refrescar. Eurico: Refrescar só se for esse fogo que você tem! Dora: Kikinho, vamo resolver esse assunto entre nós. Dora arranha a porta como um gato. Dora: Abra, por favor! Por favor… Eurico: Abrir? Só se for sua cabeça infeliz! Eu fui muito besta em me casar com você. Mulher bonita só serve pra por chifre na gente! Dora: Se você não abrir, eu me atiro na cacimba. Eurico: E eu tenho lá essa sorte? Dora: Você vai se arrepender de suas acusações falsas, e vai todo mundo pensar que você que me matou por ciúmes, você vai morrer de remorsos. Adeus, Eurico, meu único amor. Aaaaah! Dorinha simulou que tinha pulado na cacimba e se escondeu atras da porta dos fundos perto da cacimba. Eurico: Dorinha, minha filha, não faça isso, não faça uma coisa dessas que eu sou doido por ti!

[21] FREYRE, Gilberto. Casa-Grande e senzala. 49ª edição. São Paulo: Global, 2003.

[22] ALBUQUERQUE JR., Durval Muniz. A invenção do Nordeste e outras artes. 5ª edição. São Paulo: Cortez, 2011, p. 23-24: “Um macho que se preze é agressivo na vida e com pessoas, se caracteriza pela vontade de poder, de domínio, exige subordinados e subordinações, notadamente das mulheres. Um macho não deixa transparecer publicamente suas emoções e, acima de tudo, não chora, não demonstra fraquezas, vacilações, incertezas. (…) Um macho não adoece, não tem fragilidades nem físicas, nem emocionais, frescuras”.

[23] A exemplo de LINS, Osman. Lisbela e o Prisioneiro. Editora Scipione. 1964. Neste breve trecho escolhido, há uma construção que reforça esse imaginário: “no Nordeste o homem quando é traído tem que matar. Se fosse no Rio de Janeiro, tudo bem. Eu enchia os cornos, te dava uns catiripapo e tava tudo certo. Mas aqui no Nordeste eu vou ter que dar uma de macho”. Dar uma de macho, neste contexto, é matar a mulher por causa da traição, ou seja, cometer feminicídio.

[24] RAMALHO, Maria de Lourdes Nunes. Teatro (quase completo) de Lourdes Ramalho. Mulheres. Vol. II. Maceió: EDUFAL, 2011, p.74: “Honestidade’ é uma palavra que, para o homem e para a mulher, tem conotações diferentes. – O homem pode matar, bater na mulher, fornicar à vontade – se não roubar escandalosamente, é honesto. – A mulher, além de possuir todas as virtudes imagináveis, deverá trancar as pernas até encontrar um marido – e assim agir, mesmo por abandono ou morte do safado”.

[25] BUTLER, Judith. Problemas de gênero. Feminismo e subversão da identidade. Tradução de Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 18: Para Butler não há unidade na categoria mulher. “Em outras palavras, a insistência sobre a coerência e a unidade da categoria das mulheres, rejeitou efetivamente a multiplicidade das interseções culturais, sociais e políticas em que é construído o espectro concreto das ‘mulheres’”.

[26] MENDES, Soraia da Rosa. Criminologia feminista: novos paradigmas. São Paulo, Saraiva, 2014, p. 88: “a criminologia feminista entendeu o patriarcado como uma das estruturas que sustentam o próprio controle social formal e legitimam a alegada inferioridade feminina”.

[27] SUASSUNA, Ariano. Auto da Compadecida. 11ª edição. Rio de Janeiro Livraria AGIR, 1975. pgs.177-179: percebe-se a utilização do discurso de proteção feito por uma mulher em razão de sua condição feminina, nessa passagem da obra literária:
Manuel: Devia ter esquecido lá João. Pode alegar alguma coisa em favor deles?
A compadecida: O perdão que o marido deu à mulher na hora da morte, abraçando- se com ela para morrerem juntos. (…).
Encourado: Enganava o marido com todo mundo.
Mulher: Porque era maltratada por ele. Logo no começo de nosso casamento, começou a me enganar. A senhora não sabe o que eu passei, porque nunca foi moça pobre casada com homem rico, como eu. Amor com amor se paga.
A Compadecida: Eu entendo tudo isso mais do que você pensa. Sei o que as mulheres passam no mundo, se bem que não tenha do que me queixar, porque meu marido era o que pode chamar um santo. (…) Encourado: A senhora está falando muito e vê-se perfeitamente sua proteção com esses nojentos, mas nada pôde dizer ainda em favor da mulher do padeiro.
A Compadecida: Já aleguei sua condição de mulher, escravizada pelo marido e sem grande possibilidade de se libertar. Que posso alegar ainda em seu favor?”

[29] Termo usado em referência à oração “Salve Rainha”.


Referências

ALBUQUERQUE JR., Durval Muniz. A invenção do Nordeste e outras artes. 5ª Edição. São Paulo: Cortez, 2011.

ARAÚJO, Eronides Câmara de. Homens Traídos e práticas da masculinidade para suportar a dor. 1ª edição. Curitiba: Appris, 2016.

ARRAES, Guel. O Auto da Compadecida. Minissérie da TV Globo. Brasil, 1999. 157 min. ____________. O Auto da Compadecida. São Paulo: Globo Filmes, 2000. 104 min.

BEAUVOIR, Simone de. O Segundo sexo. A experiência vivida. 2ª Edição. Tradução de Sérgio Milliet. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, vol. II, 1967.

BUTLER, Judith. Problemas de gênero. Feminismo e subversão da identidade. Tradução de Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

CALVO GONZÁLEZ, José. Direito Curvo. Trad. André Karam Trindade, Luis Rosenfield, Dino del Pino. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2013.

FLUSSER, Vilém. A história do Diabo. São Paulo: Annablume, 2008.

FREYRE, Gilberto. Casa-Grande e senzala. 49 ed. São Paulo: Global, 2003.

LATOUR, Bruno. 1994 [1991]. Jamais fomos modernos: ensaio de antropologia simétrica. Rio de Janeiro: Editora 34.

LINS, Osman. Lisbela e o Prisioneiro. Editora Scipione. 1964. MELO, Ezilda. Tribunal do Júri: arte, emoção e caos. 1ª edição. Florianópolis: Empório do Direito, 2016.

MENDES, Soraia da Rosa. Criminologia feminista: novos paradigmas. São Paulo, Saraiva, 2014.

RAMALHO, Christina. Poemas épicos. Estratégias de leitura. 1ª Edição. Rio de Janeiro: Uapê,2013.

RAMALHO, Maria de Lourdes Nunes. Teatro (quase completo) de Lourdes Ramalho. Mulheres Vol. II. Maceió: EDUFAL, 2011.

SUASSUNA, Ariano. Auto da Compadecida. 11ª edição. Rio de Janeiro Livraria AGIR, 1975. TEDESCHI, Losandro Antonio As mulheres e a história: uma introdução teórico- metodológica. Dourados, MS: Ed. UFGD, 2012.

WARAT, Luis Alberto. Introdução Geral ao Direito – Interpretação da lei: temas para uma reformulação. Sergio Antonio Fabris Editor: Porto Alegre, 1994.

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