Wikileaks: "depoimento de Manning muda tudo"

Ícone da liberdade de expressão nos EUA sustenta: soldado que revelou crimes de guerra é herói; perseguição precisa acabar já

Por Paulo Nogueira, no Diário do Centro do Mundo

Motion Hearing Held In Bradley Manning Case

Soldado Bradley Manning é reconduzido ao cárcere, após depor a corte marcial. Para Daniel Ellsberg, que vazou os “Documentos do Pentágono” (1971), manter acusações a ele e a Julian Assange é atentado contra liberdade de expressão e dignidade

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Um ícone da liberdade de expressão nos EUA sustenta: soldado que revelou crimes de guerra é herói; perseguição precisa acabar já

Por Paulo Nogueira, em seu blog O Diário do Centro do Mundo

O artigo abaixo foi publicado originalmente no site Common Dreams. Seu autor é Daniel Ellsberg, que em 1973 vazou para o “New York Times” os célebres “Papéis do Pentágono”, documentos que mostravam os horrores praticados pelos Estados Unidos no Vietnã. Ellsberg foi processado pelo governo Nixon, mas acabou absolvido, e seu vazamento ajudou a terminar a guerra.

Dias atrás, a Fundação da Liberdade de Imprensa, organização que fundei e de cujo conselho faço parte, publicou um áudio do discurso de Bradley Manning num tribunal militar em que ele dá suas razões e motivações por trás do vazamento de mais de 700 mil documentos do governo para o WikiLeaks.

Quem fez esta gravação [ouça áudio; leia transcrição], e eu não sei quem é a pessoa, prestou ao público americano um grande serviço. É a primeira vez que os americanos podem ouvir Bradley Manning, com sua própria voz, explicar o que fez e por quê.

Depois de ouvir esta gravação e da leitura de seu depoimento, fiquei convencido de que Bradley Manning é a personificação do whistleblower – aquele que expõe coisas secretas de interesse público.

Manning enfrenta algumas das mesmas acusações que enfrentei 42 anos atrás, quando vazei os Documentos do Pentágono [Pentagon Papers] para o New York Times e outros jornais. A única diferença é que eu era um civil, e por isso pude ficar em liberdade sob fiança enquanto o julgamento estava acontecendo, e assim pude falar com a mídia o tempo todo. Assumi a responsabilidade do que tinha feito no dia da minha prisão, e pude explicar por que fizera o vazamento.

Mas, por conta de decisões do juiz no caso de Manning, o público quase não ouviu nada dele. Transcrições oficiais do processo não foram liberadas para o público.

Agora  espero que o povo americano possa ver Manning sob uma luz diferente. Em 1971, fui capaz de narrar a minha versão da história, e é com muito atraso que Manning pode fazer o mesmo.

Manning, ao assumir como eu a responsabilidade pelo vazamento e descrever em detalhes como agiu, deixou claro que Julian Assange e Wikileaks não tiveram nada a ver com sua decisão de vazar. O WikiLeaks não lhe deu nada além do que um jornal faria normalmente.

Agora, não há realmente desculpa para que a justiça americana prossiga na perseguição a Julian Assange por suspeita de conspiração para cometer espionagem. Se a justiça não vai indiciar o New York Times, e não há base constitucional para isso, também não existe motivo para investigar ou indiciar Assange ou o WikiLeaks.

Acusar Assange de “conspiração para cometer espionagem” seria, como já foi dito, o equivalente a acusá-lo de “conspiração para cometer jornalismo.’”

Manning foi movido pelas mesmas razões que me guiaram há 42 anos. Ambos ficamos horrorizados ao ver informações mentirosas circularem, ao mesmo tempo que atividades criminosas eram escondidas do público. Ambos sentimos que a sociedade precisava de informações reais, e deveria ter tido isso anos atrás. Por isso, ambos vazamos documentos secretos sobre guerras sangrentas e sem propósito.

Um eventual comportamento criminoso, perigoso e enganoso do governo só pode ser alterado se o Congresso e o público forem informados dele. Quando o governo encobre informações que exponham tal conduta, a única maneira de trazê-la para o público é quebrar normas de sigilo.

Alguns dos documentos mais importantes que vazaram por Manning revelaram tortura pelo governo iraquiano, do qual os EUA tinham ciência. De acordo com o tratado internacional sobre a tortura, os EUA deveriam ter exigido investigações.

Na verdade, os documentos da guerra do Iraque mostram centenas de casos de tortura, e em todos eles os soldados receberam ordem ilegal para não investigar.

Em sua declaração ao tribunal, Manning fala sobre um incidente em que pessoas para ele inocentes estavam sendo entregues aos iraquianos para possivelmente ser torturadas. Ele foi ao seu superior e recebeu a ordem de esquecer o assunto.

Bradley Manning, ao agir como agiu, foi o único soldado que realmente obedeceu ao tratado internacional sobre tortura, e, por extensão, à Constituição.

Manning confessou-se culpado de dez acusações de violar regras militares (poucas das quais, se é que alguma, seria crime civil) e enfrenta o risco de vinte anos de prisão. No entanto, os promotores ainda insistem com a acusação absurda de “ajuda ao inimigo”, e por isso pedem prisão perpétua

Nixon poderia ter levantado essa acusação contra mim também. Eu estava revelando publicamente irregularidades cometidas por nosso governo, e a informação poderia ter sido lida por nossos inimigos no Vietnã. É claro que nunca tive essa intenção e Manning também não.  Nós dois vazamos informações para provocar uma discussão sobre a força militar nacional e o sigilo governamental. Dizer que o fizemos para ajudar o inimigo é um absurdo.

Pelo terceiro ano consecutivo, Manning foi indicado para o Nobel da Paz. Por seu papel na Primavera Árabe e na aceleração do fim da Guerra do Iraque, tenho para mim que ninguém é mais merecedor do prêmio que ele. Manning é um herói cujo exemplo deveria inspirar muitos outros.

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