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Nos EUA, livro recupera história do conflito com o Irã — e conta como a Casa Branca torpedeou, durante o governo Bush, ampla proposta de acordo oferecida pelo presidente iraniano

Por Mauricio Santoro, em seu blog

A possibilidade de conflito militar entre Irã, Estados Unidos e Israel tem dominado os debates de política internacional por aqui e o melhor livro disponível sobre o assunto é “A Single Roll of the Dice – Obama´s Diplomacy with Iran”, do cientista político iraniano Trita Parsi. Baseado em entrevistas com líderes políticos de diversos países, seu argumento é que a tentativa de aproximação entre Washington e Teerã falhou por conta das objeções domésticas nos dois regimes, exacerbadas pelas tensões que envolvem os israelenses, e que os dois países estão presos numa situação de estagnação “sem guerra e sem paz”, marcadas por rodadas de sanções ineficazes.

Parsi é um analista excepcional e tem exercido importante papel político como líder do Conselho Nacional Iraniano-Americano, uma associação de oposição ao regime islâmico. Ele cresceu no exílio, acompanhando o pai, opositor dos aiatolás. Seu livro subiu para os 100 mais vendidos na Amazon, depois de ótima entrevista do autor no programa Daily Show, de Jon Stewart.

A história narrada por Parsi é fascinante: quando os Estados Unidos invadiram Afeganistão e Iraque – dois vizinhos do Irã – o presidente reformista iraniano Mohamed Khatami se apavorou e achou que seria o próximo. Seu governo apresentou uma proposta extraordinária a Washington, concordando com praticamente todas as exigências dos americanos, inclusive oferecendo a suspensão de ajuda aos aliados estrangeiros do regime islãmico, Hezbolá e Hamas. A Casa Branca se recusou a negociar – Bush e seus assessores achavam que poderiam conseguir o prêmio máximo, a derrubada da república islâmica, por meio da pressão militar e econômica.

Não foi isso o que ocorreu, evidentemente, e a situação dos Estados Unidos se complicou bastante com as crises no Afeganistão, Iraque e Paquistão, para não falar da crise econômica, ao passo que o Irã ascendeu como potência regional no Oriente Médio, sob a liderança radicalizada de Mahmoud Ahamadinejad. Obama ascendeu à presidência com a proposta de um “novo começo” nas relações entre os dois países. Sua disposição em conversar era sincera, mas foi recebida com ceticismo em Teerã e com indignação em Israel, onde o governo defendia que o programa nuclear iraniano era uma grave ameaça que tinha que ser eliminada, se necessário pela força.

Contudo, o que matou as negociações foi a eclosão da Revolução Verde no Irã, e a feroz repressão que se seguiu. Tornou-se impossível para Obama sustentar o diálogo em meio às pressões do Congresso para novas sanções contra a república islâmica. Em Teerã, as elites políticas chegaram à beira da guerra civil e mesmo a vitória (fraudada) de Ahamdinejad nas eleições não resolveu o jogo. Parsi afirma que os conflitos entre o presidente e os aiatolás refletem um amplo cisma geracional, do enfrentamento entre a velha guarda da Revolução de 1979 e os novos líderes, que foram ativistas de base na queda do xá e lutaram na guerra de 1980-1988 contra o Iraque.

Num cenário tão polarizado, é difícil ser mensageiro de soluções pacíficas e Parsi é um excelente cronista dos esforços do ex-presidente da Agência Internacional de Energia Atômica, o egípcio Mohammed El-Baradei (Nobel da Paz por essa tentativa) e dos governos do Brasil e da Turquia para encontrar uma saída para o labirinto iraniano.

Parsi tem brilhante análise do plano turco-brasileiro, pelo qual o Irã enviaria seu urânio ao exterior para ser enriquecido sob supervisão internacional. A proposta havia sido feita originalmente pelos Estados Unidos, mas quando foi aprovada pelo Irã, os americanos já haviam negociado secretamente com Rússia e China nova rodada de sanções e ficariam furiosos com a mediação do Brasil e da Turquia.

Atualmente, 57% dos republicanos acredita que haverá guerra contra o Irã em 2012, contra 22% dos democratas. É uma polarização partidária. O próximo passo é acompanhar o embargo dos EUA e da União Européia contra o petróleo iraniano, que entra em vigor em 1º de julho. A foto do meio do post foi tirada por mim na Times Square. O manifesto contra Ahmadinejad contrasta com anúncio de nova série de TV cujo slogan é “ame seu vizinho.”

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