Sudão do Sul nasce em meio a pobreza e ameaças

UN Photo/Tim McKulka

Retrato das desiguldades internacionais: país tem apenas 50 quilômetros; apenas 15% são alfabetizados; não há fornecimento de energia elétrica para várias regiões da capital 

Por Igor Natusch, no Sul21

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O mundo tem um novo país desde o último sábado (9/7). O Sudão do Sul, cuja independência foi confirmada por mais de 90% de sua população em plebiscito ocorrido em janeiro, será o 54º país do continente africano e nasce para dar fim a uma guerra civil que durou mais de 20 anos e matou pelo menos 2 milhões de pessoas. Apesar do otimismo da população e das jazidas de petróleo – 80% das antigas reservas do Sudão pertencerão agora ao novo país – a tendência é de que a recém-nascida nação engorde as fileiras na ponta de baixo dos indicativos sociais e de saúde, juntando-se ao grupo dos países de pior situação no mundo. Além, é claro, das nuvens cinzentas que anunciam a possível chegada de um novo conflito.

Autoridades como o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, e cerca de 40 chefes de estados estarão presentes na cerimônia de proclamação. O evento ocorrerá na capital do novo país, Juba – atualmente transformada em um grande canteiro de obras. O próprio aeroporto internacional da cidade, que receberá delegações de vários países, ainda está em construção – o edifício principal ainda é pouco mais que um esqueleto, com grande parte da sua estrutura ainda recebendo camadas de concreto.

Assim como a própria capital, a democracia do Sudão do Sul ainda está sendo construída. Há um único partido político consolidado, o Movimento de Libertação do Povo do Sudão, que indicou o nome de Salva Kiir, primeiro presidente eleito do país. Cabe a esse grupo o principal papel na redação da Constituição do país – que é qualificada como “ditatorial” por setores da oposição.

Jornalistas são ameaçados e tratados como “espiões”, enquanto a falta de uma constituição abre espaço para que alguns setores interpretem a lei e a ordem da forma mais livre possível. Há cerca de um ano, recrutas de uma academia de polícia na cidade de Rajaf reclamaram de maus tratos durante o treinamento que recebiam. A resposta foi imediata: o chefe de polícia do município enviou tropas especiais até os barracões, promovendo uma onda de agressões que provocou seis mortes e pelo menos uma dúzia de feridos.

A infraestrutura do novo país é precária. Enquanto o Sudão do norte tem 3.600 quilômetros de estradas pavimentadas, seu irmão do Sul tem apenas 50 quilômetros. A maior parte da população, desempregada e sem postos de trabalho nos quais se engajar, depende de doação de alimentos, a maior parte deles de origem internacional. Apenas 15% da população sabe ler e escrever. Não há fornecimento de energia elétrica para várias regiões da capital, e a distribuição de serviços de saneamento e limpeza urbana é quase inexistente. Como não há recolhimento de lixo, o hábito em Juba é queimar os resíduos, agrupando-os em grandes fogueiras.

Serviços básicos, como saúde e educação, sofrem também com a quase insolúvel ausência de gente capacitada para assumi-los. A maior parte do corpo docente da Universidade de Juba simplesmente abandonou o emprego – agora, ministram aulas e laboratórios no centro universitário de Khartoum, capital do Sudão. Do antigo corpo de 11 mil funcionários, entre professores, técnicos e assistentes, menos de 1.500 seguem se apresentando para trabalhar. As atividades da universidade, de qualquer modo, estão paralisadas, já que forças federais fazem uma busca quase interminável por armamento clandestino em todas as instituições públicas e privadas da capital.

Até tropas da ONU são alvo de violência

Para tentar garantir a ordem no sempre difícil período de transição, a ONU enviou tropas de paz para as principais cidades do nascente país. Porém, nem mesmo esses enviados internacionais são autorizados a entrar em certas áreas conflagradas, sofrendo bloqueio por parte de forças nacionais. Um comboio das Nações Unidas teria sofrido um ataque direto das tropas militares do Sudão do Sul, em maio, quando o novo país e seu irmão do norte entraram em conflito às margens do rio Kiir – região rica em recursos naturais e cuja posse é disputada pelos dois países.

Os confrontos na região, chamada pelos sudaneses de norte e sul de Abyei, não apenas resulta em uma grande onda de refugiados, como mostra que a criação do Sudão do Sul não será suficiente para pacificar a área. Outro território em conflito é a região de Kordofan do Sul, seguidamente bombardeada por forças do norte – que pretendem forçar os moradores a fugir e anexar a área às fronteiras do agora diminuído Sudão propriamente dito. Há também dívidas do Sudão do Sul com o governo de Khartoum, que somariam US$ 38 bilhões. Além, é claro, do interesse mútuo pelas lucrativas jazidas de petróleo.

Mesmo que a maioria das reservas esteja no sul, os dutos que conduzem a preciosa commodity, além de refinarias e portos, passam pelo país do norte. Um acordo entre os dois governos divide os lucros, mas há pressão do governo de Juba para que o percentual de lucro do Sudão do Sul seja um pouco maior. As negociações entre os dois países, intermediadas pelo governo da Etiópia, não conseguem avançar – e Khartoum já elevou o tom, ameaçando fechar os oleodutos caso Juba não adote uma postura menos intransigente. Segundo analistas, existe uma possibilidade crescente de que o Sudão do Sul já nasça em conflito aberto com seu irmão do norte, ressuscitando a guerra que se encontra dormente desde 2005.

Além da tensão de fronteiras, há o clima de guerra dentro do próprio país em nascimento. Senhores de guerra, que aceitaram o cessar-fogo e foram favoráveis ao plebiscito que criou o Sudão do Sul, aproveitam-se da falta de solidez governamental para instituírem seus próprios reinados paralelos em várias áreas do país. São abundantes os relatos de mortes arbitrárias, roubo de mantimentos e até mesmo instalação de minas terrestres para proteger a posse de autodeclarados feudos.

Com informações do Der Spiegel, Financial Times e New York Times

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