SP: o Procurador Geral contra os direitos humanos?

Estranho: Giampaolo Smanio quer proibir fiscalização dos abusos policiais e punir membros do Ministério Público Federal que socorreram jovens presos ilegalmente

Por Luis Nassif, no GGN

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Giampaolo Smanio, o Procurador Geral de São Paulo

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Estranho: Giampaolo Smanio quer proibir fiscalização dos abusos policiais e punir membros do Ministério Público Federal que socorreram jovens presos ilegalmente

Por Luis Nassif, no GGN

Maio de 2006. Sob o comando de um ex-procurador do Estado de São Paulo, o então Secretário de Segurança Saulo de Castro Abreu, a PM paulista comanda o maior massacre da história do pais: mais de 600 pessoas assassinadas em menos de uma semana, a maioria jovens negros de periferia sem antecedentes criminais.

Procuradores da República em São Paulo percebem que a única maneira de deter os assassinatos seria uma força tarefa improvisada, que corresse ao IML (Instituto Médico Legal) para fiscalizar os laudos. Seus colegas paulistas não endossam a estratégia. Eles buscam, então, o apoio do Conselho Regional de Medicina que destaca um grupo de médicos para dar plantão no IML. Imediatamente o número de mortes diárias cai de cerca de cem para cerca de dez.

Mais tarde, os procuradores estaduais passam a investigar os crimes. Nenhum PM é indiciado justamente porque a prova básica – os laudos do IML – estavam incompleta.

Federalizam-se os crimes, o MPF (Ministério Público Federal) entra na parada. O pedido de federalização dorme por anos na mesa do PGR Rodrigo Janot  até ser despachado, mas com escassas possibilidades de identificar os criminosos.

Setembro de 2016. A mesma PM, sob o comando de um ex-procurador estadual – Alexandre de Morais, indicado Ministro da Justiça -, sob o mesmo governo Alckmin que estimulou a violência policial, prende vinte jovens, mantendo-os incomunicáveis.

Há um risco concreto de dano físico nos rapazes, em um estado no qual até assassinatos de meninos de 10 anos são colocados na rubrica de resistência à prisão.

Imediatamente, dois procuradores da República, do mesmo grupo de defesa da cidadania que ajudou a evitar mais mortes nos massacres de maio de 2006, correm à delegacia para fazer ver ao delegado e à PM, que o poder público estava atento ao que poderia acontecer.

Foi uma ação preventiva, e a legislação prevê que qualquer  ofensa à direitos humanos pode ser objeto de deslocamento de competência. No fragor da batalha, sabendo que os jovens estavam vulneráveis à ação de uma PM violenta, os procuradores submeteram-se a um chamado de consciência. No dia seguinte, a PFDC (Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão) Deborah Duprat tomou a decisão de monitorar a violência das PMs, ante a evidência de que os MP estaduais não estavam cumprindo sua obrigação constitucional de fiscalizar a PM.

Ontem (13/9), o PGE (Procurador Geral do Estado) de São Paulo Giampaolo Smanio abriu duas representações (https://goo.gl/nvz6TE ). Uma, ao Conselho Nacional do Ministério Público, para impedir o MPF de filmar as manifestações, visando coibir a violência policial. “Ao Ministério Público Federal é legitimado o exercício do controle externo da atividade policial federal, e não da estadual. Não há margem interpretativa para se admitir que o MPF detenha atribuição para o controle externo das polícias civil e militar estaduais”.

A segunda, à corregedoria do MPF, denunciando três procuradores: Deborah Duprat, da PFDC, Marlon Weichert e Lisiane Braecher, que correram à delegacia. Segundo o PGE, “os membros do Ministério Público de SP agem em relação a todas as ocorrências nos protestos, sem omissão ou demora que justificasse a atuação dos procuradores federais”.

Se procuradores estaduais tivessem corrido à delegacia, certamente os da República abdicariam de qualquer intervenção. Infelizmente, nenhum procurador estadual compareceu. Assim como não compareceu ao IML para impedir os massacres de maio de 2006.

Mal comparando, é como se um médico do interior chegasse a São Paulo, testemunhasse o atropelamento de uma pessoa, mas se recusasse a socorrê-la, por não ter autorização do Conselho Regional de Medicina para atuar na cidade.

Ontem ainda, o MPE foi à forra, anunciando sua primeira providência em relação ao episódio: investigar a participação de um militar – o tal Secreta do Tinder – nas manifestações (http://migre.me/uYP77) . Como investigar as Forças Armadas é atribuição do MPF, foi um troco, tipo você invade minha área, eu também invado a sua.  Nenhuma providência foi tomada em relação à PM.

Enquanto as cúpulas se engalfinham nessa guerra de egos, há uma certeza: a presteza e a iniciativa de Marlon, Lisiane e Deborah mostram que há uma luz de esperança (quase apagando) na atuação individual de procuradores comprometidos com a defesa da cidadania. E, no entanto, eles existem, tanto no MPF quanto no MPE de São Paulo.

Seja qual for a decisão da corregedoria, eles têm a maior medalha para colocar no peito: a gratidão dos pais, por terem garantido a segurança física de seus filhos. E certamente seu exemplo frutificará em solo fértil, no grupo de procuradores de todos os poderes comprometidos com a legalidade democrática e com a defesa dos cidadãos contra os abusos do Estado.

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Um comentario para "SP: o Procurador Geral contra os direitos humanos?"

  1. Edgar Rocha disse:

    Posso estar enganado, afinal de contas, leis mudam ao sabor de interpretações judiciais, precedentes, jurisprudências e arbitrariedades cometidas em madrugadas sem lua. Mas, que eu saiba, investigações sobre narcotráfico e crime organizado sempre foram atribuições federais. Bastava querer combater de fato tais “expedientes” que, sem sombra de dúvida as polícias estaduais, em especial a de São Paulo, seriam desmascaradas. A arrogância e o legalismo fajuto ao estilo Morais cairiam por terra. Desde 2006, no inesquecível “Salve Geral” que implantou o terror duplo do cangaço paulistano – de um lado o medo do bandido, de outro o medo maior ainda da polícia – é que as duas forças bélicas, a estatal e a paralela, se irmanaram num único objetivo: pilhar a cidadania, sobretudo a periferia, sem apelação de suas vítimas a nenhuma instância estadual e federal a favor do cidadão desarmado e trabalhador. Aliás, este último adjetivo virou uma espécie de apelido pejorativo aos que não se curvam aos esquemas de obediência e propina que mantém intacto e próspero um PIB do tamanho do da Argentina, pelo menos, advindo das atividades ilegais e violentas deste verdadeiro grupo empresarial que controla a segurança pública.
    A ausência do enfrentamento, a omissão das forças institucionais federais diante deste quadro durante todo o governo do PT são imperdoáveis. Claro, não tenho dúvida, o vilão é a direita hipócrita. Mas, a questão é que elegemos pessoas de esquerda na esperança de sermos representados, de haver um enfrentamento mínimo que não ocorre porque “não é o momento politico”. Parece que a defesa dos direitos humanos só viram prioridade quando atingem a militantes. E mesmo grandes figuras do jornalismo progressista, como o autor do texto acima, só se lembram de fatos terríveis como os de 2006 em espasmos de indignação. A mortandade de pessoas inocentes e a impunidade de assassinos, sejam eles de farda ou agentes do crime organizado, sequer são devidamente quantificados. A situação nas periferias de todo o Estado de São Paulo é de terror e pressão psicológica constantes há muito tempo. Lamentável que aqueles que poderiam fazer o enfrentamento por terem o poder administrativo e poderem acionar as instituições capazes de agir em defesa dos direitos humanos e da cidadania, preferem tratar o movimento claro de expulsão do trabalhador de seus bairros como “direito a livre manifestação” ou “direito de ir e vir” e até mesmo “empreendimento informal”.
    Procedimentos como: o desrespeito a regras mínimas de bem estar social e convívio como o direito básico ao descanso; discursos extraoficiais de agentes de segurança e fiscais deixando claro que o cidadão não receberá a proteção que lhe é de direito, caso venha a ser perseguido e ameaçado se reclamar de algo; destruição do patrimônio público como praças, áreas públicas destinadas a futuros projetos e; o mais grave a submissão a instituições paralelas como os terríveis tribunais do PCC espalhados pelos bairros, nada disto é visível, denunciável, passível de alguma notoriedade. Não até que esta mesma força violenta passe a colocar em risco a própria democracia e atinja diretamente a atores políticos ou a militantes.
    Com todo o respeito que tenho pelas vítimas das barbaridades policiais durante as manifestações, tenho que perguntar, quantos olhos ainda precisam ser furados para que se tenha, com relação às forças de segurança pública e judiciais nos Estados, a merecida indignação e se priorize de uma vez por todas o combate a todo o aparato autoritário deixado pela ditadura? Aparato que nunca ficou sequer estagnado, nunca deixou de prosperar e sempre atuou contra os mais pobres?
    A conclusão a que chego diante da onda de denúncias contra a PM atualmente é que esta só ocorre por ter atingido os interesses de um setor que se diz inclusivo e progressista, mas que se forjou do mesmo material humano que a agora declarada elite fascista. Se não são iguais, partilham ao menos o mesmo preconceito de classe de que morador da periferia é tudo bandido mesmo, que esta é uma realidade “cultural” a qual é preciso conviver por questão de humanidade. Não é assim. A maioria sofre e nunca aceitou o Estado policialesco/mafioso que o Alckmin implantou nas periferias desde sempre. Simplesmente, por mais que votemos em “gente de bem”, por mais que nos organizemos para resistir e denunciar esta realidade, a resposta dos que se dizem solidários não é muito diferente da que recebemos de um certo subprefeito de esquerda há uns tempos atrás, quando da implantação de um núcleo do PCC em terreno público, disfarçado de favela: “Resolvam vocês com a polícia que eu também tenho filho pra criar”.
    Nestas horas, militante e cidadão comum, só prestam pra encher o saco.

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