A lógica brutal por trás dos "municípios eficientes"

Índice criado pela “Folha de S.Paulo” sugere que o importante não é a qualidade de vida, mas a “economia” de recursos — adivinhe para destiná-los a quê…

Por Raquel Rolnik, em seu blog

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Índice criado pela Folha de S.Paulo desconhece princípios básicos do pacto federativo. Pior: sugere que o importante não é a qualidade de vida, mas a “economia” de recursos — adivinhe para destiná-los a quê…

Por Raquel Rolnik, em seu blog

Nessa semana, comentei na Rádio USP sobre o REM-F, índice criado pelo jornal Folha de S. Paulo para medir a “eficiência” das cidades brasileiras.

Primeiro, é preciso ressaltar que qualquer tipo de ranking que compara cidades tão diversas como as que temos no Brasil, tanto em termos populacionais quanto socioeconômicos, é complicado sempre.

Mas esse indicador tem alguns problemas gravíssimos como, por exemplo, considerar como parte do índice a cobertura de água e de esgoto, quando grande parte da gestão desses serviços no Brasil não é feita pelo próprio município. Segundo o Atlas de Abastecimento Urbano de Água, da Agência Nacional de Água, 3.847 municípios dos 5.570 do país têm sistemas operados por companhias estaduais, não dependendo, portanto, de receitas e políticas municipais.

Mas a discussão mais importante se refere ao próprio conceito de eficiência. Além de trabalhar de forma puramente quantitativa, como por exemplo, ao pensar no número de pessoas atendidas por médicos e não nos indicadores de longevidade, mortalidade, ou seja, o resultado das políticas reduz a dimensão da política pública a quantidades sem levar em conta a qualidade. Neste sentido o IDH-M, elaborado pelo PNUD, mede muito mais a eficiência das gestões municipais.

O mais grave, entretanto é que, no contexto de discussão na PEC 241/2016, que pretende congelar por 20 anos os gastos públicos, o uso desse indicador pode ser extremamente perigoso ao trazer a ideia de que o mais importante é “gastar pouco” e não o que se faz com dinheiro público.

Além do mais, o índice não revela as mazelas intrínsecas à origem dos recursos municipais. A maior parte das cidades do Brasil depende de repasses federais, tanto oriundos do Fundo de Participação dos Municípios quanto dos repasses do SUS ou das transferências para educação, duas das três áreas usadas como parâmetro para medir eficiência no índice.

Ou seja, levando o índice ao pé da letra, o subtexto é que dá para com pouquíssimos recursos fazer muito mais do que as cidades fazem hoje. É absolutamente verdade que é possível ser mais eficiente com os recursos públicos, mas é preciso enfrentar as verdadeiras razões da ineficiência e dificuldades de gestão dos municípios que vão muito além da matemática que o índice apresenta.

Ouça comentário completo no site da Rádio USP.

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