Que projeto para as Olimpíadas?
Cerca de cinquenta entidades do Rio rejeitam o apartheid social normalmente associado aos Jogos
Publicado 25/05/2010 às 18:22
Lançada na última semana, uma carta aberta assinada por associações de moradores, entidades profissionais, estudantis, sindicatos e ongs fluminenses está propondo abrir um debate crucial: que projeto têm o Estado (a sociedade brasileira) para sediar as Olimpíadas de 2016 — e a Copa do Mundo de 2014?
A escolha do Brasil como palco dos dois eventos foi um acontecimento marcante e benvindo. O país receberá milhares de visitantes estrangeiros e será acompanhado, sem exagero, por bilhões. Mas que imagem transmitirá ao mundo?
Entidades como a Fifa e os Comitês Olímpicos fazem, aos países que recepcionam grandes competições, um amplo elenco de exigências. Parte delas tem a ver com a mobilidade e segurança dos assistentes estrangeiros. Mas a mercantilização crescente do esporte exerce um outro tipo de pressão. Busca-se maquiar as cidades-sedes de jogos: homogenizando-as, descaracterizando-as culturalmente, transformando-as em símbolos insípidos de “modernidade” e “eficiência”. O Rio viveu as consequências nos Jogos Panamericanos de 2007. Áreas “nobres” da cidade foram “embelezadas” artificialmente. A população das favelas foi mantida distante do centro e da Zona Sul, numa operação que mobiizou o próprio exército.
O documento das entidades fluminenses sugere que o Brasil é grande demais para aceitar este tipo de falsificação. O Estado investirá imensas somas na preparação das maiores metrópoles para os jogos de 2014 e 2016. Mas falta um debate sobre o sentido destas obras. Os mesmos recursos empregados para abrir uma grande avenida permitem construir ou ampliar uma linha de trem ou metrô. As vilas olímpicas que abrigam os atletas podem, depois dos jogos, tanto alimentar a fogueira da especulação imobiliária quanto abrigar a população sem-teto. O conjunto das obras produz segregação ou redução das desigualdades.
Uma das vantagens do documento fluminense é ir além da denúncia. Ele esboça um primeiro conjunto de propostas, relacionadas principalmente a habitação e mobilidade urbana. O elenco precisa, é claro, ser melhorado, mas a iniciativa abre, entre a sociedade, um debate que de outra forma ficaria restrito à tecnocracia.
Pauta:
> Uma reportagem abrangente sobre o estado dos preparativos para a Copa do Mundo e Olimpíadas. Dados gerais. Somas envolvidas. Tipos principais de instalações e serviços previstos (avenidas? transporte público? estádios? vilas olímpicas? segurança?). Quem banca as obras (Estado? Iniciativa privada? Em que proporções?). Alguns exemplos de intervenções urbanas previstas em metrópoles brasileiras. De que forma se fará o debate sobre o que construir: o papel das instituições brasileiras e da FIFA-COI; os espaços para intervenção da sociedade civil. E, principalmente, como os movimentos cidadãos estão se mobilizando para intervir no debate
Fontes:
> Ministério do Esporte (www.esporte.gov.br), onde há subsites específicos para a Copa e Olimpíadas. O ministro, Orlando Silva, foi presidente da UNE e é de acesso relativamente fácil.
> O Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia Construtiva (Sinaenco) desenvolve campanha pelo planejamento das intervenções nas metrópoles. Criou inclusive um subsite específico sobre a Copa. Detalhe curioso: o site terá de trocar de nome, nas próximas semanas, porque a FIFA exigiu controle de um enorme elenco de domínios internet que incluem a palavra “copa”.
> As entidades que assinam a carta aberta são fontes indispensáveis. Como são muitas, é preciso descobrir quais articulam a iniciativa.
Dossiê:
> Um dossiê colaborativo, para reunir material sobre o tema, está aberto aqui. Contém, por enquanto, apenas a carta das entidades. Para contribuir, escreva para [email protected]