O perigoso o isolamento de Dilma

.

Projeto de governo da presidente é ambicioso e competente — mas  está se chocando com a falta de articulação política e de diálogo com a sociedade civil

Por Luís Nassif, em seu blog

A política é a arte da irracionalidade. Exige acordos, concessões e um jogo duplo: numa ponta as negociações nem sempre transparentes para garantir a base de apoio político; na outra, a construção do imaginário junto ao eleitor, para garantir os votos e o cacife junto aos aliados políticos. Entre esses dois movimentos, o desafio de abrir espaço para a racionalidade administrativa.

São momentos distintos e estratégias distintas, um desafio muito mais complexo do que o de gestor de uma grande empresa.

É só conferir o caso PV-Marina Silva. A irracionalidade é tão grande que faz um partido inexpressivo – o PV, Partido verde – abrir mão de uma política com a história de Marina Silva, com 20 milhões de votos obtidos nas últimas eleições. Isso porque são momentos distintos.

***

Um acurado observador do cenário político observa que, nos seis primeiros meses de seu governo, Dilma Rousseff não conseguiu ainda a embocadura necessária para vencer o desafio político.

No início, diz ele, fez bem em baixar a fervura da guerra com a velha mídia e não pretender se comparar a Lula. Este criou seu próprio espaço midiático, freqüentava diariamente as páginas dos jornais, mesmo daqueles francamente hostis.

Dilma foi prudente em não pretender trilhar o mesmo caminho, dada a diferença de estilo entre ambos. Mas vem cometendo o erro de se isolar totalmente não apenas do contato com o público, mas com interlocutores de diversas áreas da sociedade civil.

***

Principal palco do grande pacto nacional, o CDES (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social) perdeu vigor. Há pouco diálogo com sindicatos e movimentos sociais. A militância da blogosfera está totalmente perdida, com guerras intestinas e radicais até para temas que mereciam um tratamento mais racional, como o PNBL (Programa Nacional da Banda Larga) e o Código Florestal.

***

A interlocução política perdeu um grande articulador – Alexandre Padilha -, um macaco velho – Antonio Palocci – em troca de uma senadora séria – Ideli Salvatti – mas sem um pingo de experiência em articulação política.

Não há uniformidade no discurso público. Aliás, o estilo Dilma provocou um encapsulamento na comunicação inclusive de ministérios da área econômica.

Depois de um período de trégua, a velha mídia volta a atacar o governo. E o clima de inação política vem abrindo espaço até mesmo para a radicalização de vozes da oposição – como Aécio Neves – normalmente dotadas de maior comedimento.

***

Tem-se, então, um paradoxo. Numa ponta, o mais promissor início administrativo de um governo na moderna história política brasileira. Logo de cara foram apresentados novos modelos de coordenação de ações, mudanças significativas nas formas de gestão pública e objetivos claros: erradicação da miséria absoluta, investimentos em infra-estrutura, ampliação do pacto federativo para as políticas sociais.

Mas a percepção na opinião pública é de um governo perdido nas articulações políticas. Fundamentalmente devido ao isolamento da presidente, seu afastamento do discurso público e da articulação política.

***

Há urgência em retomar os canais de diálogo com a sociedade como um todo. Inclusive para enfrentar as mudanças que em breve deverão ocorrer no cenário econômico global.

Sem publicidade ou patrocínio, dependemos de você. Faça parte do nosso grupo de apoiadores e ajude a manter nossa voz livre e plural: apoia.se/outraspalavras

Leia Também:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *