Mercosul-UE: Por que os impasses estão longe do fim?

O acordo está emperrado e o Paraguai, próxima presidência do bloco, diz que priorizará Ásia, caso não seja fechado este ano. Europa não vê que o mundo mudou: papel do Estado é retomado e os termos firmados por governo neoliberais expiraram

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Por Adhemar S. Mineiro, no Terapia Política

Em participação na Assembleia Geral da ONU na semana passada, o presidente do Paraguai, Santiago Peña, alertou em uma entrevista que se o acordo entre o Mercosul e a União Europeia não for fechado sob a presidência pró-tempore brasileira neste semestre, ou seja, até o final do ano, não será prioridade da presidência pró-tempore paraguaia (o Paraguai assume a presidência pró-tempore do Mercosul após a presidência brasileira, os países se revezam semestralmente em ordem alfabética). Penã alertou que a sua prioridade seria negociar com os países asiáticos (curiosamente, o principal acordo em negociação com a área da Ásia, neste momento, é com a Coreia do Sul, que também se encontra travado).

Peña seguramente estava se referindo à sigilosa troca de correspondências sobre como seguir para fechar o acordo, vindas após o fechamento das negociações, em 2019. Primeiro veio a proposta europeia de um “protocolo adicional”, com compromissos ambientais pelos países do Mercosul. Compromissos vinculantes, dizem os europeus, já que da forma como está escrito no acordo que foi negociado, os compromissos não podem ser exigidos, apenas cobrados, segundo os especialistas. Depois de alguns meses, para acomodar diversos interesses, os países do Mercosul fizeram uma carta de resposta, entregue aos europeus, que não apenas recusa o caráter vinculante dos compromissos (não os compromissos, vale ressaltar, já que aparentemente a carta resposta diz que os países do Mercosul estão mais do que comprometidos com metas ambientais), mas abre a discussão para temas estratégicos do desenvolvimento da região, como compras de governo e temas ligados à saúde.

De fato, se ambos os lados enveredarem por este caminho, será de fato um recomeço de negociação, de uma negociação que já dura um quarto de século. Mas seria o reconhecimento da realidade.

O acordo que foi fechado não é apenas um acordo comercial, ele é bem mais abrangente, embora os negociadores tenham sempre privilegiado as negociações comerciais. Na verdade, o Acordo de Associação entre o Mercosul e a União Europeia prevê três pilares, três grandes assuntos: cooperação, diálogo político e comércio. Assim, embora focados em comércio, os negociadores tiveram que dar conta de três distintas pautas, e não se pode descartar que, em função de alguma demanda em algum outro tema, países tenham cedido algo na área de comércio, já que a negociação era simultânea.

Nestes últimos meses, por exemplo, a Argentina disse algumas vezes que um de seus grandes objetivos era o capítulo de cooperação. O fato é que o foco da negociação sempre foram as agendas referentes a comércio. Tanto que só foi possível fechar as negociações, em 2019, quando as duas principais economias do Mercosul, o Brasil e a Argentina, estavam sob governos de franca perspectiva liberal na economia (Bolsonaro no Brasil, Macri na Argentina), abrindo por isso mão de instrumentos de intervenção do Estado em matéria de política pública (como, de volta ao tema, as compras de governo, e seu papel em um novo desenho de desenvolvimento para a região). E ainda soa curioso que os negociadores europeus tenham fechado um acordo que, no seu capítulo de diálogo político, prevê apoio a instrumentos internacionais de defesa da democracia. E que o tenham feito com um governo como o de Bolsonaro, que passou longe de qualquer compromisso democrático, e onde todas as informações que vêm à tona agora falam inclusive de tentativa de golpe de Estado assim que ficou clara a derrota eleitoral de 2022. Mais curioso ainda o fato de que os que defendiam a aprovação do acordo fechado em 2019, mesmo na Europa, tenham colocado por tanto tempo o acordo em banho-maria, aparentemente buscando uma situação confortável de fechar o acordo com Bolsonaro, mas aprová-lo com Lula, evitando a foto com um golpista antidemocrático.

O fato é que o mundo mudou muito, desde que o acordo começou a ser colocado no papel no final do Século XX. Da euforia liberal que levou à criação da Organização Mundial do Comércio e ao começo da difusão dos acordos de comércio naquela época, chegamos a um mundo muito mais protecionista. Mudanças tecnológicas, retomada do papel do Estado e políticas de reestruturação econômica e desenvolvimento muito mais ativas por parte dos estados nacionais, protecionismo envergonhado desde a crise econômica de 2007/2008, protecionismo mais assumido desde meados da década passada e do governo Trump nos EUA, disputa hegemônica entre EUA e China, pandemia e seus efeitos na área da saúde e outras, inclusive com a interrupção do funcionamento em vários momentos das cadeias internacionais de produção, guerra da Ucrânia e suas consequências econômicas e geopolíticas, enfim, um mundo que mudou aos poucos e que nos últimos cinco anos tem mudado muito rapidamente.

Em um quadro de grandes mudanças estruturais e conjunturais, vale a pena conversar novamente sobre os temas e a estrutura desse acordo. Renegociar, se o termo for esse. Ou mesmo discutir sobre a necessidade da existência dele. Talvez os capítulos de diálogo político e cooperação possam ser muito mais concretos na atual conjuntura do que uma discussão sobre liberalização econômica em um mundo que está em transformação econômica tão acentuada. A ver o que vem pela frente, mas os impasses hoje parecem muito claros. Sua superação, nem tanto.

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