A história de resistência do Quilombo Cafundó

Na Bienal de SP, exposição reúne documentos, fotos e vídeos sobre uma comunidade que resiste há mais de 130 anos. Localizada no interior do estado, ainda mantém viva a língua kimbundo e viu no sincretismo religioso uma forma de lutar contra preconceitos

Foto: @mandataquilombo
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Angusu em kimbundo – língua de origem angolana presente até hoje na comunidade – significa resistência, palavra que define toda a história do Quilombo Cafundó. Localizado na área rural do município de Salto de Pirapora, a 12 quilômetros do centro da cidade, ele é um dos quilombos mais antigos do estado de São Paulo. Oficialmente, o Cafundó existe desde 1888, quando o casal Joaquim e Ricarda Congo recebeu a alforria e herdou as terras do “senhor”. Hoje o território possui 218 hectares, onde vivem 120 quilombolas que permanecem sendo angusu.

“O uso do kimbundo despertou o interesse e visitas frequentes de antropólogos e linguistas da Unicamp, o que garantiu certa proteção a nós, moradores do quilombo”, explica Regina Aparecida, uma das lideranças do Cafundó.

Mas a comunidade foi conhecida mesmo na década de 1970, por meio do senhor Otávio Caetano, uma das primeiras lideranças do quilombo. Ele era músico, festeiro do quilombo e grande guardião da língua kimbundo e das tradições do norte de Angola trazidas pelo seu avô escravizado, Joaquim Congo.

Desde a época dos mais velhos se fala do retorno para África para conhecer a terra originária do kimbundo. O sonho se tornou realidade no dia 26 de junho de 2023, quando Regina embarcou para Angola em um projeto de reconexão e cura com a ancestralidade chamado “De volta para casa”, que reconheceu o quilombo como um pedaço da Angola no Brasil. Em novembro de 2009, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já havia decretado o reconhecimento da comunidade Quilombo Cafundó como área de interesse social.

“Atualmente o kimbundo é falado com fluência por quatro pessoas – nossos mais velhos: Marcos Norberto de Almeida, Juvenil Rosa, dona Judite e seu Edivaldo, parentes de seu Otávio Caetano. E apesar de cultivarmos a língua entre os mais jovens, é sempre muito difícil manter vivas nossas origens em meio a tantos preconceitos linguísticos e raciais que a comunidade sofre até hoje”, relata Regina.

Uma das estratégias encontradas para lutar contra os preconceitos e manter a história viva remonta ao sincretismo religioso da época colonial. Uma pequena capela, construída no centro da comunidade, e de pé até hoje, era e continua sendo, uma forma de cultuar religiões sem distinção e preconceitos.

“Dentro da capela é visto um misto de santos católicos, santos de origem africana e, principalmente, fotos de pessoas importantes para o Cafundó”, conta.

Outra tradição que permeia o quilombo desde sua origem, há mais de 150 anos, é a festa de Santa Cruz – um festejo anual realizado no último sábado de maio em agradecimento aos santos protetores da comunidade – Santo São Benedito, Nossa Senhora e a Santa Cruz -, e pelas conquistas cultivadas durante o ano.

Cafundó, em kimbundo, quer dizer “lugar distante de difícil acesso”. Batizado por seus moradores, o quilombo permaneceu, durante muito tempo, “escondido” da sociedade. Apesar disso, a comunidade sempre esteve e está aberta a todas as pessoas que se interessam pela história e que querem recuperar as origens tiradas pelos colonizadores. Cafundó é lugar de luta e resistência.

Hoje essa história é contada por mais de 120 documentos, entre fotos, vídeos, mapas genealógicos e anotações, na 35ª Bienal de São Paulo. A exposição está localizada no segundo andar do pavilhão Ciccillo Matarazzo, no Parque Ibirapuera.

“É uma escadinha, né? Os mais velhos deixaram para nós e agora é nosso papel deixar para os mais novos”, finaliza Juvenil Rosa, um dos moradores mais antigos do Cafundó.

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