A medíocre elite social brasileira

.

Ignorante e presunçosa, ela lê pouco, ostenta, cultiva o consumismo e tem profundo preconceito em relação às maiorias 

Por Henrique Abel, no Observatório da Imprensa

Um dos preconceitos mais firmemente bem estabelecidos no Brasil é aquele que afirma que a culpa de todos os problemas do país decorre da “ignorância do povo”. A elite social da população brasileira, formada pelas classes A e B, em linhas gerais, está profundamente convencida de que o seu status de elite social lhe concede – como um bônus – também o título de “elite intelectual” do país.

Dentro desse raciocínio, a elite brasileira “chegou lá” não apenas economicamente, mas também no que diz respeito às esferas intelectuais e morais – talvez até espirituais. O país só não vai pra frente, portanto, por causa dessa massa de ignóbeis das classes inferiores. Embora essa ideia preconcebida seja confortável para o ego dos que a sustentam, os fatos insistem em negar a tese do “povo ignorante versus elite inteligente”.

O motivo é simples de entender: em nenhum lugar do mundo, a figura genericamente considerada do “povo” se destaca como iluminada ou genial. Por definição, uma autêntica elite intelectual de um país se destaca, precisamente, por seu contraste com a mediocridade (aí entendida como “relativa ao que é mediano”). Ou seja, não é “o povo” que tem obrigações intelectuais para com a elite social, e sim, justamente o contrário: é preferencialmente entre a elite social e econômica que se espera que surja, como consequência das melhores condições de vida desfrutadas, uma elite intelectual digna do nome.

Analfabetos funcionais

Uma elite social que, intelectualmente, faça jus ao espaço que ocupa na sociedade, não apenas cumpre com o seu papel social de dar algum retorno ao meio que lhe deu as condições para uma vida melhor como, ainda, cumpre o seu papel de servir como exemplo – um exemplo do tipo “estude você também”, e não um exemplo do tipo “lute para poder comprar um automóvel tão caro quanto o meu”.

Tendo isso em mente, torna-se fácil perceber que o problema do Brasil não é que o nosso povo seja “mais ignorante”, pela média, do que a população dos Estados Unidos ou das maiores economias europeias. O problema, isso sim, é que o nosso país ostenta aquela que é talvez a elite social mais ignorante, presunçosa e intelectualmente preguiçosa do mundo, que repele qualquer espécie de intelectualidade autêntica precisamente porque acredita que seu status social lhe confere, automaticamente, o decorrente status de membro da elite intelectual pátria, como se isso fosse uma espécie de título aristocrático.

Nenhum país do mundo tem um povo cujo cidadão médio é extremamente culto e devorador de livros. O problema se dá quando um país tem uma elite social que é extremamente inculta e lê/escreve num nível digno de analfabetismo funcional. Pesquisas recentemente divulgadas dão por conta que apenas 25% dos brasileiros são plenamente alfabetizados, e que o número de analfabetos funcionais entre estudantes universitários é de 38%. A elite social brasileira possivelmente acredita que a totalidade desses 75% de deficientes intelectuais encontra-se abrangida pelas classes C, D e E.

Sem diferença

Será mesmo? Outra pesquisa recentemente divulgada noticiava que o brasileiro lê uma média de cerca de quatro livros por ano. Enquanto os integrantes da Classe C afirmavam ter lido 1,79 livro no último ano, os integrantes da Classe A disseram ter lido 3,6. O número é maior, como naturalmente seria de se esperar, mas a diferença é muita pequena dado o abismo de condições econômicas entre uma classe e outra. Qual é o dado grave que se constata aí? Será que o problema real da formação intelectual do nosso país está no fato de que o cidadão médio lê apenas dois livros por ano? Ou está no fato de que a autodenominada elite intelectual do país lê apenas quatro livros por ano? Vou encerrar o argumento ficando apenas no dado quantitativo, sem adentrar a provocação qualitativa de questionar se, entre esses quatro livros anuais, consta alguma coisa que não sejam os últimos e rasos best-sellers de vitrine, a literatura infanto-juvenil e os livros de dieta e autoajuda.

O que importa é ter a consciência de que o descalabro intelectual brasileiro não reside no fato de que o típico cidadão médio demonstra desinteresse pela vida intelectual e gosta mais de assistir televisão do que de ler livros. Ora, este é o retrato do cidadão médio de qualquer país do mundo, inclusive das economias mais desenvolvidas.

O que é digno de causar espanto é, por exemplo, ver Merval Pereira sendo eleito um imortal da Academia Brasileira de Letras em virtude do “incrível” mérito literário de ter reunido, na forma de livro, uma série de artigos jornalísticos de opinião, escritos por ele ao longo dos anos. Ou seja: dependendo dos círculos sociais que você frequenta, hoje é possível ingressar na Academia Brasileira de Letras meramente escrevendo colunas de opinião em jornais. Podemos sobreviver ao cidadão médio que lê dois livros por ano, mas não estou convencido de que podemos sobreviver a uma suposta elite intelectual que não vê diferença literária entre Moacyr Scliar e Merval Pereira.

“Vão ter que me engolir”

Apenas para referir mais um exemplo (entre tantos) das invejáveis capacidades intelectuais da elite social brasileira: na semana passada, o jornal Folha de S.Paulo noticiou que uma celebridade global havia perdido a compostura no Twitter após sofrer algumas críticas em virtude de um comentário que havia feito na rede social. A vedete, longe de ser uma estrelinha de quinta categoria, é casada com um dos diretores da toda-poderosa Rede Globo.

Bem, imagina-se que uma pessoa tão gloriosamente assentada no topo da cadeia alimentar brasileira certamente daria um excelente exemplo de boa formação intelectual ao se manifestar em público por escrito, não é mesmo? Pois bem, vamos dar uma lida nas sua singelas postagens, conforme referidas na reportagem mencionada:

“Almas penadas, consumidas pela a inveja, o ódio e a maledicência, que se escondem atrás de pseudônimos para destilarem seus venenos. Morram!”

“Só mais uma coisinha! Vão ter que me engolir, também f…-se, vocês são minurias [sic] e minuria [sic] não conta.”

Em quem se espelhar?

Não vou nem entrar no mérito da completa falta de educação dessa pessoa, que parece menos uma rica atriz global do que um valentão de boteco. Vou me ater apenas a dois detalhes. Primeiro: a intelectual do horário nobre da Globo escreve “minoria” com “u”, atestando para além de qualquer dúvida razoável que se encontra fora do grupo dos 25% dos brasileiros plenamente alfabetizados (ela comete o erro duas vezes, descartando qualquer possibilidade de desculpa do tipo “foi erro de digitação”).

Segundo: ela acha que “minorias não contam”, demonstrando, portanto, que ignora completamente as noções mais elementares do que vem a ser um Estado democrático de Direito, ou mesmo o simples conceito de “democracia” na sua acepção contemporânea. Do ponto de vista da consciência de direitos políticos, sociais e de cidadania é, portanto, analfabeta dos pés à cabeça.

Com os ricos e famosos que temos no Brasil, em quem o mítico e achincalhado “homem-médio” poderia mesmo se espelhar?

Leia Também:

26 comentários para "A medíocre elite social brasileira"

  1. clayton disse:

    Democracia tem significado diferente entre eles . tipo fica quieto os decidimos ! você vota mas quem manda ainda é a elite.

  2. Puxa , eu já sabia que não era uma pessoa culta, eu já sabia que não era uma pessoa intelectual, mas a hora que mencionou "Podemos sobreviver ao cidadão médio que lê dois livros por ano, mas não estou convencido de que podemos sobreviver a uma suposta elite intelectual que não vê diferença literária entre Moacyr Scliar e Merval Pereira" , aí eu fiquei mais triste ainda. Quem são essas pessoas? Agora, devo sair correndo pra procurar saber quem são.

  3. Bessem disse:

    Nepomuceno, ainda bem que vocea escreveu este post. Realmente, mouits desavisados entram nestas comunidades para enviesar. Mas a cada um segundo sua obra!Comecei a segui-lo a pouco, mas je1 houvera comentado um texto seu na web, ensaiando inclusive entrar em seu grupo de estudo, tendo recuado, pois ne3o saberia contribuir e0 altura.Tem mouits que se3o sf3 fachada! Tf4 consigo quando dizes seguir algue9m que valha a pena.No meu caso, uso a identidade do blog que criei para trabalhar com alunos e procuro perseguir quem vai contribuir primeiramente com o blog. Ao fazer isso, meu pensamento fica direcionado a servir o outro e depois a mim.Persigo alguns e ne3o estou preocupado que me sigam. E fae7o o mesmo com alguns!Legal tambe9m quando vc diz usar o twitter para ver blogs relevantes. Eu sempre clico para ver o perfil e se fizer sentido e puder gerar algo interessante, incluo na lista.Mas tambe9m je1 exclui alguns que ne3o correspondiam. Alie1s, ne3o se falou ainda sobre os que ne3o se deseja mais seguir.Pf4 isso ne3o e9 ruim! Parece que as pessoas colocam o sentimento de perda nesta queste3o e aed confundem algo que poderia ser melhor do que nasceu para ser!Se ne3o te importas, vou indicar esta sua postagem para outros!abs\\\@_@~~~~

  4. Ela está centrada no "objeto referência". Daqui a pouco a posição cai e ela fica apavorada, porque não tem valor real algum. Já que está centrada no ter. E os seus companheiros serão os famosos"tarja preta"…branca etc. É lei do Universo e ninguém foge dela…assim como não foge-se the Lei the Gravidade.

  5. A elite e descendente das almas migradas da estrela capela.

  6. Gostei do texto, estava bonito até que se focou no caso da "global", lá fustigada por ter escrito 'minuria'. Esta escrita tem muito mais licença que "mas a diferença é muita pequena", constante no texto, sem mesmo que ainda se leve em conta o teor dos dois veículos (artigo legal X twit). Sobre a minoria a que a autora do twit refere-se, ao menos pelo artigo não se pode dizer qual é, pode ser de círculos de críticos do alto escalão da emissora, por exemplo. Reitero que achei o artigo bem bacana e, como citado noutros comentários, uma continuação sobre o tema poderia trazer mais exemplos.

  7. Rubens Turkienicz disse:

    A semântica contemporânea da palavra ELITE não corresponde ao dicionario, nem à etimologia, nem à realidade, verdade? Vejam:
    http://pt.wiktionary.org/wiki/elite
    elite
    Português
    substantivo feminino
    “o que há de melhor na sociedade”
    e
    http://en.wiktionary.org/wiki/elite
    élite
    Etymology
    From Old French elit, eslit (“chosen, elected”) past participle of elire, eslire (“to choose, elect”), from Latin eligere (“to choose, elect”); see elect.
    Pronunciation
    IPA: /ɪˈliːt/, /əˈliːt/, /ɛˈliːt/, /eɪˈliːt/, X-SAMPA: /I”li:t/, /@”li:t/, /E”li:t/, /eI”li:t/
    Rhymes: -iːt
    Adjective
    elite (comparative more elite, superlative most elite)
    Of high birth or social position; aristocratic or patrician.
    Representing the choicest or most select of a group.

  8. Ranier Alessandro disse:

    pessoas que ascedem à categoria de elite "economica" naum deveriam ser consideradas elite intelectual. confunde-se e generaliza-se o conceito das categorias…

  9. Flavia, não sei exatamente de onde você tirou que a possibilidade da minoria ter voz não faz parte da fundamentação da democracia. Principalmente por ser a fundamentação da democracia algo ainda sob debate de diversos autores. Não devemos confundir o que temos implantado em algum país como um modelo do que é a democracia mas apenas como um dos modelos do que pode ser a democracia. No livro "On Democracy" de Robert A Dhal ele expõe esses diversos modelos e a evolução do conceito de democracia ao longo da história. A inclusão das minorias é dos pontos principais do processo democrático, sim.

  10. O argumento do artigo é muito bom, mas acho que trouxe poucos exemplos e dados quantitativos. O analfabetismo funcional nas universidades, o baixo índice de leitura, e a eleição de membros da academia brasileira de letras baseado em critérios pouco literários (poderia ter citado também o Jose Sarney, ou Ivo Pitanguy que tb são membros da ABL) são exemplos importantes, mas não suficientes para sustentar a proposição de que a Elite brasileira é medíocre. A constatação de que temos uma elite pouco educada pode ser melhor exemplificada do que com o caso do twiter de uma pessoa que provavelmente chegou onde chegou não por seus dotes intelectuais. O Brasil possui uma elite intelectual importante, porém ela não é suficiente nem consegue influenciar ou pautar os debates. Um dos motivos disso na minha opinião é que a tal elite intelectual não aceita debate fora de um universo limitado. Essa elite não é democrática pois tem uma grande dificuldade de debater alternativas e aceitar intelectuais de linhas diferentes. Na Europa os conservadores, os progressistas, os socialistas, os liberais, e diversos outros sabores de pensamento convivem civilizadamente num debate eterno.

  11. Alguem disse:

    Pelo jeito q vc escreve vc me parece da classs B

  12. Alvin Alvinho disse:

    Parece ser , mas não é…Sempre foi assim…Carteirada intelectual…MPB…Literatura bisonha…E devolva o Jabuti….

  13. Não se preocupem com o exemplo, o que mais tem é exemplo pra usar, rsrs, isso é o de menos.

  14. Esse texto ta bom. Mas, o autor cometeu um pequeno erro ao comentar sobre Democracia, sobre sua fundamentação. Não está na fundamentação da Democracia, a possibilidade da minoria ter "voz". Nela simplesmente tem a afirmação de que, o povo tem participação política (assim, poderíamos, deduzir que a maioria que tem participação politica, tem poder e voz), um bom exemplo, são as eleições, que quem elege é a maioria (o elegido é, quem foi mais votado). A minoria nesse tipo de governo só tem voz, enquanto a maioria concorda que tenha. Pra comprovar isso é o caso de que, é necessário se fazer leis que proteja a opinião da minoria, pois a principio eles, realmente, não têm "voz", então se torna necessário algo que os proteja e os coloque em comunhão com o restante da população. Os ricos é minoria no país, em número de integrantes, mas eles têm voz, pois, por vivermos numa economia capitalista, eles, por terem um grande poder aquisitivo, acabam sendo maioria (ou seja, tem a maior parte da renda do país em suas mãos). Agora, ele usar como exemplo essa atriz, tem um problema, não sabemos a trajetória da vida dela, ela pode ter enriquecido a pouco tempo, ela pode ter tipo a mesma formação da maioria da população (uma formação deficitária), então, não é um bom exemplo.

  15. Lavei minha alma. Quero mais!

  16. Concordo com o Tiago. Pra quem se pretende intelectual foi infeliz destilando preconceitos. O autor tem razão na tese, mas seus argumentos não provam nada, apenas arranham a questão.

  17. O brasileiro, no geral, adora se isentar de qq responsabilidade, independente de sua classe social. Excelente artigo.

  18. quanto ressentimento e generalizações.

  19. Yanna India disse:

    Arrazo!

  20. Sílvia Eugênia Galli disse:

    Tema importante a ser aprofundado em mais artigos.Por exemplo:como entram as cotas nessa história? Para mim nãp passam de um modo de potencializar desigualdades…..

  21. Nossa, perfeito esse artigo, ganhei o dia só de lê-lo! Muito bom mesmo!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *