Costa-Gavras e a revolução dos sem-gravata

Jogo do Poder é um vibrante thriller sobre os meses radicais da primavera grega. Baseado no livro de Yanis Varoufakis, filme expõe as reuniões a portas fechadas, a cena dos bailarinos-tecnocratas e a rebelião que abalou o establishment da Europa

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Por Carlos Alberto Mattos, na Carta Maior

O atual verão europeu está castigando a Grécia com incêndios florestais devastadores. Em 2015, o país estava “em chamas” por outro motivo: a crise da dívida pública que o levou às portas da bancarrota. Depois de sete anos de sujeição aos bancos europeus, sobretudo alemães, arrocho profundo e empobrecimento generalizado desde a débacle de 2008, o povo grego elegeu um governo de esquerda que prometia pôr fim à escravidão econômica e acabar com as privatizações e os privilégios da oligarquia. O Primeiro-Ministro eleito, Alexis Tsipras, nomeou Ministro das Finanças o economista Yanis Varoufakis, um “marxista libertário” segundo sua autodefinição.

Yanis, porém, não durou mais que cinco meses no cargo. Demitiu-se para não dificultar os acordos que Tsipras pretendia fazer para negociar a permanência da Grécia na zona do euro à custa de manter sacrifícios para a população. O curto mas tenso período passado no governo foi descrito em detalhes por Yanis no livro Adults in the Room – My Battle with Europe’s Deep Establishment, que serviu de base para Costa-Gavras em Jogo do Poder (Adults in the Room).

O primeiro escalão do governo Tsipras tentou promover uma espécie de revolução dos sem gravata. Com seu visual descontraído, mochila no ombro e carta de demissão sempre a postos no bolso do paletó ou da jaqueta, Yanis Varoufakis (Christos Loulis) enfrentou centenas de reuniões com os tecnocratas das finanças europeias em busca de renegociação das dívidas sem se submeter às draconianas condições da Troika (Comissão Europeia Banco Central Europeu FMI) para salvar a economia da Grécia. Na defesa dos benefícios sociais e da soberania nacional, Yanis se indispôs sistematicamente com os credores e seus representantes, que o acusavam de querer preservar “um sonho comunista”. Resistiu enquanto pôde à ameaça chantagista de expulsar a Grécia da zona do euro.

Costa-Gavras reproduz as minúcias desse embate no que se pode chamar de um thriller verbal. As posições expostas em encontros a portas fechadas muitas vezes eram desmentidas nas grandes reuniões ou diante da imprensa. Os preconceitos contra os países mais pobres da União Europeia transpareciam em discussões arrogantes, reencenadas em toda a sua teatralidade. Yanis retribuía aos cochichos, gritos e olhares de desprezo com uma firmeza serena e alguns toques de ironia. Não era uma figura bem-vinda no establishment, onde cada um tentava proteger os seus interesses.

Perto do final do filme, depois de uma cerrada maratona de idas e vindas, aproximações e recuos, Costa-Gavras traduz o impasse de Alexis Tsipras (Alexandros Bourdoumis) numa bem humorada coreografia em que o Primeiro-Ministro é alternadamente afagado e bloqueado, conduzido e impedido por bailarinos-tecnocratas. É um momento especialmente grego nesse primeiro filme em que o diretor ataca de frente uma questão do seu país natal desde o memorável Z, de 1969.

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