COP: o inimigo senta-se ao lado

Em novo sinal da impotência dos atuais arranjos climáticos, pecuaristas participam em peso da conferência – e Brasil tem a maior delegação. Seria oportuno, se contribuíssem para criar saída sustentável. Mas não parece ser o caso…

Art: Andy Carter
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Por Cristiane Prizibisczki, em O Eco

Grandes lobistas do setor agropecuário compareceram em número recorde na 28ª Conferência do Clima da ONU, realizada nos Emirados Árabes. A maior representação veio do Brasil, que trouxe para Dubai 10,6% dos membros de grandes indústrias mundiais do agro presentes na COP 28.

São 340 lobistas no total, sendo a indústria da carne e laticínios a que trouxe o maior número: 120 representantes. A cifra é três vezes maior do que a registrada na COP 27, no Egito. 

Os dados, levantados pela organização britânica DesMog e aos quais a reportagem teve acesso, mostra que destes 340 lobistas, 36 são brasileiros, sendo a maioria ligada justamente à indústria da carne: 34 deles.

Segundo análise de ((o))eco sobre os dados do DesMog, são 11 representantes da Minerva Foods, nove representantes da JBS e dois da Marfrig. Também está presente um representante da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (ABIEC). 

Além disso, o grupo de lobistas brasileiros conta com seis representantes da BRF S.A. – empresa que surgiu da fusão entre Sadia e Perdigão –, com um membro da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA) e com representantes da Nestlé e da gigante dos pesticidas Bayer.

Da lista de lobistas brasileiros presentes na COP 28, com exceção da Bayer, todos viajaram para Dubai como parte da delegação oficial do Brasil, o que concede acesso privilegiado às negociações diplomáticas.

A Cúpula do Clima deste ano tem um forte foco no combate às emissões do setor alimentar. Segundo dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, somente a produção de carne é responsável por algo entre 12% e 14,5% das emissões globais de gases estufa.

Para o Brasil, essa porcentagem é muito maior. A pecuária – e o desmatamento associado a ela – representa 57% do total de emissões do país, de acordo com dados divulgados em outubro pelo Sistema de Estimativas de Emissões de Gases Estufa (SEEG).

Isto é, mesmo que em nível global o uso de combustíveis fósseis seja o maior vilão do aquecimento global, internamente, o Brasil precisa olhar para as atividades que causam a mudança no uso do solo, que abocanha a maior fatia das emissões nacionais.

Moldar a mudança 

O governo do Reino Unido anunciou no último sábado (9), no âmbito da COP 28, como pretende implementar sua lei anti desmatamento, de forma a garantir que não haja lugar nas prateleiras dos supermercados britânicos para produtos produzidos em áreas com desmatamento ilegal.

O posicionamento do Reino Unido se soma a uma série de mudanças que têm sido implementadas no âmbito internacional, no sentido de endurecer as regulações relacionadas a critérios socioambientais na cadeia da carne.

No Brasil, o movimento também cresce, com especial atenção para a necessidade de implementação da rastreabilidade total da cadeia.

Ou seja, o setor se dá conta que precisa mudar suas práticas se quiser continuar atendendo aos mercados mundiais.

Segundo Paulo Barreto, pesquisador do Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), especializado em pecuária, a presença maciça de representantes da indústria da carne na COP 28 – principalmente nos espaços de discussão que o crachá de membro oficial confere acesso – pode significar que o setor está trabalhando para “moldar” a mudança requerida do setor.

“O fato de que eles estão se engajando mostra que estão num nível de pressão bastante elevado. Eles entenderam que têm que se engajar para moldar a mudança. A pergunta é: que mudança eles querem moldar? E aí há vários movimentos, um deles é moldar a velocidade da mudança, para retardá-la, para dar mais tempo de adaptar”, explica Barreto.

Além disso, Barreto diz que o setor também pode estar trabalhando para tornar essa transição o menos custosa possível.

“Uma coisa que tem que prestar bastante atenção é o quanto eles conseguem moldar as políticas públicas para que eles consigam fazer a mudança da forma mais suave e lucrativa possível, por exemplo, trazer dinheiro para subsidiar a reforma de pastagem, para rastreamento. O setor teria que custear a reforma de pasto, custear o rastreamento, mas eles vão brigar para ter o máximo de subsídios e financiamentos possível para essa transição”, diz.

De fato, na última quarta-feira (6), o governo brasileiro publicou um decreto que institui o Programa Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas, que pretende auxiliar produtores na recuperação de pastos degradados, concedendo a eles auxílio financeiro.

“Eu faço a pergunta: por acaso está faltando dinheiro para o setor fazer a reforma de pasto? O crédito rural já tem um monte de dinheiro que poderia ser usado para isso”, lembra Barreto.

No último Plano Safra (2022/23) foram destinados R$ 340,88 bilhões em créditos para apoiar a produção agropecuária nacional.

Controle de participação

No final de outubro, o setor do agro brasileiro – representado pela Confederação Nacional da Agricultura – realizou um evento para entregar a membros do governo brasileiro a posição do setor em relação à COP 28.

Em linhas gerais, o posicionamento minimiza a participação do setor nas emissões nacionais, que se apresenta como parte das soluções, e não do problema.

Esse parece ser também o posicionamento do governo brasileiro. Durante o evento,  o embaixador extraordinário para Mudanças Climáticas do Ministério das Relações Exteriores, Luiz Alberto Figueiredo, afirmou que os negociadores brasileiros estariam atentos a todas as ações de países que buscassem retirar a competitividade do agro brasileiro

Segundo Fabrício Muriana, do Instituto Regenera e que participa da COP 28 como membro do Grupo de Líderes da Global Alliance for the Future of Food, a participação de setores poluidores nos espaços da Conferência deveria ser controlada.

“Eu prefiro não pensar que tenha um plano infalível, que eles sentaram todos numa sala e acordaram que querem colocar gado em todos os lugares do mundo. Prefiro pensar que só estão tentando levar seus interesses individuais. E também não é que a gente tem que impedir a vinda [desses setores]”, diz. “A questão que eu vejo que é moralmente muito reprovável é que alguns entes que são extremamente poluidores deveriam ser convidados para cá em momentos muito específicos, em caso em que eles apresentem alguma alternativa muito concreta. E esse não é o caso.”

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