Black Lives Matter: hora de desfinanciar a polícia!

Movimento, que lidera protestos antirracistas nos EUA, batalha para romper lógica do genocídio negro. Diante do superarmamento das forças policiais, resposta radical: reorientar recursos para atendimento à comunidades negras e pobres

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Patrisse Cullors, co-fundadora do Black Lives Matter, em entrevista ao Democracy Now!, traduzido pela Carta Maior

Enquanto milhares em Los Angeles continuam protestando contra a brutalidade policial e enfrentando prisões em massa, o prefeito Eric Garcetti está enfrentando críticas por aumentar o orçamento do Departamento de Polícia de Los Angeles. Os organizadores do movimento Black Lives Matter pediram à Câmara de Vereadores para promover um orçamento popular que reduza os recursos destinados à polícia e invista em serviços para a comunidade. “Criamos um sistema que depende demais da polícia e prioriza seu dinheiro, seu orçamento e suas necessidades sobre todas as outras coisas”, diz Patrisse Cullors, cofundadora do Black Lives Matter e do Reform L.A. Jails. “Agora é a hora de redirecionarmos os recursos de volta para nossas comunidades”.

Amy Goodman: Este é o Democracy Now!, democracnow.org, As reportagens da quarentena. Sou Amy Goodman, com Juan González, vamos para Los Angeles, onde os manifestantes tomaram as ruas do centro da cidade e de Hollywood na segunda-feira (1/6), em outro dia de protestos em massa contra a brutalidade policial e o assassinato de George Floyd. Para mais, estamos indo para Los Angeles, onde nos juntamos a Patrisse Cullors, estrategista política, cofundadora do Black Lives Matter, fundadora do Reform L.A. Jails. Ela é a coautora de “Quando Chamam Você de Terrorista: um livro de memórias do Black Lives Matter”.

Bem-vinda de volta ao Democracy Now!, Patrisse. É ótimo tê-la conosco. Você pode responder primeiro sobre morte de George Floyd e depois sobre os protestos massivos de brutalidade antipolicial e à resposta da polícia?

Patrisse Cullors: Claro. É muito bom estar aqui, Amy, e muito obrigado por me receber. Começo com minhas profundas condolências à família de George Floyd e à comunidade de Minneapolis. Mais uma vez, vemos a devastação e o impacto do assassinato e tortura das comunidades negras. Quero começar por aí.

Eu acho que esses protestos são enormes, de uma maneira que não os vemos há anos, por várias razões. Número um: tivemos que viver quatro anos sob o regime de Trump que devastou completamente as comunidades financeira, espiritual e emocionalmente. E ainda lidamos com anos de brutalidade policial, violência policial e terror policial, sem nenhuma responsabilização. Esta geração está cansada. Basta é basta.

Juan González: Patrisse Cullors, você voltou recentemente no tempo e assistiu a algumas cenas da revolta de Rodney King em 1992. O que mais te impressionou nesses eventos?

Patrisse Cullors: Bem, acho que há duas coisas acontecendo em nossa cidade agora, em Los Angeles. Um é um protesto massivo em solidariedade a Minneapolis, mas também está sendo falado sobre o que está acontecendo em nossa própria cidade. Houve 601 mortes desde 2012, envolvendo, especificamente, policiais matando civis. Tivemos um promotor de justiça aqui, Jackie Lacey, que não processou um único oficial e que tem sido amplamente responsabilizado pela comunidade. Como Amy disse anteriormente, 54% do orçamento da cidade de LA é realmente o orçamento da polícia. A comunidade está farta de falsas promessas. Nós estamos tendo que lidar com autoridades eleitas que, em vez de ouvir a dor e o sofrimento dos negros, mandam a Guarda Nacional criar mais confusão em nossas comunidades.

Amy Goodman: Patrisse Cullors, você pode falar sobre o orçamento que acaba de ser revelado e o que está demandando, onde acha que o dinheiro precisa ser gasto neste momento e também onde imagina que esses protestos chegaram?

Patrisse Cullors: Claro. Nosso capítulo local, o Black Lives Matter Los Angeles, liderado por Melina Abdullah, realmente tem sido o grupo que tem se concentrado especificamente no orçamento da cidade. Durante anos, vimos a apresentação do orçamento da cidade e ele sempre priorizou o dinheiro da LAPD, além de retirar prioridade de todo o resto, todos os serviços sociais que nossas comunidades precisam.

Então, o que estamos pedindo é uma redução no orçamento da polícia de Los Angeles. Não acreditamos que a LAPD precise de tanto dinheiro. Realmente, a demanda nacional, como você verá, é por uma diminuição no financiamento dos órgãos políciais. Minneapolis, Los Angeles, Chicago, Washington estão demandando isso. Criamos um sistema que depende demais dos órgãos policiais e prioriza seus recursos, seu orçamento e suas necessidades sobre tudo o mais. Agora é a hora de redirecionarmos os recursos de volta para nossas comunidades.

Juan González: Patrisse Cullors, estou me perguntando – a resposta da polícia em muitas dessas cidades agora, estamos vendo movimentos cada vez mais agressivos da polícia, seja em Nova York, Louisville ou em outras cidades, contra manifestantes pacíficos. Até que ponto você acha que a polícia de todo o país, muitos deles, foi encorajada pela linguagem e pelo comportamento do presidente Trump nos últimos quatro anos, que eles sentem que têm basicamente o apoio da Casa Branca, se eles tem que –

Patrisse Cullors: Com certeza.

Juan González: – exercer uma força muito mais autoritária em suas cidades?

Patrisse Cullors: Com certeza. Conhecemos a história de Trump. Sabemos como ele impactou simplesmente pelo modo como ele se comunica, como ele usa a mídia para alimentar o medo em comunidades predominantemente brancas e ricas. Ele tem se alinhado historicamente com a polícia, com o lema da lei e da ordem.

Ele acabou de ir ao noticiário ontem para dizer às pessoas que ele enviaria os militares para as cidades. Este é um homem que encorajava o espancamento de pessoas, dos manifestantes contrários que participavam de seus comícios quando ele estava concorrendo à presidência. Este é o homem que disse à polícia, em uma enorme conferência policial, que eles deveriam espancar as pessoas. Sabemos que ele está totalmente de acordo com a polícia, aterrorizando e usando táticas agressivas, como balas de borracha, como gás lacrimogêneo.

No sábado, no protesto que lançamos, o Black Lives Matter Los Angeles, junto com o Build Power, por duas horas, estava cheio de paixão, cheio de amor, e marchámos juntos. O minuto em que a marcha ficou violenta foi quando a polícia apareceu. Eles começaram a disparar balas de borracha contra a multidão. Eles começaram a espancar pessoas com seus cassetetes. Foi perturbador e assustador. Era tão óbvio que eles se sentem encorajados agora.

Amy Goodman: Como você responde, Patrisse, aos policiais que demonstram solidariedade com os manifestantes? Na segunda-feira, você tem um dos principais policiais da cidade de Nova York, Terence Monahan, ajoelhando-se, abraçando um manifestante durante o protesto no Washington Square Park. Em Flint, Michigan, o xerife do condado de Genesee, Chris Swanson, marchou com manifestantes no sábado. Em Green Bay, Wisconsin, o chefe de polícia Andrew Smith condenou a morte de George Floyd e caminhou com manifestantes. Estamos vendo isso em meio a gás lacrimogêneo, em meio a tiros, em meio à pulverização de gás de pimenta e ao grande número de milhares de prisões. Seus comentários?

Patrisse Cullors: É como um relacionamento abusivo realmente assustador. É quando você está em um relacionamento abusivo, e o parceiro tenta fazer você acreditar que é louco e diz que “tudo o que você está sentindo não é verdade, e veja o que estou fazendo por você”. Não é um comportamento aceitável, honestamente. Ou você vai ser solidário com a comunidade e parar de nos brutalizar, ou continuará fazendo o que tem feito e continuará como de costume. Mas não há meio termo.

Ajoelhar, marchar com manifestantes, na verdade não muda a estrutura, não muda o sistema em que vivemos, que é um sistema que continua a violar os direitos dos negros, continua a matar negros, a caçar negros e traumatizar pessoas negras. Isso é o que a polícia faz há anos. Esses novos atos de solidariedade são… eles não agradam muitos de nós.

Amy Goodman: Deixe-me perguntar: conversamos com você sobre o filme Bedlam, que se concentrou muito em você, Patrisse e seu irmão Monte. Todos esses protestos em massa estão ocorrendo em meio à pandemia. Eles poderiam ser eventos de super disseminação, o horror do que poderia acontecer e impactar particularmente as comunidades de negros, latinos e nativos americanos. Estou me perguntando, na verdade, o que aconteceu com seu irmão Monte, que vive com transtorno esquizo-afetivo desde adolescente, no meio de tudo isso – a pandemia, os protestos pela brutalidade policial.

Patrisse Cullors: Bem, tivemos a sorte de tirar Monte das ruas no outono passado. Ele ficou hospitalizado por um bom tempo, quando recebi a tutela dele. Ele acabou indo para um serviço de saúde mental, que é onde ele está agora. A instalação não sofreu um surto de COVID-19, embora tenha havido alguns pacientes com COVID-19. Ele está indo bem agora e está seguro. Isso é realmente importante para mim, especialmente considerando o que está acontecendo no momento.

Juan González: Patrisse, eu queria perguntar a você – não sei se você consegue responder isso da sua perspectiva, mas tenho notado nas reportagens que têm sido divulgadas sobre os protestos e também sobre alguns dos saques e o vandalismo que ocorre, que não está ocorrendo apenas nas grandes cidades, mas, por exemplo, nos subúrbios de Chicago. Subúrbios distantes da grande cidade, como Aurora, Cícero e outros, também viram estranhos incidentes de pilhagem. Você tem alguma preocupação de que possa haver algumas tentativas de… tentativas, na verdade, deliberadas de provocar violência, de provocar maior animosidade entre alguns setores da comunidade americana?

Patrisse Cullors: Com certeza. Sabemos que existem três grupos de pessoas que estão nas ruas. Existem os manifestantes, aqueles de nós que lutam contra a brutalidade policial e o terror policial. Existem supremacistas brancos, aqueles que estão explorando a dor negra neste momento e realmente tentando minar nossos protestos. E há policiais, que às vezes agem como manifestantes, disfarçados, e também policiais uniformizados, que criaram uma quantidade significativa de angústia, destruição e confusão nos protestos. Temos que ter cuidado ao protestar, tanto com a COVID-19, como também porque há momentos em que há agentes provocadores e pessoas diferentes que têm uma agenda diferente da que o nosso movimento realmente tem.

Amy Goodman: Queremos agradecer a você, Patrisse, por se juntar a nós, Patrisse Cullors, estrategista política, cofundadora do Black Lives Matter, fundadora do Reform L.A. Jails. Ela é a coautora de “Quando Chamam Você de Terrorista: um livro de memórias do Black Lives Matter”.

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