A importância do Brasil para libertar Assange

Em campanha pela América Latina para denunciar os crimes contra o jornalista, Kristinn Hrafnsson, editor do WikiLeaks, expõe o silêncio da mídia internacional. E destaca papel que Lula pode jogar no coro pela verdadeira liberdade de expressão

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Kristinn Hrafnsson em entrevista a Beatriz Aguiar, na Revista Opera

No dia 30 de novembro, após passagem por Brasília e São Paulo, o editor-chefe e porta-voz do WikiLeaks, Kristinn Hrafnsson, e o editor Joseph Farrell, foram recebidos na Associação Brasileira de Imprensa (ABI), no Rio de Janeiro, onde movimentos sociais fizeram um ato em solidariedade a Julian Assange. O WikiLeaks está em campanha pela América Latina desde o fim do ano passado para aumentar o conhecimento das autoridades e da imprensa a respeito do julgamento do jornalista. 

Dois dias depois, Kristinn Hrafnsson concedeu uma entrevista exclusiva à Revista Opera. Vestindo a camisa da seleção brasileira (o Brasil jogaria naquela sexta-feira), o porta-voz do WikiLeaks falou um pouco sobre o impacto do apoio do presidente Lula no fim do julgamento de Assange, o futuro do WikiLeaks e a resistência da grande mídia para cobrir o caso, especialmente nos Estados Unidos e no Reino Unido. 

O australiano Julian Assange está preso na penitenciária de segurança máxima Belmarsh, em Londres, desde 2019, e lá aguarda a decisão de extradição para os Estados Unidos. Caso seja extraditado, Assange pode ser condenado a 175 anos de prisão por revelar crimes de guerra do Exército estadunidense no Iraque e no Afeganistão. 

O que o Brasil pode oferecer nos próximos meses para contribuir com a liberdade de Julian Assange?

Nos dias em que estive no Rio de Janeiro, em Brasília e São Paulo, conheci pessoas importantes de diferentes segmentos da sociedade: organizações de Direitos Humanos, de Imprensa, artistas, advogados, pessoas das embaixadas dos Estados Unidos e da França, futuros empregados do gabinete do presidente Lula e o próprio Lula. Todas essas pessoas se mostraram comprometidas em nos ajudar a pressionar o governo de Joe Biden a finalizar esse caso. É um grande apoio, e o peso das vozes brasileiras não deve ser subestimado, especialmente em momento de transição e recuo das forças antidemocráticas. O mundo está ouvindo o Brasil agora, então ter uma voz forte e unificada afirmando que o processo contra Assange é inaceitável é um grande passo em direção à justiça. 

Para mostrar o impacto do Brasil, um dia depois de nos encontrarmos com o presidente Lula – ele sinalizou oficialmente seu empenho para lutar por Julian Assange – o primeiro-ministro da Austrália, Anthony Albanese, finalmente se manifestou e disse que “este assunto precisa ter um fim”. Não é uma coincidência isso acontecer. Quando Lula fala, pressiona o chefe de governo do país de origem do cidadão cuja vida está sendo ameaçada a se pronunciar também. As coisas funcionam assim: Mais vozes, mais força, mais poder na batalha por Julian e pela liberdade de imprensa ao redor do mundo. Por isso sou muito grato pela resposta positiva, todos estão dispostos a trabalhar para aumentar a influência e a pressão sobre a gestão de Biden. 

A mobilização da grande imprensa é capaz de mudar o rumo do julgamento? Por que é tão difícil uma cobertura mais intensa desse caso, já que estamos falando da liberdade de fazer jornalismo?

Tem sido difícil por um bom tempo conseguir mobilização na imprensa, requer muito tempo, especialmente nos Estados Unidos e no Reino Unido. Quando Julian Assange foi preso, há três anos e meio, a cobertura negativa na mídia desses dois países era absurda. Nosso esforço foi para exigir que os jornalistas publicassem os fatos, a verdade, e também para que compreendessem que esse é um assunto importante para eles próprios. De maneira lenta e gradual, nós temos obtido sucesso, a cobertura negativa diminuiu e a positiva está ganhando força. Os sindicatos e as associações de jornalistas agora participam, a União Nacional dos Jornalistas do Reino Unido (NUJ), por exemplo, e todas as organizações para liberdade de imprensa norte-americanas exigem o fim do processo. Então o cenário está mudando lentamente. 

No dia em que nos encontramos com o presidente eleito Lula, as reuniões editoriais de todos os nossos parceiros foram em cima do material-base do processo. Le Monde, na França, El País, na Espanha, The Guardian, no Reino Unido, The New York Times, nos Estados Unidos, todos publicaram uma declaração conjunta exigindo a soltura de Julian, a não extradição e o encerramento do caso. Mas esse ato foi institucional, a posição dos jornalistas, nesses dois países especificamente (EUA e Reino Unido), precisa mudar mais. A cobertura que temos visto na Europa está muito mais positiva, todos os veículos online na Austrália publicaram sobre nosso encontro com Lula. Então existe efeito, quando temos um líder importante como ele se juntando à causa, passa a imagem de que é um tema que vale a pena discutir. Tenho certeza que em breve todo jornalista se juntará a nós na defesa de Julian. 

Não acha que esse coro poderia ser mais alto, tendo em vista toda a violência do processo contra Assange?  

Fui funcionário da mídia tradicional por 20 anos e sei que existe resistência na mudança do rumo de coberturas em países como Reino Unido e Brasil, onde existe uma relação de influência problemática com interesses especiais. E claro, tem efeito mútuo, no caso do Reino Unido, entre a cobertura e a influência no processo. Mas o que vimos com a Folha, a TV Cultura, para a qual demos uma grande entrevista, e jornais de direita… Estamos relativamente contentes que esse assunto está ocupando a mente das pessoas e os jornalistas podem agora acompanhar o tema e publicar de maneira mais ampla.

Claro que gostaria de mais, sempre quero mais, porque é um caso de grande importância, então suplico aos jornalistas, aos leitores da grande mídia que exijam a atualização dessa história. Mas isso tudo é lento e gradual, nós não temos muito tempo. Sou grato pelo que já está em circulação, mas só quero que isso seja feito de forma rápida. Existe um apoio maior na mídia independente, que está, muitas vezes, mais sintonizada com o interesse do povo e com os Direitos Humanos, então sou grato por esse espaço. 

Como está o trabalho do WikiLeaks após a prisão do Julian Assange? Para além desse caso, no que estão se dedicando?

As pessoas provavelmente notaram que tem um bom tempo desde o último material e tem motivo para isso. Nós estamos dedicando todos os nossos esforços para a liberdade de Julian, temos recursos limitados, então queremos todo mundo a bordo no caso mais importante. A luta por Julian é prioridade absoluta, mas definitivamente não estamos no fim da estrada. No geral, nunca falo sobre o que está em nosso radar, mas posso garantir que há algo. Num futuro não tão distante, o WikiLeaks voltará a publicar. 

Invertendo o sujeito, o que o trabalho do WikiLeaks pode fazer pelo Brasil?

Sempre haverá um caminho de cooperação entre jornalistas brasileiros e o WikiLeaks. Nós já trabalhamos com tudo por aqui, de grandes jornais como a Folha a publicações independentes. Estamos dispostos a abrir essa conexão quando chegar a hora. Por outro lado, sempre menciono o momento desafiador que o Brasil enfrentará quando se fala em transparência e sigilo. É importante criar plataformas nas quais as pessoas possam obter informações, então claro que, em termos técnicos, o WikiLeaks pode ajudar. Também temos boas pessoas à nossa disposição para contribuir com a discussão sobre a reconstrução da sociedade civil na perspectiva da liberdade de informação. 

Existem muitas coisas a fazer e estamos criando caminhos para essas conversas, mas também digo que se conseguirmos tirar Assange da prisão, ou melhor, quando o tirarmos, ele é alguém que pode ser uma voz de assistência ao Brasil, como um intelectual, um especialista e um pensador no campo da liberdade de informação e de imprensa. Estamos abertos para ajudar de qualquer forma possível a fortalecer os ideais nos quais acreditamos e que são compartilhados com muitos brasileiros: a transparência, a liberdade de informação e de imprensa, mas também a responsabilidade da imprensa, todos esses elementos que são valiosos para reconstruir e fortalecer a democracia. 

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