8M: pelo que lutar em 2019

Para uma das organizadoras da greve internacional, primeiro passo é deter a ofensiva da ultradireita e do neoliberalismo. Mas mulheres irão muito adiante – e um dos símbolos dos novos tempos é Marielle Franco

Em 8 de março de 2018, na Espanha, mais de cinco milhões de trabalhadoras aderiram à greve
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Verônica Gago, entrevistada pelo Portal Catarinas

Manifestantes de várias partes do mundo saem às ruas no próximo 8 de março, sexta-feira, na Greve Internacional das Mulheres. Neste terceiro ano do 8M  — movimento que reforçou a motivação política do Dia Internacional de Luta das Mulheres  — o caráter internacionalista da greve se afirma na luta comum contra as violências machistas, econômicas e institucionais e na reivindicação da soberania dos corpos, desejos e decisões das mulheres. Ainda que haja maior participação de países da América Latina, América do Norte e Europa, há também confirmação de mobilizações na Turquia e Índia.

Verónica Gago, integrante do Ni Una Menos da Argentina e da coordenação internacional da greve, conversou com o Catarinas sobre as manifestações que vão percorrer o mundo e as pautas que nos unem diante da contraofensiva fascista em nível regional e global. No final do ano passado a feminista lançou no Brasil o livro “A Razão Neoliberal: Economias barrocas e pragmática popular”.

De acordo com a entrevistada, Marielle Franco é na atualidade o símbolo maior das lutas que mobilizam o 8M no mundo. “Neste ano também é importante recordar e pedir justiça pelo assassinato de Marielle Franco, e isso vai acontecer não somente no Brasil como em todo o mundo, e pelo assassinato de outras lideranças territoriais que foram assassinadas brutalmente por causa do seu protagonismo em lutas concretas”, afirma.

Você pode falar um pouco da organização da greve internacional de mulheres deste ano?

A greve está cada vez mais intensa em alguns lugares como Argentina, Itália, Espanha, Chile, Uruguai e sabemos que também há iniciativas muito fortes no Brasil, Equador, Peru, México e neste ano muito fortes também na Alemanha. Importante dizer que se afirma o caráter internacionalista da greve feminista que vai sendo construída com um acúmulo de forças em nível global. Cada 8 de março está sendo a oportunidade e a chance de visibilizar um poder feminista nas ruas, mas é um poder que se constrói no dia a dia.

Por que mulheres do mundo param no próximo 8 de março?


Estamos reivindicando, por um lado, o direito ao aborto legal, seguro e gratuito e, por outro, estamos nos opondo à contraofensiva fascista em nível regional e global. Vemos que esta contraofensiva é militar, econômica e religiosa, é uma resposta direta ao poder feminista empregado nas ruas, nas camas, nas famílias, bairros, universidades, lugares de trabalho. Estamos dizendo basta às violências machistas, ao feminicídio: às violências machistas em todas as suas formas. Estamos dizendo basta às políticas de ajuste, de pauperização, de austeridade. Também estamos reivindicando autonomia e soberania pelos nossos corpos, sobre nossos desejos e decisões.

Como sempre o movimento feminista elabora uma agenda múltipla de demandas e, ao mesmo tempo, um horizonte de desejo e transformação dizendo que queremos mudar o todo e essa articulação entre demandas concretas e transformação radical é o que justamente dá uma novidade política importantíssima a esse movimento, a essa maré em nível global.

Quais as pautas comuns que unem os países da América Latina?

As pautas comuns tem a ver com o repúdio a políticas de governos fascistas, a ultradireita e políticas neoliberais, mas também tem a ver com o rechaço que distintas companheiras e comunidades têm feito contra os megaempreendimentos extrativos, da mineração ao petróleo e me parece que o rechaço às violências machistas é outra pauta comum. Comum também é a visibilização do trabalho historicamente não reconhecido por parte das mulheres, como o trabalho comunitário, de cuidados, de afetos e de produção de vínculos sociais, um trabalho que repõe as estruturas sociais que foram privatizadas e restringidas por parte do Estado.

Qual o aprendizado desses três anos de 8M, o que essa nomenclatura trouxe à luta das mulheres, ao dia internacional?

Nestes três anos vimos crescer um movimento mundial, um movimento que vai se tornando complexo, vai pensando formas de articulação e que vai pensando formas de internacionalismo prático. E nesse sentido me parece importante o intercâmbio de experiências, das formas de pensar, de ressonâncias e coordenações de lutas bem diversas pelas quais vamos encontrando e sentindo forças de uma luta em relação à outra. Por exemplo, a luta das companheiras indígenas contra a criminalização da defesa de seus territórios e a luta pelo aborto legal, seguro e gratuito, a luta das trabalhadoras sindicalizadas tanto contra as reformas neoliberais como contra o interior das hierarquias patriarcais em  seus sindicatos, a luta dos estudantes, lutas de entidades dissidentes, lutas das trabalhadoras da economia informal e popular, lutas contra o racismo institucional e todas essas maneiras que vamos nos encontrando, articulando e construindo feminismos muito diversos, heterogêneos, porém com uma força comum.

Como ocorreu o diálogo, o trabalho de coordenação entre os países?

O diálogo vai se dando porque houve durante esses anos coordenações, redes e encontros de distintas vozes. Estamos em contato com companheiras de vários países da América Latina e Europa, em uma coordenação entre grupos e experiências. Ademais há um tipo de coordenação pelas redes, há diversos canais e segue sendo bem importante.

O que podemos esperar deste 8M ante o desafio de enfrentar o avanço do conservadorismo no mundo?

Podemos esperar seguir fortalecendo a resistência em cada lugar porque estamos falando de lutas situadas, arraigadas que têm capacidade justamente de responder ao avanço neoliberal fascista, e ao mesmo tempo, uma pergunta que nos fica aberta é: como cuidamos dessa força feminista que se desperta em tantos lugares e ao mesmo tempo?

Qual o desafio dos feminismos destes tempos. Como chegar a mais mulheres?

Creio que 2019 nos deixa aberta a pergunta de como vai seguir se desenvolvendo esse movimento depois de tantas greves. Como seguir cuidando de nossas forças e como ir construindo poder feminista em cada um dos lugares em que estamos, porque como sempre dizemos, essa é uma revolução que é vital, existencial, política, cultural, econômica. Esse diagnóstico sobre a complexidade das violências que implica o capitalismo e necessidade do capital de cada vez requerer mais violência para a sua acumulação, nos impõe um desafio de como seguir nos coordenando e como expressar essa acumulação de forças. Neste ano, também é importante recordar e pedir justiça pelo assassinato de Marielle Franco e isso vai acontecer não somente no Brasil como em todo o mundo, além de outras lideranças territoriais que foram assassinadas brutalmente por causa do seu protagonismo em lutas concretas. Creio que justamente o desafio que podemos destacar neste ano é como se continua construindo a greve feminista como processo político de longo prazo.

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