Violência contra mulheres, crise de saúde global

Durante a 5ª Assembleia pela Saúde dos Povos, pauta feminista foi central. Em debate, feminicídio, cujos índices seguem alarmantes, direito ao aborto e violência obstétrica – todos problemas que atingem em cheio as mulheres não brancas

Participantes da 5ª Assembleia Popular de Saúde levantam o lenço verde simbolizando a luta pelo acesso ao aborto na América Latina. Foto: Movimento Popular de Saúde
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Por People’s Health Dispatch | Tradução: Gabriela Leite

As discussões sobre justiça de gênero na saúde foram uma das prioridades durante as discussões na 5ª Assembleia Popular de Saúde (PHA), que ocorreu entre 7 e 11 de abril em Mar del Plata, na Argentina. Ativistas participantes da Assembleia trocaram experiências da luta feminista, como campanhas para aumentar a acessibilidade dos serviços de saúde sexual e reprodutiva, melhorar as condições de trabalho para mulheres no setor de saúde e desmontar modelos patriarcais que levam à perpetuação da violência contra mulheres.

O número de feminicídios registrados por movimentos sociais em toda a América Latina e no mundo aponta para o fato de que estamos enfrentando uma verdadeira crise de saúde pública, alertam ativistas presentes na Assembleia. Entre elas estava a argentina Marta Montero, mãe de Lucía Pérez Montero, uma jovem de 16 anos morta por feminicídio. Montero apresentou números registrados pelas famílias e amigos de meninas e mulheres – mais de 6 mil delas – que foram mortas e desapareceram da mesma maneira entre 2006 e 2023, e não tiveram qualquer recurso para a verdadeira justiça.

“91 mulheres foram mortas desde que Lucía morreu em 2016”, disse Montero [no Brasil, apenas em 2023. 1.463 mulheres foram vítimas de feminicídio. N.T.]. E o governo não se importa, acrescentou. “Ninguém se importa com mulheres pobres, negras. Coincidentemente, são as mulheres pobres que morrem, que desaparecem.”

Mesmo dentro dos sistemas de saúde, que deveriam ser locais de segurança, mulheres estão sendo privadas de procedimentos de saúde essenciais. Camila Giugliani, uma ativista da saúde e médica, ilustrou isso com o exemplo do Brasil. A violência obstétrica permeia os serviços de saúde feminina no país, particularmente na forma de racismo obstétrico. Segundo Giugliani, pelo menos 44% das mulheres não-brancas sofreram alguma forma de racismo obstétrico, além de enfrentarem taxas significativamente mais altas de mortalidade materna.

A discriminação e violência contra mulheres dentro de instituições de saúde são generalizadas em outros países da América Latina também. Pilar Galende da Federação Argentina de Medicina Geral (FAMG) lembrou experiências em que, após dar à luz, mulheres eram impossibilitadas de dizer o nome de seus filhos porque “o médico não gostava do nome que escolheram”.

Mesmo no caso do direito ao aborto, onde avanços foram vistos nos últimos anos graças a mobilizações em massa, o acesso ainda está longe do necessário. “A criminalização do aborto afeta as mais vulneráveis”, alertou Giugliani, falando sobre a posição em que se encontram as mulheres pobres, trabalhadoras e indígenas.

Apesar de, sob o governo de Javier Milei, a Argentina estar enfrentando uma regressão nos avanços alcançados no campo da saúde da mulher, ativistas locais permanecem convencidas de que a resistência valerá a pena se organizada em unidade entre grupos e movimentos. “Temos que continuar lutando, não ter medo. Temos que nos unir”, disse Montero.

Seu apelo foi ecoado pelos participantes da Assembleia, que repetiram o chamado do movimento das mulheres na Argentina para o Dia Internacional da Mulher Trabalhadora, entoando: “A América Latina será toda feminista.”

As ativistas foram além dos chamados, construindo estratégias a partir de experiências passadas. Uma forte ênfase foi colocada na aprendizagem transgeracional entre mulheres dentro de movimentos sociais, bem como na incorporação de valores de paz e sororidade compartilhados em outros movimentos. A justiça de gênero só pode ser alcançada como uma intersecção de esforços, concordou a PHA 5. Isso inclui tornar o gênero um elemento transversal de todas as lutas representadas na Assembleia: aquelas por um sistema de saúde público mais forte, paz e justiça climática.

“A solidariedade feminista nos localiza em um quadro de apoio mútuo”, disse Sonia Gutierrez do Movimento Político Winaq na Guatemala, falando sobre o potencial das lutas das mulheres para contribuir com a Saúde para Todos.

“Pela libertação das mulheres, dos povos que foram conquistados, devemos nos libertar das opressões históricas”, acrescentou Gutierrez. O caminho para alcançar tal libertação reside na construção de um movimento social conjunto representando as conquistas existentes das lutas feministas e construído sobre a solidariedade e a unidade que já incluem.

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