Tenebrosas transações no ministério da Saúde

Diretor do DataSUS entregou à Amazon dados da rede pública com informações sensíveis da população. Depois virou gerente da gigante tecnológica, gerando suspeita de grave ingerência privada no SUS

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Uma movimentação que deveria ser vista como histriônica na crise do apagão de dados da Saúde e perigosa à soberania brasileira, negociata entre o governo Bolsonaro e a Amazon expõe novamente as garras do setor privado estendidas sobre o Sistema Único de Saúde (SUS). Segundo o Brasil de Fato, Jacson Barros, então diretor do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DataSUS), do ministério da Saúde, firmou uma parceria com a empresa em abril de 2020 para migrar os dados da rede pública, com informações sensíveis de toda a população brasileira, para serem administrados pelo serviço de nuvem da gigante tecnológica. Hoje, ele trabalha para a corporação.

Barros ainda permaneceu no cargo por mais um ano, quando em 7 de agosto do ano passado, foi convidado a um podcast da empresa para explicar a função do órgão e a importância dos serviços de armazenamento digital na Saúde. Quatro dias depois, foi exonerado do cargo; menos de um mês depois, assumia o posto de Gerente de Desenvolvimento de Negócios Estratégicos da Amazon Web Services. Mesmo que não haja uma ilegalidade expressa, especialistas acham que o caso deveria ser analisado por órgãos competentes, e ser questionado pelo claro conflito de interesses.

“Um servidor assumir um cargo na empresa que tem relação com o ministério em que atuava, logo após sua saída do governo, pode atentar contra os princípios da administração pública”, afirmou à reportagem o advogado Martim Arantes, que tem experiência na relação entre poder público e sociedade civil. Além disso, o governo ignorou a estrutura pública, como a do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) e da Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência (Dataprev), com expertises em processamento de dados e ampla experiência na gestão de informações digitais da população.

Deixando de lado a questão da ética questionável, é importante observar que a entrega da estrutura pública para os serviços privados pode impactar a população, ainda mais quando o país atravessa uma pandemia. Em dezembro do ano passado, por exemplo, um ataque cibernético derrubou o site do ministério da Saúde e o aplicativo ConecteSUS – responsável por fornecer o Certificado Nacional de Vacinação Covid-19. O ataque ocorreu na infraestrutura de nuvem privada contratada pela empresa Primesys, sob um acordo com o governo brasileiro que não incluía serviços de segurança, apenas hospedagem. E a crise de apagão caiu como uma luva para as intenções negacionistas de Bolsonaro, que adiava a aprovação da exigência de passaporte vacinal às pessoas enquanto o mundo enfrentava uma nova onda causada pela variante ômicron, como mostrou o Outra Saúde.

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