CNS pede suspensão do Cuida mais Brasil

Fazendo coro à forte oposição de inúmeros setores da sociedade brasileira, o Conselho Nacional de Saúde repele investidas do governo federal sobre o SUS. Defende, em vez disso, o fortalecimento da Estratégia de Saúde da Família

Profissionais da Rede de Atenção Primária à Saúde, em Manaus (AM) um dos programas do SUS ameaçados pelo programa Cuida Mais Brasil
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Em uma recomendação ao ministro Marcelo Queiroga, divulgada no último dia 25/3, o CNS pede que ele suspenda a implantação do Programa Cuida Mais Brasil, lançado no início deste ano. Desde o princípio houve forte oposição de inúmeros setores da sociedade brasileira à ideia meramente empresarial da saúde, defendendo, em vez disso, a necessidade de uma política – como assinala a recomendação pelo CNS – “que atue para fortalecer a Estratégia de Saúde da Família, com o cuidado territorial, integral e multidisciplinar, através de equipes de saúde da família, compostas por médicos de família e comunidade, enfermeiros, técnicos de enfermagem e agentes comunitários de saúde”.

Não é essa, sequer de longe, a percepção que rege o programa Cuida Mais Brasil, embora tenha sido apresentado como uma melhoria nas atuais condições do SUS. A ideia central do novo projeto é repassar, este ano, R$ 194 milhões para atuação de médicos pediatras e ginecologistas-obstetras nas equipes de Saúde da Família e de Atenção Primária. Mas o que dá com uma mão, tira com a outra, já que extinguiu, em 2019, o financiamento dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família, em cujo âmbito as contratações – realmente muito necessárias – deveriam ser feitas. A recomendação do CNS amplia muito a força das críticas feitas desde janeiro ao Cuida Mais Brasil, tendo em vista as importantes atribuições do Conselho.

O colegiado informa que, além dos debates e avaliações de suas comissões técnicas, também levou em consideração uma nota da diretoria da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, de 7/1, indicando preocupação com o Cuida Mais Brasil. E lembra que o CNS, composto por representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários, “atua na formulação e no controle da execução da Política Nacional de Saúde, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros, nas estratégias e na promoção do processo de controle social em toda a sua amplitude, no âmbito dos setores público e privado”.

A recomendação também observa que, nas últimas décadas, tornou-se mais e mais importante cuidar da vida, e aponta que diversas evidências científicas baseadas em diversos estudos de relevância nacional e internacional reconhecem o modelo comprovadamente exitoso de Atenção Primária no Brasil. A concepção da saúde brasileira tem proporcionado “melhorias fundamentais em relação aos indicadores de saúde, inclusive àqueles relacionados à saúde das crianças e adolescentes, como também à saúde da mulher e da gestação”.

Em suma, o Conselho fez apenas uma recomendação, mas é taxativo quanto ao valor do SUS em sua concepção. Cabe retomar, inclusive, o espírito de uma manifestação do CNS de 2015 que considerava essencial que, no empenho por mais recursos para o SUS, se garanta que eles sejam alocados prioritariamente para a atenção básica – de modo que ela venha a ser a ordenadora da rede de cuidados em saúde para toda a população brasileira. “A posição do CNS é muito forte, foi muito importante”, avalia Bernadete Perez, da Câmara Técnica da Atenção Básica do CNS.

Ela acredita que o governo tende a manter a sua política. “É pouco provável que haja uma mudança, mas a recomendação tem o efeito de constranger o governo e talvez possa ter uma influência nas áreas técnicas”. Afinal de contas, a política atual foi um aceno concreto à medicina privada e privatista, inclusive, diz ela, acrescentando que essa visão não se sustenta. “Não dá para dizer que se vai proteger as mulheres e as crianças sem as mulheres e as crianças”, arremata ela, sintetizando uma ideia central do SUS.

Sobre as contratações, nos termos propostos pelo governo, são um despropósito, como Bernardete pontuou há algum tempo. “Isso não é carreira para médico, não tem a ver só com especialidade médica”, explica. “É necessário pensar em uma política de pessoal específica para a Atenção Primária à Saúde”. Se não, “como qualificar e incrementar ações de vigilância, promoção, educação e saúde, pautadas na atenção integral na saúde da mulher e na saúde da criança sem os Núcleos de Apoio à Saúde da Família, sem trabalho em equipe, sem [a noção de] território?”

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