Polícia investiga corrupção na ocupação de UTIs na pandemia
• Corrupção na ocupação de UITs na pandemia para garantir lucros dos hospitais • Bahia e Scheffer rebatem artigo publicado por representante da saúde privada • Febre maculosa em SP e o papel do agronegócio •
Publicado 15/06/2023 às 13:56
A polícia civil do Mato Grosso deflagrou a Operação Espelho, que investiga a formação de um cartel entre dois grupos privados de saúde na prestação de serviços de UTI durante a pandemia. O Intercept teve acesso a documentos da investigação, iniciada em 2021, que bloqueou bens de diversos médicos e empresários, suspeitos de encher de forma artificial leitos de UTI a fim de aumentarem a remuneração recebida pelo governo do estado. Os contratos foram assinados em 2019, mas com a política de isolamento social os leitos de UTI do município de Alta Floresta, de apenas 54 mil habitantes, passaram a atender menos pacientes, o que diminuía os pagamentos.
Fio da meada
A descoberta de fraudes em Alta Floresta é desdobramento de investigações sobre corrupção em contratos nas duas cidades mais populosas do estado, a capital Cuiabá e sua vizinha Várzea Grande. As denúncias que chegaram à Polícia Civil podem bater nas altas esferas de poder e atingem em cheio o controlador geral do estado, Emerson Hideki Hayashida, acusado de não aceitar as denúncias feitas por auditores do órgão público. Alguns dos contratos, que envolvem propinas a servidores públicos e diálogos entre empresários no sentido de formar carteis e dividir os valores pagos pelo Estado, estão vigentes. Segundo o Intercept, podem ter movimentado até R$ 355 milhões. A reportagem ainda calcula que os ganhos particulares ilícitos podem ter atingido a casa dos R$ 33 milhões.
Críticas ao setor privado
Após lamentar a formação do Conselhão de Saúde, instância não deliberativa recriada pelo governo Lula, em razão da predominância quase total de executivos de grandes grupos privados do setor, a médica e professora Ligia Bahia fez duras críticas às atuais queixas do mercado. Em parceria com Mario Scheffer, professor do departamento de medicina da USP, Ligia Bahia denuncia o que chama de chantagens da FenaSaúde, Federação Nacional de Saúde Suplementar, que reúne as empresas do setor. Trata-se de uma resposta a artigo de dirigente da entidade, intitulado “A quem interessa a morte da saúde privada?”, publicado na Folha, e que parece configurar um descabido chororô sobre, como mostrou o Outra Saúde nesta entrevista, os maus resultados econômicos da saúde suplementar, que talvez se veja agora enredada em uma inviabilidade crônica.
A chantagem
Assinado por Vera Valente, diretora da FenaSaúde, o artigo cria um espantalho, como se houvesse uma forte corrente política ou social disposta a anular o mercado de saúde. Isso porque 2022 resultou pela primeira vez na história um balanço financeiro virtualmente sem lucro. Foram apenas R$ 2,5 milhões de superávit, dentro de um contexto de despesas e receitas da ordem de R$ 237 bilhões. Além disso, uma onda de denúncias de famílias acusa empresas de cancelarem de forma unilateral e ilegal planos privados de usuários que fazem tratamentos caros, a exemplo de câncer ou terapias para autismo. A judicialização do setor, como também mostrou Outra Saúde, é crescente. A isso se acrescenta o novo piso da enfermagem, sancionado pelo governo federal e já garantido no setor público, que custaria algo em torno de R$ 8 bilhões ao setor privado e segue suspenso por liminar no STF. Incapaz de analisar criticamente o modelo de negócios da saúde privada, o artigo lança informações desencontradas sobre a participação das empresas privadas das diversas áreas da prestação de serviços de saúde e, no final das contas, não sugere soluções.
Quais os riscos da febre maculosa?
A cidade de Campinas confirmou a quarta morte por febre maculosa, transmitida pela picada do carrapato estrela, de pessoa que esteve presente na Feijoada do Rosa, evento que reuniu centenas de pessoas em uma fazenda da cidade. Após um casal e uma mulher apresentarem sintomas e virem a óbito cerca de uma semana depois do evento, o Instituto Adolfo Lutz confirmou o falecimento de uma adolescente de 16 anos. Outras duas mulheres internadas, após estarem no mesmo local, seguem sob observação. A fazenda também recebeu um show de Seu Jorge que contou com milhares de presentes, fato que faz a prefeitura de Campinas cogitar uma busca ativa por pessoas infectadas. A febre maculosa se dá pela transmissão da bactéria Rickettsia rickettsii, da qual o carrapato é vetor. Em 10 anos, o estado de SP registrou cerca de mil casos – Campinas é o epicentro, com 11% das infecções.
Agronegócio explica sua potencialização
Em entrevista à Folha, o biólogo Stefan Vilges de Oliveira, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia, explicou que “Matas nativas foram ao longo dos anos sendo modificadas com a expansão da agricultura, que acaba fornecendo alimentação para o principal hospedeiro dos carrapatos, as capivaras”. Ele é autor do GuiaFebre maculosa – Aspectos epidemiológicos, clínicos e ambientais, atualizado pela última vez em 2022. Por envolver animais silvestres, o controle da doença fica dificultado. No entanto, por não ser transmissível de pessoa para pessoa, autoridades sanitárias do estado ainda não consideram haver risco de uma epidemia de maior envergadura.