Saúde: Os cubanos podem voltar

Congresso debate “novo” programa de Bolsonaro e ensaia um jeitinho: Mais Médicos voltará, como “programa paralelo”. Leia também: governo corta R$ 400 milhões em vacinas; companhias contratam “laranjas” para obterem registro de agrotóxicos

Foto: Karina Zambrana / Ministério da Saúde
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Por Maíra Mathias e Raquel Torres

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OS MÉDICOS CUBANOS – DE NOVO

Ontem o senador Confúcio Moura (MDB-RO) apresentou seu relatório sobre a MP 890/19, que cria o programa Médicos pelo Brasi, na comissão especial mista criada no Congresso para analisar a medida. Ele acolheu 113 das mais de 300 emendas que foram apresentadas ao projeto. E, conforme adiantamos, estabeleceu uma regra “excepcional e transitória” para a admissão de médicos cubanos pelo Ministério da Saúde como intercambistas, sem intermediários. Mas como desde o início a ideia do governo é só admitir no Médicos pelo Brasil os profissionais com diplomas obtidos aqui ou revalidados, a solução foi… manter o Mais Médicos. O programa antigo deve receber estrangeiros com diplomas não revalidados, funcionando em paralelo “até que o novo modelo consiga equalizar o problema do provimento de médicos nas localidades carentes”. 

Assim, os cerca de 1,8 mil cubanos que participaram do Mais Médicos e ficaram no Brasil vão poder voltar ao programa por um período de dois anos, com o mesmo salário dos brasileiros, e poderão fazer o Revalida por até quatro vezes. 

Como era de se esperar, o Conselho Federal de Medicina publicou nota criticando a proposta – mas com uma falha na interpretação do relatório, porque considera que a admissão dos estrangeiros seria no próprio Médicos pelo Brasil, “o que contraria promessa de campanha do presidente Jair Bolsonaro”. De qualquer maneira, mesmo com a leitura correta do relatório, seu posicionamento não deveria mudar: o CFM “é inflexível quanto à obrigatoriedade de que qualquer médico, para exercer sua profissão no Brasil, tenha de ter diploma revalidado, estar registrado nos Conselhos de Medicina e ser portador de inscrição no CRM. Não há exceções a essas normas. O CFM não admite nenhum tipo de flexibilização dessas obrigações legais”, diz o texto. 

Foi ainda mais raivosa a nota da Associação Médica Brasileira: diz que o relatório de Moura “traz à tona novamente a ideia do Revalida Light” e “abre brechas alarmantes para a legalização da verdadeira máfia criada com base na mercantilização da revalidação de diplomas”. A AMB “considera alarmante permitir novamente que profissionais sem formação comprovada e sem diploma revalidado atendam a população brasileira, como se médicos fossem“.

Segundo o texto de Confúcio Moura, o Revalida passaria a ser semestral, com provas escrita e de habilidades clínicas – e aqui fica estabelecido que isso pode ser feito em instituições particulares e que os custos do exame sejam cobrados dos inscritos, o que já havia sido apontado pelo ministro da Educação Abraham Weintraub. A nota da AMB também critica a atuação das escolas privadas na revalidação de diplomas. “É uma grande miopia, além de um desrespeito com a saúde do cidadão brasileiro, aprovar qualquer proposta no sentido de beneficiar as escolas privadas, que transformaram o ensino médico em um verdadeiro balcão de negócios escusos. É ainda mais preocupante que isso tenha tido apoio de ministérios do governo do presidente Jair Bolsonaro, que havia publicamente se comprometido com o fortalecimento do Revalida”. 

Uma das maiores polêmicas da MP por seu viés potencialmente privatizante, a criação da Agência para o Desenvolvimento da Atenção Primária à Saúde (Adaps) foi defendida pelo relator, que a manteve como “submetida a regime jurídico de direito privado”. A Adaps vai ficar encarregada do recrutamento dos profissionais do Médicos pelo Brasil, do termo de adesão ao programa, das atividades de ensino e pesquisa, além da avaliação dos resultados. Moura rejeitou as emendas que fariam dela uma autarquia, uma fundação pública, uma empresa estatal ou um órgão de colaboração com o Ministério da Saúde. E o relatório afirma que a Adaps vai poder firmar contratos de prestação de serviços com pessoas físicas ou jurídicas “sempre que considerar ser essa a solução mais econômica para atingir os objetivos previstos no contrato de gestão”. 

O relatório volta a ser discutido na próxima terça-feira, após pedido de vista coletiva dos parlamentares.  

MENOS PRAS VACINAS

Enquanto casos de doenças antes erradicadas se multiplicam pelo país, o governo federal resolveu ir na contramão das necessidades de saúde da população e definiu um corte de R$ 393,7 milhões nas despesas com compra e distribuição de vacinas em 2020. De acordo com o projeto de lei orçamentária enviado ao Congresso no fim de agosto, o governo pretende gastar cerca de R$ 4,9 bilhões no ano que vem, valor 7% menor do que o previsto para esse ano (R$ 5,3 bilhões). Questionado pelo Estadão, o Ministério da Saúde respondeu “que não faltarão recursos para a aquisição de vacinas”… E destacou que o orçamento total da pasta será de R$ 134,8 bilhões, montante R$ 5,2 bilhões maior do que em 2019. Só faltou dizer que esse aumento sequer cobre a inflação, acumulada em 3,8% no período. “Estamos fazendo um enorme trabalho para que as pessoas se vacinem, para recuperar as taxas de cobertura vacinal que tínhamos anos atrás. Como a população vai entender que isso é prioritário para o Ministério da Saúde se o orçamento sofre redução?”, ponderou Isabella Ballalai, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações, em entrevista ao jornal.

‘BARRIGA DE ALUGUEL’ DOS AGROTÓXICOS

Um levantamento da Agência Pública e da Repórter Brasil mostrou que 75 empresas praticam “transferência de titularidade” no caminho para aprovar novos agrotóxicos. Há outro termo que expõe melhor o que isso significa: “barriga de aluguel”. Em vez de as próprias companhias obterem as licenças para seus produtos, quem faz isso são empresas que dão entrada no pedido, ficam na fila, conseguem os registros e depois os repassam às companhias verdadeiramente interessadas, seja por compra, venda ou transferência. Assim, o longo processo de aprovação é burlado. Só nos últimos 20 meses, 326 registros de comercialização de agrotóxicos mudaram de dono no país. O processo é permitido por lei. Mas traz riscos, pois trocar o proprietário do registro torna o agrotóxico mais suscetível a mudanças em sua composição.

E o governo continua registrando agrotóxicos em velocidade máxima: ontem, o Ministério da Agricultura publicou no Diário Oficial autorizações para mais 63. Desse total, dois são princípios ativos (que servirão de base para produtos inéditos) e cinco são novos produtos que estarão à venda. Os 56 restantes são genéricos de pesticidas que já existem no mercado. Agora, o acumulado do ano chegou a inacreditáveis 325 produtos

BANG BANG

A lei que amplia a posse de arma de fogo em toda a extensão dos imóveis rurais foi sancionada ontem por Jair Bolsonaro. Enquanto isso, no último dia à frente da Procuradoria Geral da República, Raquel Dodge encaminhou ao Supremo pedido de inconstitucionalidade de seis decretos assinados por Bolsonaro que tratam da posse e do porte de armas. Três deles estão em vigor. 

ACENO ÀS MULHERES

Também ontem, duas leis relacionadas à saúde foram sancionadas por Bolsonaro. Uma delas é, na verdade, uma alteração na Lei Maria da Penha que obriga agressores a ressarcir custos relacionados a serviços do SUS às vítimas de violência doméstica. Ainda não se sabe ao certo de que forma o ressarcimento será feito. Ele começa a valer em 45 dias. A outra lei dá às mães o direito de amamentarem seus filhos durante concursos públicos federais. A mulher deverá indicar um acompanhante para ficar como responsável pela guarda da criança e poderá amamentar o filho pelo período de trinta minutos a cada duas horas. O tempo utilizado na amamentação será compensado durante a realização da prova.

Em tempo: durante a cerimônia de sanção, o presidente pediu apoio de parlamentares para a aprovação do projeto que amplia para 40 pontos o limite da carteira nacional de habilitação. 

SUS NA DEPRESSÃO

Um levantamento do Ministério da Saúde divulgado ontem mostra que os atendimentos e internações do SUS a jovens com depressão mais que dobraram em três anos. Na faixa etária de 15 a 29 anos, houve um crescimento de 115% entre 2015 e 2018. Na população em geral, o aumento foi de 52%, e o número chegou a mais de 120 mil. 

PLANOS DE SAÚDE

Saiu mais uma entrevista no IHU-Online sobre as relações entre o SUS e a saúde suplementar, desta vez com a sanitarista Ligia Bahia. Ela comenta o fato de que, em pesquisas de opinião, as pessoas dizem ao mesmo tempo que querem investimentos em saúde pública e que desejam ter um plano de saúde: “A população é a favor do SUS, mas conhece suas deficiências. Essas informações sugerem fortemente que se a pergunta fosse: ou plano ou SUS?, haveria uma enorme confusão. Na realidade, o que se deseja é SUS e plano e há clareza que se o SUS fosse efetivo seria melhor que os planos. Mas é preciso reconhecer que o desejo por planos é uma realidade e tem sido bem utilizado pelas empresas de planos para obter desde benesses fiscais até anistia de multas”.

REAÇÃO AO VAPING

Nova Iorque se tornou o primeiro estado a banir cigarros eletrônicos saborizados nos EUA. A decisão foi anunciada essa semana, na esteira das centenas de casos – e sete mortes – ligados à vaporização. A ideia é não permitir que as empresas usem sabores como ‘chiclete’ para atrair consumidores jovens.Na verdade, o primeiro estado a tomar essa iniciativa foi Michigan, no começo de setembro, mas a decisão ainda não entrou em vigor, ao passo que em Nova Iorque tem validade imediata

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