Os reflexos de uma primeira vez violenta

Para pelo menos uma em cada 16 mulheres dos EUA, a primeira experiência sexual foi um estupro – e as consequências na saúde são enormes. Leia também: para combater a dengue, basta educar a população?

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Por Maíra Mathias e Raquel Torres

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PRIMEIRA VEZ VIOLENTA

As informações são dos Estados Unidos, mas nos dão o que pensar: uma em cada 16 mulheres afirma que sua primeira experiência sexual foi um estupro, segundo um estudo publicado ontem no JAMA Internal Medicine. A conclusão veio a partir da análise de dados de um levantamento anual feito pelo Centro de Controle de Doenças daquele país (a Pesquisa Nacional de Crescimento Familiar), que pergunta às mulheres de 18 a 44 anos sobre o início de sua vida sexual. Pesquisadora da Cambridge Health Alliance e autora do estudo, Laura Hawks diz que isso é só ‘a ponta do iceberg’, já que provavelmente o número seria bem maior se a pergunta se dirigisse a mulheres de todas as idades.

A idade média das vítimas era 15 anos, enquanto a idade média dos parceiros-agressores era 27. Mais de 26% das mulheres disseram que foram fisicamente ameaçadas durante o encontro, 46%  foram fisicamente detidas, 56% foram verbalmente pressionadas a fazer sexo e 16% disseram que o parceiro ameaçava terminar o relacionamento se elas não transassem – e essas formas de coerção podiam acontecer todas ao mesmo tempo. 

Uma descoberta importante é que, comparadas com as que tiveram uma primeira experiência sexual voluntária, essas mulheres tiveram maior probabilidade de apresentar uma série de problemas de saúde mais tarde, incluindo gestações indesejadas, abortos, endometriose e doenças inflamatórias pélvicas – uma das associações mais fortes foi entre mulheres que relataram condições ginecológicas ou pélvicas dolorosas. Como isso não costuma estar “no radar dos médicos”, Hawks acredita que eles devem encontrar maneiras sensíveis de rastrear as mulheres em busca de violência sexual e de perguntar sobre isso. 

ÀS ARMAS

Jair Bolsonaro recebeu alta do Hospital Vila Nova Star, em São Paulo, às 15h de ontem. Duas horas depois, já em Brasília, falou com apoiadores que o aguardavam em frente ao Palácio da Alvorada e anunciou a jornalistas que sanciona hoje o projeto de lei 3.715/19. Aprovado na Câmara dos Deputados no dia 21 de agosto, o PL amplia a posse de arma em propriedades rurais, permitindo que um proprietário possa andar armado por toda a extensão de uma fazenda, por exemplo. Perguntado se vetaria algum item do texto, disse que não viu o projeto, mas que não vai mais “tolher ninguém de bem de ter a sua posse ou porte de arma de fogo”…

FALSO NEGATIVO

Um estudo da Unicamp identificou o vírus zika em placentas de gestantes que tiveram sintomas da infecção durante a epidemia, mas apresentaram resultado negativo em exames na época. Das 17 placentas analisadas, o vírus estava em 14. Os pesquisadores pedem, agora, que a secretaria estadual de saúde de São Paulo avalie mudar o protocolo de diagnóstico da doença em relação a como deve ser a coleta, o armazenamento e o cuidado com a placenta. O órgão afirmou ao G1 que segue o protocolo do Ministério da Saúde – e esta pasta, por sua vez, disse que não foi comunicada oficialmente sobre o estudo.

EM BOA HORA

Todos sabemos que 2019 tem sido um daqueles anos de epidemia de dengue. Os mais velhos lembrarão de outras piores, como em 2008 quando, no Rio, foram montadas tendas de hidratação nas ruas para que milhares de pessoas pudessem receber soro: a demanda era tanta que precisou extrapolar os muros das unidades de saúde. A Deutsche Welle entrevistou alguns especialistas para entender “por que o Brasil não consegue vencer a dengue”. As respostas são conhecidas: temperaturas tropicais na maior parte do território, regime de chuvas favorável à proliferação do Aedes aegypti, espécie bem adaptada a possíveis variações e falta de saneamento básico nas cidades são alguns dos fatores lembrados. 

A reportagem abre com um caso interessante, de 2015: naquele ano, quatro pacientes que tinham feito transplante de medula óssea e estavam internados no Hospital das Clínicas foram infectados na unidade. Para surpresa de muitos, foram descobertos vários criadouros de Aedes no fosso do hospital. “O mosquito prolifera em qualquer lugar favorável”, constata o patologista Amaro Nunes Duarte Neto, da USP, presente na época dessa descoberta. 

Mas diante da apresentação dos fatores que transformaram o Brasil num país endêmico e de que, ao contrário do que o governo federal disse durante muito tempo, não é possível erradicar o inseto, há pouca problematização. Algumas das soluções listadas na matéria são vacina e educação para a população – lembremos que a tuberculose tem vacina e nem por isso foi erradicada e se no Hospital das Clínicas pode acontecer de haver foco de mosquito, imagine em uma comunidade de palafitas, em locais onde falta água e é preciso estocar, etc.? “O principal problema da saúde na população brasileira é a falta de educação para a saúde”, diz o professor da UFRJ, Edimilson Migowski à certa altura. Será mesmo? O debate está aberto, e vem em boa hora. 

RELAÇÃO PREDATÓRIA

As relações entre o SUS e os planos de saúde são tema da entrevista de José Sestelo – que há tempos pesquisa o empresariamento na saúde – ao IHU-Unisinos: “No Brasil, vivemos uma situação peculiar porque, diferente dos EUA, temos um sistema público de saúde (o SUS) acessível, em tese, a qualquer cidadão, mas ao mesmo tempo um enorme esquema de intermediação assistencial privativa que favorece cerca de 28% da população e se apropria, em média, de quatro vezes mais recursos assistenciais do que aqueles que estão disponíveis para a população em geral. Esse esquema, embora seja de uso privativo, é beneficiário de uma série de subsídios à demanda, na forma de renúncia fiscal e compartilhamento da infraestrutura do sistema público, de tal forma que, na prática, o SUS e o orçamento público funcionam como uma espécie de resseguro para o seu funcionamento. Em outras palavras, só é possível vender planos de saúde de uso privativo para tanta gente com uma oferta exclusiva e abundante de serviços porque existe uma articulação íntima com a esfera pública como garantia de última linha.” 

OUTRA MORTE

Foi registrada a sétima morte da doença pulmonar misteriosa ligada ao uso de cigarros eletrônicos nos EUA – o primeiro óbito foi anunciado em agosto. Dessa última vez, a vítima era um homem de 40 anos que estava doente havia semanas.

E segundo a FDA, agência sanitária de lá, a empresa Juul Labs, que domina o mercado de vaporizadores, comercializou ilegalmente seus produtos como uma alternativa menos nociva à saúde que os cigarros tradicionais. Uma carta de advertência foi encaminhada à Juul. Nela, as autoridades avisam que a empresa violou regulamentos federais.

LOTES CONTAMINADOS

A Anvisa suspendeu a comercialização e a distribuição de lenços umedecidos das marcas Huggies Max Clean e Baby Wipes, lotes 219 e 024 respectivamente. Os produtos de fabricação da mesma empresa – Klimberly Clark – foram contaminados pela bactéria Enterobacter, que pode causar infecções para pessoas com o sistema imunológico debilitado.

PARECIDO

Acontece na Indonésia algo similar às queimadas na Amazônia, segundo o Deutsche WelleIncêndios  atingiram mais de 320 hectares de florestas até o mês passado e, neste fim de semana, a qualidade do ar em Cingapura foi classificada como ‘insalubre’ pela primeira vez em três anos – a cidade ficou envolta em um nevoeiro branco. Agricultores são acusados de começar as queimadas para abrir áreas de cultivo, principalmente para o óleo de palma. O problema acontece todo ano, mas está pior em 2019 por conta do clima mais seco. E a situação provoca tensão com a Malásia, que denuncia que a fumaça chega até seu território. Nos dois países, milhares de escolas foram fechadas e disparou o número de pessoas com problemas respiratórios. 

DEBANDADA

A reforma da Previdência em tramitação já fez com que 24 mil servidores públicos corressem para se aposentar este ano, só no primeiro semestre. Em todo o ano passado, foram 18 mil. O maior desfalque é nos servidores vinculados ao Ministério da Economia, com 7.730 funcionários pedindo aposentadoria; em seguida, estão os da Saúde (6.223) e o da Educação (5.135). As informações são de Paloma Rodrigues e Hamilton Ferrari, no Poder360. 

TETO DE VIDRO

A Hemobras é uma das cinco empresas estatais que pode perder o status de independência e ser incluída no orçamento da União em 2020. Isso porque segundo relatório de abril do Tribunal de Contas da União, Hemobras, Infraero, Serpro, PPSA e Companhia Docas do Ceará usaram dinheiro do Tesouro para o pagamento de despesas correntes, o que é proibido pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Algo parecido aconteceu com a Telebras, que foi punida: teve o capital fechado e voltou para as asas da União, com um orçamento de R$ 741 milhões. A matéria do Valor destaca como isso é um problema em tempos de emenda de teto dos gastos: se o mesmo acontecer com a Hemobras e as outras quatro empresas, o impacto poderia chegar a R$ 9 bilhões, num horizonte em que o governo federal terá disponíveis para investimento apenas R$ 19 bi no ano que vem.   

DE OLHO

É hoje que o senador Confúcio Moura (MDB-RO) apresentará o relatório sobre a medida provisória que cria o programa Médicos pelo Brasil. Segundo o Estadão, o texto deve incluir o aproveitamento de 1,8 mil cubanos que atuaram no Mais Médicos. Eles deverão receber bolsa no mesmo valor de médicos brasileiros, mas serão enquadrados como “apoiadores médicos”, e não como médicos – já que sua inclusão gerou atritos entre os ministérios da Saúde e Educação, sendo o último contrário à atuação de estrangeiros sem a validação do diploma. O relatório deve garantir a atuação dos cubanos na atenção básica por um período de dois anos, durante o qual eles deverão prestar o Revalida. O relatório também disciplina o exame, que deverá ser oferecido duas vezes por ano.

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