Para alta tecnologia, brutal exploração infantil
Pela primeira vez, corporações como Apple, Google e Microsoft responderão na Justiça dos EUA por “ajudar e incentivar” utilizar crianças congolesas em minas de cobalto. Leia também: países “desovam” perigoso agrotóxico no Brasil
Publicado 20/12/2019 às 08:25 - Atualizado 05/01/2020 às 19:44
Por Raquel Torres
Vamos fazer um pequeno recesso, e a newsletter volta a circular no dia 7 de janeiro. Até lá!
MAIS:
Esta é a edição do dia 20 de dezembro da nossa newsletter diária: um resumo interpretado das principais notícias sobre saúde do dia. Para recebê-la toda manhã em seu e-mail, é só clicar aqui. Não custa nada.
COMO AS GIGANTES EXPLORAM
O cenário não é desconhecido, mas pela primeira vez gerou uma acusação formal: as gigantes da tecnologia Apple, Google, Microsoft, Dell e Tesla estão sendo processadas
em nome de 14 famílias congolesas cujos filhos foram feridos ou mortos
minerando matéria-prima para essas companhias. Trata-se do cobalto, um
componente importante de baterias de lítio usadas em eletrônicos
modernos como smartphones e computadores.
A matéria da Vice conta que a organização de
direitos humanos International Rights Advocates abriu uma ação federal
nos EUA. Ela lembra que as cinco empresas “têm políticas específicas
alegando proibir trabalho infantil em sua cadeia de fornecimento”, mas,
na prática… Segundo a ação, as empresas “ajudaram e incentivaram” um
sistema de trabalho infantil forçado, tinham “conhecimento específico”
sobre as condições e não fizeram nada. As crianças envolvidas no
processo estavam trabalhando em minas ilegais de cobalto da anglo-suíça
Glencore, que por sua vez fornece para a belga Umicore, que então vende
para as cinco empresas acusadas. Também está envolvida a chinesa
Zhejiang Huayou Cobalt, que vende cobalto para a Apple, Dell e
Microsoft.
A República Democrática do Congo produziu no ano
passado entre 60 e 70% de todo o cobalto usado no mundo, e a pobreza das
famílias faz com que aceitem receber US$ 2 por dia, em péssimas
condições de trabalho. “Em um caso, uma criança foi trabalhar numa mina
de propriedade da Glencore depois que a família não conseguiu mais pagar
sua mensalidade da escola. Um túnel desmoronou sobre ele e seu corpo
nunca foi recuperado, segundo o processo. Outro garoto, que também
trabalhava numa mina da Glencore, caiu numa mina, mas depois de ser
arrastado de lá por outros mineiros, foi deixado sozinho até que seus
pais o encontraram. O acidente o deixou paralisado do peito para baixo.
Outros contaram como desmoronamentos de túneis mataram seus filhos,
quebraram suas colunas ou mutilaram seus membros. Ninguém foi compensado
pelas mortes ou ferimentos”, detalha a reportagem.
ONDA RUIM
Nos últimos 15 anos, as internações por surtos psicóticos ou esquizofrenia associados ao uso da maconha aumentaram quase 30 vezes em hospitais públicos de Portugal. A conclusão é de um estudo publicado no International Journal of Methods in Psychiatric Research, e comentado na reportagem de Claudia Collucci, na Folha.
Os pesquisadores, da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e
do Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde, analisaram
3.233 internações ocorridas entre 2000 e 2015. No ano 2000, foram
apenas 20 internações; em 2015, foram 588. O custo médio de cada
episódio foi de € 3.500, o equivalente a R$ 15,8 mil. Naquele país, a
propriedade e o consumo de maconha e outras drogas foram
descriminalizados em 2001.
O trabalho não permite ter certeza sobre as razões para
o aumento: tanto pode ter havido um aumento do consumo da droga, como
pode ser que tenha havido mais registros desse uso como diagnóstico
secundário (“ou seja, ao receber um paciente em surto psicótico, o
médico passou a perguntar mais se ele era ou não usuário de maconha”).
O professor da Unicamp Luís Fernando Tófoli aponta limitações no
estudo, porque “dados retirados de prontuários ou bancos de dados são
afamados por serem extremamente problemáticos”. Já o psiquiatra Ronaldo
Laranjeira, professor da Unifesp e diretor da Unidade de Pesquisa em
Álcool e Drogas, lembra outros artigos que reforçam a relação entre o
uso de cannabis e a piora de indicadores de saúde mental. “Dizem que as
políticas de saúde levam em média 17 anos para mudar mesmo quando
existem evidências. Foi o que aconteceu com o cigarro e vai acontecer
com a maconha”, acredita. De todo modo, ambos concordam que os números
da pesquisa portuguesa são bem gritantes e acendem um alerta.
PARA A MEDICINAL
Enquanto isso, cientistas espanhóis e portugueses descobriram uma nova molécula que bloqueia os efeitos colaterais
dos medicamentos derivados da cannabis. A nova molécula é o peptídeo
“H”, e ela bloqueia as principais sequelas prejudiciais do THC – como
alterações cognitivas e perda de memória –, mantendo a capacidade
terapêutica.
NOS OLHOS DOS OUTROS…
Em 2017 a Anvisa decidiu banir o paraquate, agrotóxico usado para
antecipar colheitas mas que apresenta riscos sérios à saúde, como o de
desenvolver doença de Parkinson. A partir do ano que vem, ele não deve
ser usado em solo brasileiro. Porém, nesse meio tempo, a importação do
veneno só fez aumentar: em 2017, foram 35,3 mil toneladas do herbicida;
no ano seguinte, 50,8 mil; em 2019, até novembro, já haviam sido
importadas 65,3 mil toneladas. Isso aconteceu porque a resolução da
Anvisa não fixou metas de redução de uso, de finalização de estoques e
nem de importação do paraquate até o momento da suspensão completa. A
reportagem da Agência Pública e da Repórter Brasil mostra como tem se dado uma verdadeira “desova” de paraquate no Brasil,
já que o veneno chega aqui a partir de países onde seu uso já é
proibido. “Essa é uma atitude típica, que já vimos em outros casos: o
país não quer mais, e as empresas precisam desovar seus estoques e
aproveitam para fazer isso em países que estabeleceram um período de
transição até a proibição completa”, explica o professor de Economia da
Universidade Federal do Paraná e engenheiro de alimentos, Victor Manoel
Pelaez Alvarez.
PARA COMEMORAR
Você deve se lembrar da resolução
do Conselho Federal de Medicina que, entre outras coisas, permitia que
gestantes fossem submetidas a intervenções médicas contra a vontade
delas. Ontem, a Justiça Federal suspendeu os trechos relacionados a isso, atendendo a um pedido do Ministério Público Federal.
Publicada em setembro, a resolução dizia que médicos
podiam não aceitar a recusa de pacientes a procedimentos quando essa
recusa caracterizasse abuso de direito. E, em em seguida, destacava que
no caso de gestantes essa análise deveria ser feita “na perspectiva do
binômio mãe/feto, podendo o ato de vontade da mãe caracterizar abuso de
direito dela em relação ao feto”. Um prato cheio para sedimentar a
violência obstétrica – um termo que, por sinal, o CFM não recomenda
usar.
O MPF argumentou que esses trechos “trazem sérios
riscos, visto que permitem a adoção de procedimentos médicos coercitivos
ou não consentidos, caracterizadores de violação dos direitos
fundamentais das mulheres”, e que poderiam favorecer procedimentos
desnecessários e violentos. O juiz federal Hong Kou Hen, que aceitou a
tese, determinou que sua decisão tenha ampla divulgação entre a classe
médica, inclusive com uma publicação nos sites do CFM e dos conselhos
regionais. A vitória não é nem um avanço, só evita um retrocesso. Mas
não é definitiva. Cabe recurso – e o CFM já disse ao Estadão que vai recorrer.
FOGO NO MUNDO
O programa europeu Copernicus lançou um vídeo curto que mostra os maiores focos de incêndio no mundo ao longo do último ano, dia a dia.
Na reportagem de Luigi Mazza, da piauí,
entendemos o caso de São Félix do Xingu, cidade que conseguiu diminuir
drasticamente a devastação florestal há dez anos, e agora vê o
desmatamento crescer de forma tão aguda quanto. Como é de se esperar,
tem muito a ver com políticas públicas. No fim dos anos 2000, o
desmatamento lá era intenso e a cidade se tornou prioridade do
Ministério do Meio Ambiente, com investimento financeiro em políticas
ambientais. Em 2012, São Félix também entrou no Programa Municípios
Verdes, do governo do Pará. “Eles queriam fazer de São Félix do Xingu um
caso de sucesso”, diz Estela Neves, professora e pesquisadora
especializada em governança e políticas ambientais. Mas não rolou. Houve
uma redução constante do desmatamento até 2011, depois ele começou a
crescer de novo devagar, e disparou de novo a partir de 2016. “Investiram muito dinheiro, mas a coisa não andou,
porque simplesmente não existe Estado ali. A desordem fundiária é
imensa, não tem segurança jurídica, e a especulação imobiliária é barra
pesada”, afirma Neves. Ela diz que, em 2013, as políticas de
fiscalização já estavam enfraquecidas. Mas tudo piorou nos últimos
tempos: entre agosto de 2018 e julho de 2019, a cidade atingiu o patamar
mais alto de desflorestamento desde 2008. Desde janeiro deste ano, é a
cidade brasileira que mais acumula avisos de áreas desmatadas.
E, na Austrália, o estado de Nova Gales do Sul declarou ontem estado de emergência devido aos incêndios florestais que já duram semanas,
destruíram várias casas, espalham fumaça tóxica e estão jogando as
temperaturas nas alturas. É o estado mais populoso do país. Há cerca de
cem focos por lá, e metade está fora de controle. Autoridades médicas
alertam para uma emergência de saúde pública, com um aumento dos
atendimentos hospitalares a pessoas com problemas respiratórios.
PRIMEIRA CONDENAÇÃO
Faz um ano desde que uma avalanche de denúncias de crimes sexuais acertou em cheio o médium João de Deus.
Ontem, ele recebeu a primeira sentença de condenação relacionada a
isso: 19 anos e 4 meses de prisão em regime fechado, por abuso sexual
cometido contra quatro frequentadoras da Casa Dom Inácio de Loyola. Das
quatro mulheres, duas sofreram estupro de vulnerável, e as outras duas,
violação sexual mediante fraude. João de Deus segue negando as
acusações; a defesa vai recorrer, e ainda continua pleiteando o regime
domiciliar. Ele está preso desde dezembro do ano passado.
Ainda há outras dez ações penais por crimes contra 58
mulheres. E, desde que as primeiras vítimas começaram a falar dos
abusos, o Ministério Público de Goiás já recebeu cerca de 350 relatos
semelhantes.
SEGUNDA PARCELA
O ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta se comprometeu a adiantar a segunda parcela da ajuda federal para a crise da saúde no Rio
– R$ 76 milhões – ainda este ano. O deputado Pedro Paulo (DEM) chegou a
fazer um pedido de intervenção federal, mas Mandetta o descartou. ” Não
tem nenhuma possibilidade para a União fazer intervenção em
municípios”, disse.
DE OUTRA CAUSA
Falamos há pouquíssimo tempo sobre o caso de
Vamberto Luiz de Castro, que estava com um câncer terminal e conseguiu
eliminar os sintomas após passar por um tratamento inédito na América Latina. Pois ele morreu no dia 11 e ontem foi divulgada a causa – que nada tem a ver com o câncer: traumatismo encefálico após uma queda em casa.
MAIS:
Esta é a
edição do dia 20 de dezembro da nossa newsletter diária: um resumo
interpretado das principais notícias sobre saúde do dia. Para recebê-la
toda manhã em seu e-mail, é só clicar aqui. Não custa nada.