Os medicamentos que a indústria joga pelo ralo

Culpa pela contaminação de rios e córregos por resíduos de fármacos costuma cair sobre pacientes, mas investigação mostra responsabilidade das grandes corporações. Leia também: o ruralismo encontra a filantropia

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Por Maíra Mathias e Raquel Torres

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DIRETO PELO RALO

“Simplesmente despejamos tudo no ralo”, disse um ex-funcionário da farmacêutica Mylan à jornalista Natasha Gilbert, do Stat. E “tudo” não é pouca coisa: é todo o resíduo de remédio que fica espalhado no maquinário, nos pisos e até no teto da fábrica após horas de produção de medicamentos. “Sempre me incomodava derramar produtos farmacêuticos no ralo”, disse outro ex-funcionário. Os dois trabalhavam em uma fábrica da empresa em Morgantown, na Virgínia.

A culpa pela poluição de fármacos costuma cair nos ombros dos consumidores, que lançam involuntariamente seus resíduos metabólicos pela urina ou despejam remédios vencidos na pia. Mas relatórios diversos já apontam há tempos o papel bem maior da indústria nisso. E a longa investigação de Gilbert, que juntou pesquisas, depoimentos e informações colhidas pela lei de acesso à informação dos EUA, deu nome aos bois pela primeira vez, identificando seis grandes farmacêuticas que provavelmente despejam quantidades gigantescas de remédios em rios e córregos: Mylan, Pfizer, Teva, Watson Pharmaceuticals, Actavis Genéricos e Mallinckrodt.

Segundo a reportagem, remédios diversos – de opióides a antidepressivos – têm aparecido em rios daquele país na última década. Com toda a preocupação sobre resistência antimicrobiana, recentemente empresas de todo o mundo formaram uma coalizão para reduzir a liberação de antibióticos nas instalações. Mas a indústria não se comprometeu a acabar com a poluição de outros tipos de drogas, de modo que estudos já detectam esses químicos nos corpos de insetos aquáticos e de peixes.

Tomando o caso da Mylan, Gilbert explica que parte da água que some pelo ralo acaba caindo direto no rio, enquanto outra parte vai para uma estação de tratamento municipal – mas em geral as estações de tratamento não estão equipadas para remover esse tipo de poluente, de modo que, quando os efluentes são testados, lá estão os fármacos. Nos efluentes da estação de Morgantown, por exemplo, já foi detectado um anti-convulsivo em nada menos que 90 vezes a quantidade considerada segura para a vida selvagem.

O QUE A CRISE REVELA

Ontem, a Justiça determinou a transferência de R$ 300 milhões das contas da prefeitura do Rio de Janeiro para as Organizações Sociais (OSs) e, destas, para os profissionais que estão com salários atrasados. A decisão do Tribunal Regional do Trabalho estabelece multa de 30% do valor recebido caso as OSs optem por usar o dinheiro para fazer outros pagamentos, como de fornecedores, por exemplo. A decisão também determina que os primeiros a receber sejam os trabalhadores com menor salário. A previsão é que os recursos cheguem na conta dos profissionais apenas na segunda-feira. O caminho do dinheiro não é tão rápido porque, primeiro, a Caixa e o Banco do Brasil precisam ser notificados judicialmente, depois os bancos precisam transferir o montante para as Organizações que, então, repassam os salários atrasados de outubro e novembro e o 13º.  Por isso, mesmo com a decisão emergencial favorável, os funcionários ligados a OSs devem permanecer em greve hoje. Uma nova reunião foi agendada na terça para que a Justiça avalie se todas as dívidas foram pagas ou ainda há necessidade de novas medidas.

Para Paulo Pinheiro (PSOL), vereador do Rio que acompanha saúde, é preciso verificar se o pagamento do 13º salário de todo o funcionalismo da prefeitura abalou o caixa municipal. Ele teme que não tenha sobrado o suficiente para pagar a dívida de R$ 300 milhões com as OSs. Segundo ele, a gestão Crivella adotou a estratégia de adiar esse bloqueio o quanto pôde para ficar ‘bem’ com o restante do funcionalismo. Isso porque um primeiro bloqueio havia sido determinado em 26 de novembro, no valor de R$ 325 milhões – mas no início de dezembro, o próprio TRT suspendeu o arresto de R$ 300 milhões acatando um pedido da Advocacia Geral da União (AGU) que argumentava que as contas tinham vínculo com convênios federais. Também para a diretora do sindicato dos enfermeiros, Libia Bellusci, “a prefeitura sempre quis ganhar tempo”.

Presente na audiência de conciliação, o prefeito Marcelo Crivella revoltou os presentes ao gravar um vídeo para as redes sociais em que afirma que não existe crise na saúde do Rio – e é tudo invenção da Rede Globo. “A crise é falsa. O que houve foi atraso de salários de um mês, e, no caso de algumas OSs, de dois meses. Algumas OSs também tinham problema de gestão”, afirmou. A crise – que é verdadeira – afetou todas as unidades básicas de saúde e a maior parte dos hospitais, mostrando a dependência entre a gestão do SUS municipal e os contratos com OSs. 

ACORDO

Hoje, o Ministério da Saúde e a Prefeitura do Rio devem assinar um termo de acordo às 11h30, no Palácio da Cidade. A Pasta não adiantou quais serão os termos da ajuda e se haverá transferência de recursos. 

ACIMA DO TETO

Em tempo: segundo a coluna de Guilherme Amado na Época, em outubro, quando a crise dos pagamentos começou, a secretária municipal de Saúde Ana Beatriz Bush recebeu um salário bruto de R$ 49,2 mil que, depois dos descontos, totalizou R$ 32,7 mil líquidos. O valor está acima do teto remuneratório do Rio, de R$ 31,9 mil. A prefeitura não nega os valores, mas afirma que estão “dentro da legalidade”. 

MAU GOSTO

“Pessoal, como estou com câncer não vou poder atender vocês, tá ok?”. O vício de linguagem não esconde o autor da frase, o presidente Jair Bolsonaro, que resolveu ontem ironizar repórteres na frente do Palácio da Alvorada. Detalhe: foi o próprio Bolsonaro que, na quarta-feira, contou a jornalistas que poderia ter câncer de pele, após ser submetido à retirada de lesões em consulta dermatológica no Hospital da Força Aérea, em Brasília.

A DISTÂNCIA

Nesta quarta, saiu no Diário Oficial uma portaria do Ministério da Educação que autoriza instituições de ensino superior a ampliarem em até 40% (e não mais 20%) a carga horária do ensino a distância em todos os cursos de graduação, menos o de Medicina. Ou seja, quase metade da carga horária de cada curso pode ser feita a distância. No caso da saúde essa é uma discussão antiga e o Conselho Federal de Enfermagem decidiu entrar com uma ação judicial contra a portaria. O argumento é o de que a formação e, depois, o atendimento à população, ficarão prejudicados: o curso tem carga horária mínima de quatro mil horas e cinco anos de duração, mas, com a nova regra, o tempo de aulas presenciais e estágios pode ficar restrito a três anos.  “Os estágios e vivências que os estudantes são inseridos constituem o principal locus de vivência profissional da Enfermagem para o desenvolvimento da expertise clínica”, diz a nota do Conselho.

O RURALISMO ENCONTRA A FILANTROPIA

Ao que tudo indica, um grileiro de terras resolveu doar 44 cabeças de gado criados ilegalmente e apreendidos na Reserva Extrativista Chico Mendes, no Acre, para o Hospital de Amor de Rio Branco. A história começa em outubro, quando o ICMBio autua pela segunda vez o pecuarista Lucas Gonçalves de Oliveira por deixar um rebanho de cerca de 400 cabeças na Resex. Na sequência, Oliveira e uma comitiva de infratores se queixaram ao Ministério do Meio Ambiente, que determinou em novembro a suspensão da fiscalização na unidade de conservação, desautorizando o ICMBio. Oliveira entrou ainda na Justiça contra a apreensão de gado. Contudo, no processo, ICMBio e Ministério Público Federal conseguiram provar, com documentos, que a apreensão do rebanho não foi um ato arbitrário, mas fruto de fiscalização. Agora, a Justiça autorizou o Instituto a leiloar os animais. 

O JULGAMENTO DE SALLES

E falando na atuação do Ministério do Meio Ambiente, o Supremo Tribunal Federal vai finamente se debruçar sobre o pedido de impeachment de Ricardo Salles feito por parlamentares da Rede. O relator do caso no STF, Edson Fachin, havia engavetado o pedido, alegando que a denúncia por crime de responsabilidade cabe ao MPF. Mas os senadores recorreram e, agora, o ministro do Supremo resolveu submeter o caso ao plenário. Assim, os magistrados vão examinar, primeiro, se parlamentares podem ou não pedir afastamento de um ministro de Estado. Caso a resposta seja afirmativa, o STF vai analisar se os argumentos apresentados pela Rede são suficientes para abrir um processo de impeachment.

MEIA HORA DE CORRIDA

Pesquisadores do Reino Unido divulgaram esta semana um trabalho concluindo que o combate à obesidade poderia passar por ter alimentos com rótulos que detalhassem a quantidade de exercício necessário para queimar as calorias contidas naquele produto. Assim, uma barra de chocolate poderia vir com um selinho indicando que seriam necessários 23 minutos de corrida. Os autores revisaram 14 estudos e viram que a mudança poderia reduzir a ingestão média em cerca de 200 calorias.

A intenção é boa, mas quem sofre com distúrbios alimentares sabe que os efeitos poderiam ser bem devastadores. “Mesmo estando em recuperação há 11 anos, sei que se eu entrasse em uma loja e visse essa informação, isso seria um gatilho, diz, na BBC, uma mulher que desenvolveu anorexia aos13 anos. “Sabemos que muitas pessoas com distúrbios alimentares lutam com exercícios excessivos; portanto, saber exatamente quanto exercício seria necessário para queimar determinados alimentos pode exacerbar seus sintomas”, completa Tom Quinn, da instituição de caridade Beat.

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