Os primeiros passos (atrás)

Bolsonaro extinguiu Conselho que atuava no combate à fome e Paulo Guedes já fala em acabar com dinheiro obrigatório da saúde. Leia também: o começo de Mandetta, o primeiro assassinato no campo e muito mais.

Imagem: Valter Campanato/Agência Brasil
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O COMEÇO DE MANDETTA

O nome já estava certo desde novembro e, no segundo dia do ano, Luiz Henrique Mandetta assumiu o Ministério da Saúde de Bolsonaro. Ortopedista, ele era até então deputado federal pelo DEM-MS e já foi secretário municipal de saúde de Campo Grande – como já se sabe, vem de seu período na secretaria uma investigação por caixa dois, fraude em licitação e tráfico de influência na implementação de um sistema de informatização.

Para os próximos cem dias, são três as suas prioridades: um “choque de gestão” na atenção hospitalar, uma medida emergencial em Roraima (por conta dos imigrantes e da epidemia de sarampo) e melhorias na atenção básica. Durante o discurso de posse, Mandetta anunciou a criação da Secretaria Nacional de Atenção Básica, chegando a convocar os agentes comunitários de saúde e de combate a endemias para liderarem “a maior revolução da história” desde nível de atenção. O novo ministro é velho conhecido dos agentes, por ter atuado em favor do reajuste de seu piso salarial. Severo crítico do Programa Mais Médicos desde a sua criação, ele prometeu levar a saúde a todos os cantos. 

Também garantiu que não vai haver retrocessos (“Saúde é um direito de todos e dever do Estado. Não tem retrocesso. Vamos cumprir a Constituição”). Mas, ao mesmo tempo, falou que “não existem verdades absolutas” na saúde, e tudo pode ser questionado. O novo ministro, que no passado exigia mais dinheiro da União para a Saúde, votou como deputado pela PEC do Teto dos Gastos e, no discurso, em nenhum momento mencionou o subfinanciamento do SUS. Ao contrário, disse que a pasta tem “um orçamento muito grande” e que “cada economizado por esse ministério tem que ir para objeto fim, que é a assistência. Não dá para gastar dinheiro sem saber”.

Bem ao estilo do novo governo, Mandetta disse que “não se chega a um cargo de tamanha responsabilidade sem ter um compromisso com a família, com a fé e com a pátria”. Ele, que foi presidente da Unimed em Campo Grande, também falou do setor privado. Disse que “há muito espaço para melhoria” e que estará presente neste debate, para que tenhamos um sistema privado “também forte, mais solidário e com menos queixa”.  

Saindo do cargo, Gilberto Occhi citou como vitórias alguns momentos que na verdade ficaram gravados no noticiário e na memória de muitos de nós como enormes problemas: disse que “retomamos o crescimento” da vacinação, que houve uma “resposta rápida” à saída dos cubanos do Mais Médicos e ainda comemorou o acordo com a indústria alimentícia para redução do açúcar dos alimentos – que, no entanto, deixou de fora produtos pra lá de açucarados. 

ENQUANTO ISSO…

O número 2 do ministério da Saúde – o seu secretário executivo, João Gabbardo dos Reis, é réu em uma ação de improbidade administrativa no Distrito Federal. Segundo o MP, em 2013 a secretaria de Saúde do DF pagou, sem licitação, pela reforma de luxo de um hospital do qual ele era superintendente. 

PRIMEIRO TIRO NO COMBATE À FOME

Bolsonaro já começou eliminando os mecanismos de participação social da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional. A reestruturação que o novo presidente fez no governo (com sua primeira medida provisória, a 870/2019, e o decreto 9.674)  extinguiu o Consea (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional), formado majoritariamente por representantes da sociedade civil. “O Consea era um órgão de assessoria imediata da Presidência da República. Um órgão importantíssimo, democrático, o Brasil inclusive era uma referência para outros países em termos de segurança alimentar por ter essa estrutura democrática diretamente ligada à Presidência da República”, disse à Rede Brasil Atual a pesquisadora da USP Larissa Mies Bombardi, autora do Atlas de Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia.

O Consea foi criado em 1993, foi extinto no governo Fernando Henrique Cardoso e retomado por Lula. E, como enumera  Mara Gama, em coluna da Folha, o era “o principal canal de diálogo, discussão de pesquisas, referências e experiências e exposição de reivindicações sociais nos campos da alimentação e nutrição, defesa do meio ambiente, promoção da agroecologia e da agricultura familiar e combate ao desperdício de comida”. Atuou contra o PL do Veneno, por exemplo. E seus debates foram embrionários para a criação de programas que fomentam a agricultura familiar e buscam combater o desperdício, como o Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (este último é o que estabelece o mínimo 30% do financiamento municipal repassado para as escolas com compra de produtos provenientes da agricultura familiar), a Política e o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica.

“O ano que o país deve voltar ao Mapa da Fome da ONU (onde mais de 5% da população se encontra em insegurança alimentar) ser o mesmo ano que o Consea é esvaziado (ou extinto, ainda não temos clareza!) é de um surrealismo ímpar na história do país, e ao que parece, especialmente nas questões sociais, está caminhando rumo a um retrocesso social sem precedentes”, diz o grupo Ação da Cidadania. 

FORA DO AR

Na sexta, percebeu-se que o Ministério da Saúde tirou do ar uma cartilha voltada à saúde de homens trans (nascidos do sexo feminino), lançada há menos de seis meses. Segundo a pasta, a retirada se deu pela necessidade de revisão em um trecho que menciona uma prática conhecida como “pump”, que consiste em usar um equipamento para aumentar o clitóris. “Para o ministério, análise posterior à divulgação constatou que faltavam recomendações técnicas no material e alerta sobre riscos de lesões e sangramentos”, diz a matéria da Folha. Mas entidades que representam a população trans argumentam que a divulgação era necessária justamente para prevenir riscos – fora a importância de outras informações que estavam lá, como sobre direitos dos homens trans no SUS e prevenção de DSTs. 

ENTRE A CRUZ E A ESPADA

Paulo Guedes quer conseguir que se aprove uma reforma da Previdência. Mas já tem um Plano B: em caso de derrota no Congresso, anunciou a possibilidade de eliminar as aplicações mínimas que hoje são obrigatórias na educação e na saúde. Para quem acompanhou a campanha eleitoral, não é surpresa. 

JÁ COMEÇOU

Foi na madrugada de sábado que aconteceu a primeira morte por conflitos agrários de 2019. Um trabalhador rural conhecido como Eliseu foi morto em um ataque que deixou ainda oito pessoas feridas, sendo três em estado grave. Foi no Mato Grosso, na Fazenda Agropecuária Bauru. Em novembro, a Comissão Pastoral da Terra e o Fórum de Direitos Humanos e da Terra de Mato Grosso (FDHT-MT)  tinha emitido uma nota alertando para os conflitos na região, onde 200 famílias – algumas são posseiras, outras compraram seus títulos – estavam sob a mira de 30 pistoleiros.

SEM FUNDAMENTO

O biólogo James Watson, prêmio Nobel de Medicina em 1962 por ser um dos descobridores da estrutura do DNA, começou a exibir publicamente seu racismo em 2007, quando disse em uma entrevista que as políticas de cooperação com a África “se baseiam no fato de que sua inteligência é a mesma que a nossa, enquanto todas as evidências dizem que não”. Como na verdade todas as evidências dizem que sim, ele foi repudiado por grande parte da comunidade científica e foi definhando. Agora, aos 90 anos, está no centro de um documentário. E, segundo a matéria do El País, ele nem tentou se desculpar ou voltar atrás: “Gostaria de ter mudado, de que houvesse novas descobertas científicas que mostrassem que o adquirido é muito mais importante do que o inato, mas não as vi”, diz no filme. E ainda: “Não me importo em dizer o que penso”. É capaz de ganhar fãs, se já não os tiver.

E na Itália quem anda defendendo posições anticientíficas são integrantes do novo governo, no poder desde o ano passado. O vice-primeiro-ministro Matteo Salvini, por exemplo, critica a vacinação obrigatória de crianças no país e já afirmou que considera “inúteis e danosas” as dez vacinas que compõem o calendário básico. Essa onda levou o chefe do principal instituto de pesquisas italiano a anunciar sua renúncia no fim do ano – o professor de medicina preventiva Gualtiero Ricciardi comandava o Instituto Superior de Saúde da Itália, principal órgão técnico-científico do Serviço Nacional de Saúde italiano.

30 ANOS DA LEI CAÓ

Nesse sábado fez 30 anos que atos de discriminação racial se tornaram crime inafiançável e imprescritível. Até 1989, eram contravenções penais passíveis de prisão simples, com penas de três meses a um ano, e multa. Na matéria da Deutsche Welle, há uma avaliação das mudanças desses últimos anos. 

FACEBOOK NOS SUICÍDIOS

Veja só: os algoritmos do Facebook vasculham nossas postagens procurando indícios de que vamos nos matar. Quando um post é classificado como de risco, ele passa para a avaliação de um ser humano que está autorizado a entrar em contato com autoridades e oferecer informações que possam localizar o suicida em potencial. Já aconteceu milhares de vezes no mundo todo e delegados têm encontrado essas pessoas, encaminhando-as para hospitais, com ou sem consentimento . Especialistas em saúde mental alertam: a iniciativa pode acabar precipitando suicídios, compelindo não-suicidas a passarem por avaliações psiquiátricas. Fora que a rede social é investigada por não respeitar a privacidade dos usuários (não é à toa que a força anti-suicídio não funciona na União Europeia, cujas leis de proteção de dados restringem a coleta de dados pessoais) E, como em tantas de suas ações, esta iniciativa tem um quê de nebulosa. A rede não revela, por exemplo, quais os critérios para definir se o contato com as autoridades deve ou não ser feito em cada caso.

MARIANA

Mais de três anos após o crime ambiental da Samarco, só foi concluído um dos 42 programas de reparação exigidos pelo Comitê Interfederativo (CIF). O CIF fiscaliza e a companha as medidas de reparação e já fez 33 reuniões, mas com poucos avanços. E há muitas críticas ao fato de que nenhum representante dos moradores tem voz nesse espaço. Outro problema: não há uma equipe específica para acompanhar os processos entre as reuniões. Mais um: não há sanções no caso de não cumprimento das decisões do CIF.

UMA ESPERANÇA

A chegada de López Obrador à presidência do México trouxe muitas expectativas, e uma é a possibilidade de anistia para 200 mexicanas que tiveram abortos espontâneos, ou partos prematuros e emergências obstétricas com a morte do bebê, e que por isso foram condenadas à prisão por homicídio. A matéria do El País conta que elas têm um perfil parecido: são pobres, vivem em áreas rurais, são indígenas, muitas vezes sequer falam espanhol e não tiveram direito a uma defesa decente. Mas tirá-las da prisão não vai ser fácil. A proposta do novo governo é solucionar o caso de mulheres presas por aborto e, para alcançar essas que foram condenadas por homicídio, é preciso localizá-las também. 

“INCIDENTE”

No Arizona, uma mulher em coma há uma década teve um bebê no mês passado na clínica Hacienda Healthcare. A polícia investiga, e a clínica chama o estupro de um “incidente profundamente perturbador”.

JOÃO DE DEUS

Depois de ter sido internado, ele voltou à prisão. Sua defesa quer a prisão domiciliar humanitária. Porém, no sábado,  Raquel Dodge manifestou posição contrária.

Mas a novidade mais assustadora nesse caso é uma acusação da ativista Sabrina Bittencourt (uma das principais responsáveis pela divulgação das denúncias ao médium) de que ele estaria envolvido em outros crimes. Em um vídeo divulgado nas redes sociais, ela diz ter descoberto que João de Deus chefiava uma quadrilha de tráfico de bebês, mantendo meninas pobres de 14 a 18 anos como escravas sexuais que eram obrigadas a parir e entregar os filhos. De acordo com Sabrina, os bebês são vendidos por de 20 a 50 mil dólares. No vídeo, ela afirma ter feito contato com mães que disseram ter adotado os bebês dessas mulheres nos EUA, Europa e Austrália, e pede ajuda das autoridades para investigarem o esquema. 

QUASE LÁ

No ano passado o mundo registrou apenas 30 casos de poliomelite, concentrados no Afeganistão e no Paquistão. Segundo a OMS, estamos à beira da erradicação global da doença que, três décadas atrás, atingia 350 mil crianças por ano. 

ALARME FALSO

Um homem foi mantido em isolamento em um hospital sueco porque, após três semanas visitando o Burundi – que faz fronteira com a República Democrática do Congo –, voltou com sintomas de febre hemorrágica. A suspeita era que tivesse ebola. Mas os exames mostraram que, afinal, não era. 

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