Os passos atrás na saúde indígena
Ministério da Saúde prepara pacote de mudanças que deve piorar oferta de serviços. Leia também: os efeitos da guerra às drogas no México; o lixo que ameaça Galápagos
Publicado 19/02/2019 às 06:29 - Atualizado 19/02/2019 às 08:46
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OS MAUS PLANOS DO GOVERNO
O pacote de mudanças em discussão para a saúde indígena tem tudo para piorar a oferta de serviços. Segundo a Folha, a equipe de Mandetta quer alterar o status da secretaria responsável pelo setor, e repassar parte do atendimento a estados e municípios. Hoje é a União quem responde por isso. A ideia é que, em locais onde os índios sejam considerados mais próximos das áreas urbanas, as prefeituras se responsabilizem pelos serviços. Onde o contato é considerado misto, seriam os estados. A União só ficaria com áreas tidas como mais distantes.
Desde 2010, a política de saúde indígena é coordenada pela Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena), por meio de espaços vinculados a 34 DSEIS (distritos sanitários indígenas). O ministro quer acabar com alguns DSEIS, questionando, por exemplo, a existência de um distrito no RJ. E, segundo apuração da Folha, a própria Sesai pode acabar e ser transformada em um departamento da Secretaria Nacional de Atenção Básica. Mandetta não confirma, mas definitivamente não desmente: “Hoje a Sesai só faz atenção básica. Se tem uma secretaria nacional de atenção básica, pode ser que essa secretaria consiga fazer a saúde indígena” (com isso tudo, é impossível não lembrar o tweet de Bolsonaro dizendo que “reintegrar os índios à sociedade” os faz “sentir mais brasileiros”).
Lideranças indígenas contam na matéria que essas populações já foram atendidas pelos municípios no passado, e não era nada bom. “Muitas lideranças políticas em municípios eram ligadas a latifundiários. Perdemos muita gente por desassistência”. Vale lembrar que Mandetta atuou com força na bancada ruralista enquanto deputado, alinhando-se totalmente aos interesses dos latifundiários.
Outros problemas apontados são a distância das unidades de saúde e a falta de trabalhadores para lidar com as especificidades dos indígenas. O subprocurador-geral da República Antônio Carlos Bigonha, que acompanha a área, é direto: “A saúde indígena existe não por um privilegio do indígena, mas por uma peculiaridade cultural que deve ser respeitada, além da questão das doenças que são diferenciadas. Parece que nem isso o ministério está observando muito. Em termos de saúde, o que o ministro propõe é um remédio que mata o paciente”.
MACONHA E ADOLESCENTES
Falamos na semana passada de uma análise sistemática de estudos internacionais que, avaliando mais de 20 mil adolescentes, concluiu que há maiores riscos de depressão e pensamentos suicidas entre pessoas que usaram maconha na adolescência. Na coluna de hoje na Folha, Claudia Collucci parte dele e relembra outras evidências de danos causados pela droga em jovens para reforçar a necessidade de incluir a saúde pública na discussão sobre a descriminalização da cannabis. “Afinal, quem pagar essa conta? O que mais temos visto no Brasil e no mundo são lobbies políticos e financeiros interferindo nas políticas públicas a despeito do que mostram as melhores evidências científicas”.
NÃO CRESCEU
O Canadá legalizou a maconha recreativa em outubro do ano passado, e recentemente surgiram os primeiros dados consolidados sobre o consumo com a Pesquisa Nacional de Cannabis. Uma das conclusões é que o consumo não subiu. E uma boa notícia é que as prioridades dos consumidores na hora da compra têm sido a qualidade e a segurança, o que significa que o mercado ilegal deve minguar. O problema ainda é a disponibilidade. Logo depois da legalização, se noticiou muito que havia filas nas lojas e falta de maconha. Mas não era por excesso de procura, e sim por falta de produtos licenciados.
JÁ NO MÉXICO…
Depois de aumentar direto por mais de seis décadas, a expectativa de vida no país desacelerou entre 2005 e 2018, e em algumas regiões até diminuiu. Os números batem com o aumento da violência, associado a intervenções militares para diminuir as operações de drogas ilícitas e o crime organizado desde 2006, quando o então presidente Felipe Calderón lançou uma ‘guerra’ contra as drogas e os criminosos. A análise é dos pesquisadores José Manuel Aburto e Froylan Enciso, na Conversation. Eles contam que, com ‘guerra’, as organizações criminosas não acabaram, mas se fragmentaram e seguem alimentando o ciclo de violência. A atuação delas também se expandiu para outras atividades além do comércio de drogas. O novo presidente, López Obrador, prometeu enfatizar programas sociais, o que é um bom… Mas, ao mesmo tempo ele ainda quer legalizar o uso das forças armadas para a segurança pública e investigações.
FALSA ESCOLHA
“Ou é Previdência, ou é cortar gastos em saúde e educação, ou é nada”. Esta fala do economista Marcos Lisboa, presidente do Insper (institução privada de ensino superior) foi escolhida pelo Globo como título da entrevista. Ele detalha: “Não pode reduzir salário de servidor, não pode cortar aposentadoria, não pode mexer nas transferências para estados e municípios, o que sobrou para desvincular mesmo? Saúde e educação”. Lisboa se refere especificamente do plano B de Paulo Guedes em caso de não aprovação da Reforma, que é desvincular todo o Orçamento.
PROIBIDO
O governo determinou que todas as barragens a montante (do mesmo modelo das que romperam em Brumadinho e Mariana) sejam eliminadas até 2023. A decisão foi da Agência Nacional de Mineração (ANM), vinculada ao Ministério de Minas e Energia. Até agosto deste ano, as empresas precisam instalar canais laterais ou implantar outra solução que minimize a descarga de água de outra origem dentro do reservatório. Até fevereiro de 2020, devem ser construídos sistemas de monitoramento em tempo integral nas barragens de alto risco. Uma consulta pública sobre os impactos da decisão vai ser aberta por 30 dias.
CARNE NEGRA
Domingo e ontem, os atos em protesto contra a rede de supermercados Extra reuniram milhares de pessoas em dez estados. Elas aconteceram por conta do assassinato do jovem negro Pedro Gonzaga em uma unidade do Rio, no dia 14.
TCHAU, CURA GAY
Não são muitos os países que já baniram terapias de reversão sexual. Agora, o ministro da Saúde da Alemanha quer proibi-las por lá. Um projeto de lei deve ser rascunhado até o meio do ano.
BEM GUARDADO
E o sociólogo e jornalista francês Frédéric Martel passou quatro anos entrevistando dezenas de cardeais, bispos, núncios, sacerdotes e seminaristas para estudar a homossexualidade na Igreja Católica. O resultado é um livro sobre o “armário do Vaticano“, que vai ser lançado mundialmente na quinta. Segundo o autor, a grande maioria no Vaticano é homofóbica… mas homossexual. “Meu tema é a vida banal e trágica dos sacerdotes condenados a uma castidade antinatural. E essa gente está presa na armadilha de um armário onde eles mesmos se fecharam, do qual não sabem sair, enquanto no lado de fora todo mundo se diverte”.
PROBLEMÃO EM GALÁPAGOS
Conhecido como o grande laboratório onde Darwin desenvolveu a teoria da evolução natural , pela grande biodiversidade e por abrigar espécies únicas no planeta, o arquipélago está numa luta complicada contra os plásticos que aparecem no litoral. Por lá, eles são proibidos. Mas as marcas das vasilhas encontradas mostram que elas vêm do Peru, do Chile e dos países da América Central, arrastadas por correntes marinhas. No ano passado foram recolhidas 22 toneladas. Mas, só na semana passada, já foram 4,5 toneladas. O prolema não é só o mal que os plásticos em si podem fazer aos animais, mas também o fato de que eles podem carregar espécies invasoras.
DENGUE
São Paulo já vive uma situação crítica. Só neste ano, já são 201 casos, um aumento de 18% em relação ao mesmo período de 2018 (em todo o ano passado, foram 563).
FORA E DENTRO
Uma notícia mais geral: Gustavo Bebianno enfim está fora da Secretaria Geral da Presidência. Em seu lugar, assume o general da reserva Floriano Peixoto, que já era o número 2 da pasta e se torna o oitavo militar no primeiro escalão do governo. O Nexo traz seu perfil.
É NOSSO ANIVERSÁRIO
Não somos grandes fãs de autorreferência, mas não podemos deixar de registrar que hoje completamos um ano de Outra Saúde. Depois desta primeira edição da newsletter, já vieram mais de 200. Esses informativos, preparados nas madrugadas adentro por duas jornalistas, dão muito trabalho e muita satisfação também. No começo, falávamos sobre a importância de acompanhar tudo sobre o direito à saúde, em uma perspectiva ampla, no momento em que o SUS completava 30 anos e havia tantas ameaças na mesa. As ameaças cresceram, e a necessidade de organizar, contextualizar e compartilhar informações também.
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