O verão brasileiro evitará o coronavírus?
OMS decreta emergência global. Casos espalham-se por 19 países — Brasil tem nove suspeitas. Especialista aponta: propagação do vírus é limitada em climas quentes, o que reduz risco de epidemias. Leia também: na China, 60 milhões em quarentena
Publicado 31/01/2020 às 09:17 - Atualizado 05/05/2020 às 12:32
Por Maíra Mathias e Raquel Torres
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EMERGÊNCIA GLOBAL
Desde ontem, o novo coronavírus é uma emergência global. A
decisão tomada pela Organização Mundial da Saúde se deve ao risco do
que pode ocorrer no mundo em termos de contaminação. Já foram
registrados 98 casos da doença fora da China em 19 países diferentes.
A emergência global é um
sistema de resposta a epidemias endossado pelos 196 países que compõem a
OMS e está previsto no Regulamento Sanitário Internacional (RSI),
aprovado em 2009 depois de discussões que começaram seis anos antes,
justamente por conta de uma pandemia causada por outro coronavírus, a
SARS. Na época, a avaliação foi de que a China demorou para comunicar o
problema e isso piorou muito a resposta à pandemia. Desde que o RSI foi
aprovado, a OMS já decretou emergência global seis vezes:
em 2009 com a gripe suína (H1N1); em 2014, com a epidemia de ebola em
Serra Leoa, Guiné e Libéria; com o ressurgimento da poliomielite no
Paquistão, também em 2014; com o zika vírus no Brasil, em 2016; e,
finalmente, agora com o coronavírus.
O número de mortos já chega a 213 na China,
que a essa altura contabiliza 9.692 casos da infecção. Quase dois mil
novos casos foram confirmados hoje (noite de quinta, 30, no Brasil) pela
Comissão Nacional de Saúde de lá. E o vírus já está em todas as províncias chinesas: ontem, foi confirmado um caso no Tibete.
Os médicos que estão tratando os pacientes em Wuhan publicaram no Lancet um relato sobre os 99 primeiros pacientes atendidos
com o vírus. Todos tiveram pneumonia. Os outros sintomas detectados
foram: febre (em 82 deles), tosse (81), falta de ar (31), dores
musculares (11), confusão mental (nove), dor de cabeça (oito) e dor de
garganta (cinco). A taxa de mortalidade desse grupo foi de 11%.
Itália, Índia e Filipinas confirmaram ontem seus primeiros casos. E os Estados Unidos se tornaram o quarto país a confirmar transmissão de pessoa para pessoa
do novo vírus fora do território chinês. Aconteceu em Chicago, entre
uma mulher de 60 anos que foi a Wuhan e sua companheira de apartamento.
O Brasil segue com nove casos suspeitos de coronavírus. Até agora não há nenhum confirmado. O virologista e professor da USP Edison Durigon conversou com o Nexo sobre
a possibilidade de a doença se propagar aqui, de pessoa a pessoa. De
acordo com ele, as chances não são altas porque se trata de um vírus
tipicamente de clima frio, como o da SARS. “Isso [a SARS] se espalhou
por países frios, para quem estava no inverno, nos Estados Unidos e na
Europa. Chegou à Austrália porque eles têm um contato muito próximo com a
China. Mas nunca chegou ao Brasil, à América do Sul ou à África, por
exemplo. Por quê? Nós estamos no verão nessa época. Esse vírus não se
propaga bem em clima quente. Agora, aconteceu a mesma coisa. Começou na
China, no inverno, está se espalhando em países que estão no inverno.
Talvez a gente tenha um caso ou outro aqui, importado. O indivíduo que
veio da China ou de algum país em que se infectou, vai ser tratado aqui,
internado aqui. Mas acho que o risco de uma epidemia acontecer aqui,
agora, ainda é baixa, por conta do clima. A transmissão desse vírus em
clima quente não é boa, e também há a radiação do sol. Ele é muito
sensível à luz ultravioleta”.
O Ministério da Saúde anunciou ontem uma licitação para alugar mil leitos de UTI em hospitais de referência para prevenir o coronavírus. Hoje, a lista inclui 35 hospitais no país todo – a maioria públicos –, mas deve ser atualizada depois de consulta aos secretários estaduais de saúde.
A OMS não recomendou a suspensão do trânsito de pessoas e mercadorias com a China. Mas, ontem, a Rússia anunciou o fechamento
de 4,2 mil quilômetros de fronteira com aquele país. E os EUA
recomendaram que cidadãos americanos não viajem à China. O Japão
recomenda o mesmo em caso de viagens não urgentes. A pequena Trinidad e
Tobago proibiu que pessoas que viajaram à China ou chineses entrem em seu território
antes de um intervalo de 14 dias entre as viagens. Mais companhias
aéreas paralisaram operações na China: Air France, British Airways,
Lufthansa e Virgin.
ISOLAMENTO
A quarentena imposta pelo governo chinês a várias cidades do país já atinge a inaudita marca de 60 milhões de pessoas. Para especialistas ouvidos pelo Estadão,
o isolamento de tantas pessoas pode impactar o abastecimento de
medicamentos, alimentos e combustível – e não é improvável que acabe em
um levante popular. Além disso, a medida pode ter vindo tarde demais, já
que milhões de pessoas já haviam deixado a província de Hubei antes da
quarentena.
A BBC Brasil publicou o diário de uma moradora de Wuhan. A assistente social Guo Jing, de 29 anos, mora sozinha e está isolada desde 23 de janeiro. Um trechinho:
“Tenho muito tempo para pensar em como sobreviver. Não tenho recursos,
nem muitos contatos. Um dos meus objetivos é não ficar doente, por isso
tenho que me exercitar. A comida também é crucial para a sobrevivência,
então preciso armazenar suprimento suficiente. O governo não informou
quanto tempo vai durar o confinamento. As pessoas estão dizendo que pode
durar até maio. A farmácia e a loja de conveniências aqui embaixo
estavam fechadas hoje, mas foi reconfortante ver que os serviços de
entrega de comida ainda estão funcionando. Os noodles estão em falta nos
supermercados, mas ainda é possível encontrar um pouco de arroz. Também
fui ao mercado hoje. Comprei aipo, brotos de alho e ovos. Ao voltar
para casa, lavei todas as minhas roupas e tomei um banho. A higiene
pessoal é importante — acho que estou lavando as mãos de 20 a 30 vezes
por dia. Sair de casa me faz sentir que ainda estou conectada ao mundo. É
muito difícil imaginar como os idosos que vivem sozinhos e as pessoas
com deficiência vão passar por isso.”
OS MAIORES MULTADOS
O De Olho nos Ruralistas identificou, a partir de dados do Ibama, os proprietários rurais que mais receberam multas por desmatamento nos últimos 25 anos. A equipe lançou um mapa que mostra os resultados em cada município, e escreveu no Intercept sobre os achados. Foram ao todo R$ 34,8 bilhões em multas, e só 25 pessoas físicas ou jurídicas são responsáveis por cerca de 10% do valor:
R$ 3,58 bilhões, ou quase o orçamento do Meio Ambiente inteiro para
este ano. Se corrigido, o montante ultrapassa os R$ 6 bi. E mais: entre
esses 25, nada menos do que 24 foram multados mais de uma vez.
No geral, apenas 487 pessoas físicas e jurídicas
levaram um conjunto de multas totalizando mais de R$ 10 milhões. Outras
466 receberam autuações que somam mais de R% 5 milhões. Só uma pequena
fatia das multas, de 1,42%, foi quitada. Muitas prescreveram e outras
ainda estão em fase de recursos, mesmo décadas depois.
O campeão das multas é o Incra, mas não por culpa dos
assentados e sim de grileiros. Muitos locais onde as autuações foram
aplicadas já não são mais assentamentos. são focos de grilagem, como São
Félix do Xingu, “capital da pecuária em terras do governo federal”.
Para espanto do Paulo Guedes e de mais ninguém, os maiores desmatadores
são “algumas das pessoas mais ricas e poderosas do Brasil” – há desde
políticos e empresários do agronegócio até um organizadores do carnaval
baiano.
MUITO LENTAMENTE
Por falar em desmatamento, uma matéria da BBC conta que a regeneração de áreas devastadas na Amazônia é mais lenta
do que se imaginava. Há 18 anos, foram medidos o diâmetro e a altura de
árvores que cresciam em áreas desmatadas perto de Bragança, no Pará.
Agora, as mesmas árvores foram revisitadas por pesquisadores do Brasil e
do Reino Unido e eles viram que o crescimento foi inferior ao que
pesquisas anteriores haviam previsto. Uma razão provável é o fato de que
se trata da primeira região de colonização da Amazônia, desmatada há
muito tempo. O solo já está, portanto, muito pobre. “Considerado o
cenário atual da Amazônia, com desmatamento aumentando, e considerando
que os eventos de seca severa estão cada vez mais frequentes, nós
podemos inferir que as florestas da Amazônia inteira poderão ter esse
tipo de comportamento a médio ou longo prazo”, alerta o biólogo Fernando
Elias, um dos pesquisadores envolvidos.
AÍ FICA DIFÍCIL
A partir de 2026, carnes, frutas e verduras vão se tornar mais caras
do que doces, salsichas e outras comidas nada saudáveis. A previsão é
de cientistas que mediram e compararam a variação no preço dos 102 tipos
de alimentos mais consumidos no Brasil entre 1995 e 2017, e uma
reportagem n’O Joio e o Trigo explica os resultados: “Em 2017,
os alimentos saudáveis tinham preço médio de R$ 4,69 por quilograma e os
não saudáveis, de R$ 6,62 por quilo. Em 2026, o custo de ambos se
tornaria igual, prevê a pesquisa. Em 2030, os cientistas calculam que a
comida saudável teria valor de R$ 5,24 por quilo, enquanto a comida
‘porcaria’ teria custo de R$ 4,34 por quilo”. Pra evitar isso, só com
políticas públicas.
NOVO, DE NOVO
Substâncias dos cigarros provocam mutações no DNA de células pulmonares, transformando-as em cancerígenas. Até agora, acreditava-se que os danos eram permanentes, mas um novo estudo publicado na Nature
indica que pode não ser assim: as células pulmonares saudáveis teriam
capacidade de se multiplicar e substituir as danificadas, depois que a
pessoa deixa de fumar. O efeito foi observado mesmo em pacientes de
longa data, que haviam consumido um maço por dia durante 40 anos.
O número de pacientes avaliados na pesquisa, porém, é
pequeno. Foram analisadas amostras dos pulmões de 16 pacientes,
incluindo fumantes, ex-fumantes, pessoas que nunca fumaram e crianças. A
maior parte das células recolhidas de fumantes havia sofrido mutações,
mas uma pequena porção de células estava intacta. Quando a pessoa para
de fumar, são estas, as ‘normais’, que crescem nos pulmões, substituindo
as que foram danificadas. Assim, até 40% das células dos ex-fumantes se
assemelhavam às de quem nunca havia fumado.
INÉDITO
Pela primeira vez, um medicamento projetado por inteligência artificial
vai ser usado em testes clínicos em humanos. A nova molécula foi
desenvolvida pela start-up britânica Exscientia e pela empresa
farmacêutica japonesa Sumitomo Dainippon Pharma e se destina a pacientes
com transtorno obsessivo-compulsivo, o TOC.
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