O problema de se gerarem bolsões sem vacina

Antecipação de calendários de imunização é bem-vinda, mas é preciso cuidado para não impulsionar disparidades sociais e geográficas

Foto: Governo de São Paulo
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O governo de São Paulo anunciou ontem que vai antecipar em um mês o calendário de vacinação contra a covid-19. Se a previsão se cumprir, toda a população adulta vai ter recebido pelo menos a primeira dose até o dia 15 de setembro. Outros estados têm feito movimentos semelhantes. O Maranhão está muito mais avançado: a capital já vai começar a cadastrar pessoas com 25 anos, sem comorbidades, para vacinar esta semana.

No caso de SP, a secretaria de Saúde afirmou que a mudança foi feita com base nas estimativas de novas entregas do Ministério da Saúde – que, no entanto, tem reduzido sistematicamente suas previsões de entrega. 

A repórter da Folha Sabine Righetti chama a atenção para a hipótese de que a possibilidade de antecipação não se deva à maior disponibilidade de imunizantes, e sim ao baixo número de pessoas elegíveis se vacinando. Segundo o DataSUS, dos 13,5 milhões de idosos com mais de 70 anos em todo o país, um milhão não tomou nenhuma dose, e 2,6 milhões estavam com o esquema incompleto até o fim de maio. Entre os maiores de 90 anos, menos de 80% tomou a primeira dose. É bem possível que também haja lacunas entre os demais grupos prioritários.

Não se sabe que motivos estão por trás da falha na cobertura. Em relação à segunda dose, já comentamos que nem todo lugar tem feito adequadamente a busca ativa de quem precisa voltar ao posto, e isso é um problema grave. 

E, em relação à primeira, o problema pode ser, em parte, reflexo da hesitação vacinal. Mas dados como os de Serrana – cuja população adulta aderiu em peso ao estudo da vacinação em massa – sugerem que deve haver também outras razões, talvez até mais relevantes. As pessoas mais velhas podem ter dificuldade de acesso aos locais de vacinação (o que muitas vezes é minimizado porque o SUS sabe ir atrás delas), ou obstáculos ao agendamento prévio, que ainda é necessário em vários lugares. Para os mais jovens, pode haver problemas para conseguir se liberar do trabalho e ir até um posto de vacinação. Até o medo dos efeitos colaterais, que tem sido bastante ridicularizado, tem sua razão de ser quando se pensa que nem todo mundo possui o privilégio de poder ficar em casa se recuperando de efeitos mais pesados.

Vejamos o caso dos Estados Unidos, cujo governo liberou a vacinação para todos os adultos em 19 de abril. A cobertura tem aumentado muito, no entanto ainda há não-vacinados em todas as faixas etárias. É um país com movimento antivacina muito mais forte do que no Brasil, mas mesmo lá isso não explica tudo: “De acordo com uma pesquisa da Kaiser Family Foundation , um terço dos adultos hispânicos não vacinados quer uma vacina o mais rápido possível – o dobro da proporção de brancos não vacinados. Mas 52% desse grupo ansioso estava preocupado com a possibilidade de precisar faltar ao trabalho por causa dos supostos efeitos colaterais (…). Não é de surpreender, então, que entre os estados que rastreiam dados raciais para vacinações, apenas 32% dos hispano-americanos receberam pelo menos uma dose até 24 de maio, em comparação com 43% dos brancos. A proporção de negros pelo menos parcialmente vacinados era ainda mais baixa, 29%”, resume essa reportagem, que já citamos na news.

Quando a fila não anda, antecipar o calendário para dar acesso a quem quer se vacinar é importante para se chegar o mais rápido possível a taxas que permitam a chamada imunidade coletiva. Sem dúvidas, isso é bom. O problema é que as pessoas não-imunizadas tendem a não estar distribuídas de maneira uniforme, seja por hesitação vacinal, seja por vulnerabilidades diversas, o que pode deixar determinados grupos desprotegidos.

Qualquer que seja a razão para que parte das pessoas esteja ficando para trás, contorná-la só é possível com ações de Estado, como boas estratégias de comunicação, maior disponibilidade de postos, horários alternativos para vacinação e busca ativa de elegíveis. Do governo federal, é difícil esperar qualquer gesto nesse sentido. 

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