O fim do Mais Médicos

No lugar do programa, governo fala em carreira federal voltada para o “Brasil profundo” – mas periferias serão afetadas. Leia também: agravam-se ataques a mulheres; violência afeta cognição social; telemedicina em xeque; e muito mais

Karina Azambra Ascom/Ministério da Saúde
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O FIM DO MAIS MÉDICOS

A pedra já estava cantada, mas agora é oficial: o governo Bolsonaro decidiu encerrar o programa Mais Médicos. A informação foi confirmada primeiro ao El País por Mayra Pinheiro, secretária de gestão do trabalho e educação do Ministério da Saúde, e depois à Folha pelo ministro Luiz Henrique Mandetta (ainda que com ares mais amenos). A ideia é criar um novo programa “de provimento para a atenção primária e carreira federal para áreas de difícil provimento”, disse Pinheiro, sem detalhar a proposta. O edital do Mais Médicos em curso será mantido, e o prazo de três anos dos contratos respeitado, acrescentou ela. Já Mandetta – que preferiu não se comprometer e respondeu a reportagem com perguntas (“Será que vai continuar com esse formato? Ou vamos partir em algumas localidades para ser por concurso?) – morde e assopra. Ao mesmo tempo que acusa algumas prefeituras de despedirem médicos contratados com recursos próprios para entrar no programa e diz que Brasília é um exemplo de cidade que não precisaria do Mais Médicos, afirma que tudo será discutido com as secretarias municipais de saúde. Ao que parece, o governo federal vai arcar com o provimento de médicos para o “Brasil profundo”, nas palavras de Mandetta, e deixar os outros municípios à própria sorte. Até então, um dos pontos que balizavam a discussão sobre o provimento de médicos era o reconhecimento de que prefeituras encontram dificuldade de fixar profissionais em periferias de grandes e médias cidades. 

O anúncio vai ao encontro do pleito de entidades médicas que têm um canal de comunicação direto com o governo desde a transição. “Há muito tempo o Conselho Federal de Medicina não tem uma relação de proximidade com o governo federal. A nova gestão abriu essa oportunidade para as entidades médicas”, comemora o primeiro secretário do Conselho Federal de Medicina, Hermann Von Tniesehause. O CFM propõe um plano de carreira que inclua apenas médicos formados no país ou com diplomas revalidados. Esses profissionais começariam a trabalhar em locais ‘vulneráveis’ (leia-se, onde a maioria dos médicos brasileiros nunca gostou de atuar) e depois ‘progrediriam’, migrando para municípios maiores, explicou Von Tniesehause.

E os cerca de dois mil médicos cubanos que permaneceram no Brasil foram deixados no meio do caminho. Pinheiro espera que as vagas do último edital do programa (1.462; ou 17% do total oferecido) sejam preenchidas ainda esta semana. Cerca de 3,7 mil médicos brasileiros formados no exterior se candidataram. Apesar de o governo Bolsonaro ter acenado para os cubanos que decidiram ficar no país com uma proposta especial de revalidação do diploma, e a própria Mayra Pinheiro ter prometido reincorporá-los ao programa, agora o que está na mesa é uma duvidosa ajuda humanitária para os profissionais que solicitaram asilo, que seria concedida pelo Ministério da Justiça.

BRUMADINHO

Uma troca de e-mails indica que a Vale já sabia de problemas nos sensores da barragem de Brumadinho dois dias antes do rompimento. No dia 10 de janeiro, Denis Valentim, funcionário da empresa, enviou uma mensagem para Makoto Namba, engenheiro da consultoria alemã contratada para atestar a segurança da barragem, avisando que os instrumentos que mediam o nível de água na estrutura não estavam funcionando. Confrontado pela Polícia Federal sobre o que faria caso um filho seu trabalhasse na mina, Namba respondeu que teria orientado a saída do complexo logo depois de ter lido o e-mail. Ainda segundo Namba, havia uma nascente acima da barragem, e embora um cano tenha sido instalado para proteger a barragem, parte dessa água continuava correndo para dentro da estrutura (que, ao que tudo indica, ruiu por liquefação). O engenheiro relatou ter sentido pressão da empresa para assinar a declaração de estabilidade da barragem.  

A Vale pediu mais tempo para analisar o termo de ajuste proposto pelos MPs e autoridades governamentais para acelerar a execução das medidas emergenciais e reparadoras dos danos causados pelo rompimento. Também ontem, a Justiça determinou que a empresa transfira R$ 13,4 milhões para cobrir gastos do governo de Minas. 

O Conselho Regional de Psicologia de Minas orienta os profissionais que estão apoiando as vítimas do rompimento a não lançar mão de medicalização excessiva, nem intervenções que minimizem os efeitos da tragédia ou incentivem a reconstrução imediata da vida. 

 são contabilizadas 150 mortes e ainda restam 182 pessoas desaparecidas.

NA FUNASA
Ronaldo Nogueira, ex-ministro do Trabalho de Michel Temer, foi nomeado ontem por Bolsonaro para presidir a Fundação Nacional de Saúde, a Funasa. Por trás da indicação estão os ministros Onyx Lorenzoni e Mandetta. Nogueira era deputado pelo PTB gaúcho, mas não foi reeleito. À frente do ministério extinto, editou portaria que limitava as situações que configuram trabalho escravo contemporâneo, dificultando a fiscalização. O governo Temer voltou atrás depois da péssima repercussão da medida. O político foi citado na Operação Registro Espúrio, que investiga fraudes na concessão de registros sindicais. Nogueira engrossa o cordão dos religiosos no governo: é pastor da Assembleia de Deus. 

POSSÍVEL REVISÃO

O Conselho Federal de Medicina afirmou ontem que poderá rever a norma que autoriza profissionais a realizarem atendimentos pela internet. A posição saiu depois de uma reunião com 27 presidentes de conselhos regionais de medicina; ao menos 11 entidades haviam divulgado notas criticando a decisão. O CFM vai receber sugestões para “aperfeiçoamento da norma” nos próximos 60 dias.

E editorial da Folha de hoje elogia a decisão do Conselho: “Poucas atividades humanas se beneficiaram tanto da tecnologia quanto a medicina. Seria um desperdício, com efeito, se normas do exercício da profissão antepusessem obstáculos ao próximo passo nessa marcha, a telemedicina.”

REPROVADO

A Fiocruz reprovou a eficácia de testes rápidos para diagnóstico de dengue, zika e chikungunya que foram comprados pelo Ministério da Saúde da empresa Bahiafarma. O laudo foi feito depois que cinco estados reclamaram do produto e ficou pronto em dezembro. Agora, os testes vão se estender a lotes distribuídos em todo o país. A Anvisa também foi acionada. O Ministério comprou os testes da empresa duas vezes. A primeira, em 2016 (já na gestão Ricardo Barros), foi “a toque de caixa”, define o Estadão. Custou R$ 119 milhões. A segunda compra, cujos produtos estão sendo investigados, foi feita em 2017 no valor de R$ 162,5 milhões.   

FERIDAS ABERTAS 

Para as mulheres que sofreram violência, o risco de morrer por homicídio ou suicídio é 151 vezes maior do que na população feminina em geral. A estatística foi levantada pelo Ministério da Saúde com base nos registros de atendimento a vítimas de agressões nos serviços de saúde públicos. As mais vulneráveis são as mulheres com mais de 60, com risco 311 vezes maior de um desfecho trágico. Em seguida, as mais vulneráveis são as meninas com menos de nove anos (256). Os dados se referem ao período entre 2011 e 2016 e foram produzidos a partir de um cruzamento dos sistemas de informações sobre mortalidade e agravos. E as estatísticas podem piorar. “Desde 2018 estamos identificando um aumento significativo da violência contra mulher, incluindo meninas menores de 10 anos e adolescentes”, afirma a coordenadora do estudo, Maria de Fátima Marinho, à Agência Pública. “A situação está preocupante, parece que a violência de gênero e agressão sexual contra mulheres e crianças estão liberadas”, acrescenta.

E um estudo feito pelo Instituto do Cérebro do Rio Grande do Sul indica que crianças expostas à violência sofrem alterações no funcionamento do cérebro. Foram selecionadas cerca de 70 crianças, de dez a 12 anos, todas estudantes de escolas públicas de bairros violentos de Porto Alegre. Depois de responderem a um questionário sobre exposição a maus tratos, elas foram submetidas a uma ressonância magnética e tinham que atribuir um estado mental (felicidade, cansaço, tristeza, etc.) a fotografias que enquadravam olhares de pessoas. A margem de erro, de 60%, foi considerada alta. Uma área do cérebro responsável pelo medo mostrou atividade acima da média nos estudantes. Testes nos cabelos identificaram níveis altos de cortisol (o que sugere estresse) entre as crianças vítimas de violência. Os pesquisadores concluíram que a violência afeta a cognição social. 

ESPETACULARIZAÇÃO

Capitalizar em cima da pauta moral vai ser a tônica para muitos parlamentares. O deputado federal Marcio Labre (PSL-RJ) conquistou seus cinco minutos de fama ontem, ao apresentar um projeto de lei para proibir o comércio, propaganda, distribuição ou doação da pílula do dia seguinte, pílulas de progestógeno, implantes anticoncepcionais e do DIU. Após pressão nas redes sociais, o parlamentar anunciou que retiraria o PL que tem como justificativa “a proteção de Deus”.

VAI CHOVER VENENO, LITERALMENTE

Em 2018, o Brasil bateu recorde de liberação de agrotóxicos. Foram aprovados 450 produtos, segundo o Ministério da Agricultura. Em 2017, haviam sido 405; em 2016, bem menos: 277. Nos anos anteriores, o número ficava na casa dos cem. A partir deste ano, porém, o quadro pode ficar ainda pior: até agora, já foram liberados 28. E em 27 de janeiro, mais de uma centena de pedidos de liberação foram apresentados.

ALTA 

Os planos de saúde fecharam 2018 com alta de 0,4% no número de clientes. É a primeira vez, desde 2014, que as empresas registram mais ganhos do que perdas do número de beneficiários.

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