Remendo ruim

Nos EUA, ações contra epidemia de overdoses incluem venda de dados pessoais e uma mudança que acabou piorando o uso de heroína. Leia também: uma crítica ao jornalismo de saúde, um mês sem Facebook e muito mais

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REMENDO RUIM

A epidemia de opiáceos nos EUA preocupa há anos. Não dá sinais de que vai melhorar tão cedo (hoje, são 130 mortes diárias por overdose), e várias investigações e reportagens têm mostrado que ela se relaciona diretamente com a prescrição excessiva de analgésicos. Por trás da epidemia está, como já comentamos algumas vezes, a Purdue Pharma, que produz o analgésico Oxycontin. Há evidências mostrando como a empresa incentivou a prescrição exagerada do remédio mesmo sabendo o quanto ele podia viciar. E mais do que isso: a família Sackler, dona da Purdue, considerava entrar no mercado de tratamento da dependência: fabricava uma crise lucrativa e também podia lucrar com a sua solução. 

Mas mesmo mudanças recentes na fórmula do Ocycontin (em 2010) para torná-lo menos viciante podem ter sido ruins em termos de saúde pública. A nova versão ficou mais difícil de ser esmagada ou ingerida por via nasal, como era comumente usada por dependentes. Então, depois de 2010, muitos mudaram para a heroína injetável. E aí cresceram as taxas de hepatite C em todo o país, além das mortes por heroína.

Os métodos para combater a epidemia não são aceitos por unanimidade, e alguns estão para lá de intrusivos. Hoje o site Politico fala de empresas reúnem dados a partir de pedidos de seguro, prontuários, registros de acomodações, e até informações sobre amigos, familiares e colegas de quarto dos pacientes. Tudo, é claro, sem o conhecimento e muito menos a permissão deles. Com base nisso, elas calculam o risco de determinado paciente ter problemas como dependência ou overdose de opiáceos. E vendem a informação para planos de saúde. A justificativa é que, com isso, médicos poderiam saber se seus pacientes podem tomar remédios para dor com opiáceos com segurança. Mas a prática assusta. Até porque a prática pode acabar sendo usada contra os pacientes, reforçando preconceitos e evitando que eles tenham acesso a remédios ainda que eles sejam necessários. 

NOS PLANOS

A resolução do CFM que permite atendimentos a distância foi bem aceita pelos planos de saúde. A matéria do Globo diz que alguns já oferecem serviços assim, e agora serão respaldados. Uma das dúvidas é se, nos planos que têm coparticipação (beneficiários pagam por parte das consultas e procedimentos) haverá cobrança, e se o serviço custará o mesmo que  a consulta presencial. Na reportagem, uma representante do Idec e um advogado alertam que o atendimento a distância deve ser uma opção do consumidor, e não uma imposição nem uma forma de dificultar o acesso ao atendimento presencial. A ANS vai precisar regulamentar esse tipo de atendimento, inclusive para que a visita presencial não fique sendo postergada. 

O PACOTE DE MORO

O ministro da Justiça e Segurança Pública apresentou ontem sua aguardada proposta de projeto de Lei Anticrime, contra a corrupção, a violência e o crime organizado (íntegra aqui). São 19 alterações em trechos de 14 leis, e o pacote vai ser enviado ao Congresso nos próximos dias. Prometendo o  endurecimento da legislação penal, ele levantou críticas. A maior é sobre a ampliação das hipóteses em que um crime cometido por um policial pode ser considerado legítima defesa. Fica isento de culpa o policial que “previne” a agressão a si ou a outros, ou que “previne agressão ou risco de agressão à vítima mantida refém”. E a pena vai poder ser reduzida à metade, ou pode deixar de ser aplicada, se o “o excesso decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção”. Quer dizer, em praticamente qualquer situação. Mas, segundo Moro, a mudança não significa “nenhuma licença para matar”. 

COM QUEM ANDAS

A informação é do Repórter Brasil: executivos autuados por infrações ambientais ou ligados a trabalho escravo doaram R$ 8,3 milhões para campanhas de um quarto do novo Congresso. São 148 parlamentares, incluindo Rodrigo Maia e Renan Calheiros, além de Onyx Lorenzoni  e Tereza Cristina, 

PENSAR O JORNALISMO

Nem toda pesquisa presta, e algumas prestam, mas não servem pra nada. Ainda assim viram notícias e muitas vezes viralizam. Em coluna de hoje na Folha, a jornalista Claudia Collucci reflete sobre (e se irrita com) isso. Ela parte daquela manchete que você certamente viu em alguma rede social (mas não aqui no Outra Saúde) sobre um estudo mostrando que bebedores de cerveja atraem mais mosquitos. Não é um “achado” novo (ela diz que há estudos desde 2002 tratando disso), e ainda por cima a pequisa não consegue demonstrar uma relação de causa e efeito. Ou seja: não muda nada na nossa vida. 

Mas há piores, ainda em se tratando de cerveja: as que, frágeis do ponto de vista científico, se esforçam por divulgar resultados positivos da bebida  na saúde. Além das fragilidades, tem ainda os conflitos de interesses, já que muitas vezes as pesquisas sobre álcool são financiadas pela indústria, e isso não aparece. Collucci escreve: “A pergunta que eu tenho me feito como jornalista de saúde é a seguinte: até quando vamos continuar reproduzindo estudos que não trazem impacto algum à saúde das pessoas, ou, quando trazem, é, em geral, negativo, fazendo alardes infundados porque, também, não conseguem associar causa e efeito? Por exemplo, aqueles que condenam alimentos como o ovo, o azeite, o leite, a farinha de trigo etc. Isso é fazer um jornalismo ético e responsável?”

FAKE CÂNCER

Um documentário lançado no ano passado está deixando os dentistas de cabelo em pé desde que entrou no Netflix, há um mês. Root Cause sustenta que vários problemas, desde depressão a câncer, podem se originar em infecções assintomáticas depois de tratamentos de canal. Bactérias ficariam presas e iriam para o resto do corpo. Associações de profissionais de odontologia escreveram às empresas de mídia pedindo que retirem o vídeo do ar. De acordo com elas, as pesquisas indicadas no documentário são de cem anos atrás, foram mal feitas e já foram desmentidas

NOS INTESTINOS

Os micróbios que habitam nosso intestino não são irrelevantes. Representam 2% do nosso peso e parecem ter influência não só sobre a saúde física, mas também sobre a mental. Ontem pesquisadores belgas publicaram na Nature Microbiology uma análise relacionando depressão com a ausência de algumas bactérias específicas no intestino. Eles analisaram fezes de mais de mil pessoas e observaram que duas bactérias escasseavam entre as que sofriam de depressão. A pesquisa sugere que as bactérias do intestino podem produzir compostos que interagem como cérebro (algo que já foi explorado em pesquisas com animais, mas ainda é incipiente com humanos).

UM MÊS SEM FACEBOOK

Na semana em que o Facebook completa 15 anos, um estudo bastante abrangente – realizado por pesquisadores das universidades de Stanford e de Nova Iorque e publicado no Social Science Research Network. – mostra seus resultados.  Participaram três mil pessoas, e metade delas desativaram suas contas por quatro semanas. Em média elas ganharam uma hora por dia (ou mais, nos usuários mais assíduos). As pessoas ficaram mais tempo offline , com amigos e parentes, ou vendo TV. Também se mostraram menos informadas sobre política do que antes. Em relação ao grupo de controle (as outras 1,5 mil pessoas que continuaram usando a plataforma), elas se mostraram de 5 a 10% menos “polarizadas” quanto a questões políticas.

Mas a novidade é que, ao contrário do que a gente muitas vezes imagina, ficar no Facebook não piora nosso estado de humor. Estudos anteriores apontavam uma relação nesse sentido, mas não se sabia o que causava o quê: será que o Facebook nos altera o humor, ou será que pessoas propensas a variações de humor tendem a usar mais a rede social? Esse novo estudo aponta na segunda direção porque, embora tenha havido um efeito positivo quanto ao estado de espírito e satisfação com a vida, ele foi bem modesto.

CONSULTA PÚBLICA

ANS começou a receber ontem contribuições para atualização de seu rol de procedimentos e eventos em saúde. 

DENGUE

Em São Paulo, os casos de dengue quadruplicaram em janeiro e chegaram a 4,5 mil. O número é cinco vezes maior do que o registrado em janeiro do ano passado. 

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