O efeito Lula no negacionismo presidencial

Horas após pronunciamento do ex-presidente, Jair Bolsonaro convoca evento-relâmpago sobre vacinas e, raridade, aparece usando máscara

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Uma cena muito estranha foi vista no Palácio do Planalto ontem à tarde: Jair Bolsonaro usou máscara em uma cerimônia. Não só ele, mas senadores e ministros que o acompanhavam. E, para completar, a cerimônia tinha a ver com vacinas – foi quando o presidentes sancionou leis que facilitam a compra de imunizantes contra a covid-19.

Nem é preciso dizer que a proteção facial não costuma figurar entre os acessórios do presidente e de seus correligionários, mas o G1 fez um levantamento que evidencia a raridade do episódio de ontem. É que a última vez em que Bolsonaro usou máscara em um evento oficial foi no dia 3 de fevereiro. De lá para cá, houve mais 36 agendas do gênero com sua participação, e em nenhuma o presidente cobriu o rosto.

Coincidentemente, o ‘novo’ Bolsonaro apareceu pouco depois do pronunciamento do ex-presidente Lula. Na verdade, a cerimônia sequer estava prevista na agenda oficial – foi convocada quatro horas depois da fala que marcou de vez o retorno de Lula à disputa política. Seu discurso, claro, incluiu várias críticas à atual gestão da pandemia: “Se Deus quiser, eu vou tomar a minha vacina. Não me importa de que país, não me importa se é duas ou uma só; sabe, eu vou tomar minha vacina e quero fazer propaganda pro povo brasileiro. Não siga nenhuma decisão imbecil do presidente da República ou do ministro da Saúde“, disse, por exemplo, apoiando a iniciativa de governadores de buscar vacinas por conta própria.

Claro que, como temos dito por aqui, Bolsonaro já vinha mudando um pouco o tom do discurso em relação a vacinas, por uma necessidade de recuperar sua popularidade. Mais cedo, ele disse a seus apoiadores, no jardim do Palácio da Alvorada, que não é negacionista… O retorno do adversário petista, porém, certamente exerce grande pressão extra. 

Só que, para Bolsonaro, a mudança de postura deve requerer um esforço realmente descomunal. Apesar da aparência contida ontem, ele não resistiu a mencionar como sempre a hidroxicloroquina, e continuou falando mal de medidas restritivas. A “política do lockdown, que começou no ano passado, não era pra salvar vidas, era para dar tempo aos hospitais se reequiparem”, declarou, dizendo que o “povo está sofrendo” e “está havendo abusos” com política de “fecha tudo”.  

Não é difícil só para ele. O filho Flávio pediu a seus seguidores, em uma linha de transmissão do Telegram, que viralizassem uma foto do pai com o texto “nossa arma é a vacina!”. Ao mesmo tempo, porém, postou um vídeo no Instagram criticando os questionamentos sobre ele e outras autoridades que foram para Israel sem máscara. “‘Ah a máscara, está sem máscara, está com máscara’. Enfia no rabo, gente, porra!

Programa mínimo

Na sua primeira aparição pública depois de recuperar os direitos políticos, o ex-presidente Lula não chegou a confirmar que é candidato às eleições do ano que vem, mas fez um discurso centrado na demonstração de que o Brasil não tem mais projeto de nação e que está disposto a dedicar os próximos anos a recuperar essa visão estratégica.

Na coletiva de imprensa concedida depois, uma repórter leu um fio feito no Twitter pelo ex-presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), no qual o político faz uma série de comparações entre Lula e Bolsonaro: “Lula tem visão de país, Bolsonaro só enxerga o próprio umbigo”. Perguntado se aquilo poderia abrir portas para uma articulação política que ultrapassasse os partidos de esquerda, o ex-presidente sugeriu o que seria um programa mínimo em torno do qual toparia conversar com Maia ou qualquer político de outro espectro ideológico: democracia, ‘vacina já’, auxílio emergencial e geração de empregos. “E se ele quiser dar um passo a mais e conversar sobre como tirar o Bolsonaro eu ‘tô’ mais feliz ainda”. 

O ex-presidente também afirmou que toparia conversar com o empresariado e disse que está ansioso para voltar a percorrer o país, mas perguntado sobre se faria isso depois de tomar a segunda dose da vacina, não cravou uma data, mas deu a entender que estava esperando a melhora do quadro pandêmico. Perguntado sobre a leitura que tem pipocado na mídia e avalia que seu retorno à cena política acirra a polarização com risco de o antipetismo levar a melhor e acabar dando a vitória a Bolsonaro em 2022, ele disse que o PT sempre polarizou, espera que continue polarizando e que mais deletéria ainda seria uma disputa eleitoral da direita com a direita.

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