Meio milhão de mortos e a reação nas ruas

No mesmo sábado em que dobramos nova esquina da barbárie, manifestações contra Bolsonaro se espalharam por 400 cidades

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No sábado, o Brasil chegou à revoltante marca de meio milhão de mortos por covid-19. É como se a população de Florianópolis tivesse sido dizimada. Ou, contabilizou a Folha, como se o país tivesse vivido em 15 meses o equivalente a oito genocídios, indo do cometido por forças sérvias na Bósnia na década de 1990 ao massacre da minoria muçulmana que vive no oeste de Mianmar em 2016.

Com 2,7% da população do planeta, concentramos 30% dos óbitos pela doença. Partindo dessa constatação, o epidemiologista Pedro Hallal calcula quantas mortes teriam ocorrido por aqui se tivéssemos um desempenho na média mundial. Não ótimo, não perfeito – só na média. A diferença entre esse número e o número real de mortes é atribuída por ele ao “mau desempenho” do Brasil no enfrentamento da pandemia. O mundo registrou 3,8 milhões de mortes pela doença no sábado, e 2,7% dessas mortes corresponderiam a 104 mil. Conclusão: 396 mil vidas poderiam ter sido poupadas.

E quantas mortes teriam sido evitadas em 2021 caso o governo federal tivesse comprado vacinas quando Butantã e Pfizer ofereceram acordos, garantindo dois milhões de doses por dia a partir de 21 de janeiro? A resposta é 251 mil mortes, levando em conta a projeção de 395 mil óbitos por covid este ano.

O Brasil é o segundo país do mundo a perder meio milhão de pessoas para a covid-19. Quando os Estados Unidos dobraram essa trágica esquina, em fevereiro, já tinham conseguido remover o negacionismo da Presidência. Se antecipando à marca, Joe Biden mandou abaixar todas as bandeiras a meio mastro e pediu que a população fizesse homenagem as vítimas com um minuto de silêncio. Por aqui, Jair Bolsonaro nada fez ou falou. 

Seu ministro das Comunicações, Fábio Faria – que planeja um telejornal na EBC “só com boas notícias”, no caso, notícias ao gosto do presidente –, reclamou de “políticos, artistas e jornalistas ‘lamentando’ o número de 500 mil mortos”

No governo, o ministro da Saúde foi o único a lamentar o meio milhão de mortes. O fato foi destacado. Mas Marcelo Queiroga está longe de ser um ponto fora da curva bolsonarista, e suas digitais na tragédia estão cada vez mais visíveis: documento obtido pela CPI junto ao Itamaraty mostra que em uma reunião com a OMS em abril, o ministro quis que a organização abrisse um diálogo com o Brasil sobre o “tratamento precoce” que ele mesmo admite não ser eficaz. Além disso, afirmou que Jair Bolsonaro é o “principal ativo” para o Brasil avançar no combate à pandemia.

Celso Rocha de Barros, na Folha, nos lembra que a única coisa capaz de pôr um fim a esse descalabro é a ação: “Bolsonaro deixou essa gente toda morrer por três motivos. O primeiro foi ideologia: uma desconfiança populista dos especialistas, aversão ao ‘globalismo’ da Organização Mundial de Saúde, ódio visceral dos chineses, a influência ideológica de Donald Trump e da direita radical americana, a dificuldade de encaixar problemas complexos do mundo real na retórica paranoica do bolsonarismo. (…) O segundo motivo foi cálculo eleitoral. Bolsonaro temia que as medidas de contenção da pandemia derrubassem a economia e ameaçassem sua reeleição em 2022. (…) Se os brasileiros se mostrassem um rebanho recalcitrante, Bolsonaro lhes ofereceria a falsa esperança de cura pela cloroquina. Mas o terceiro motivo pelo qual Bolsonaro mandou tantos brasileiros para a morte por asfixia é o que realmente deve nos preocupar como país. Foi porque nós deixamos.”

Foram maiores

Justamente no dia em que o país atingiu 500 mil mortes confirmadas por covid-19, brasileiros ocuparam as ruas de novo contra Bolsonaro. Os atos foram nitidamente mais volumosos do que os de maio. Segundo os organizadores, foram 750 mil manifestantes em cerca de 400 cidades – no #29M, haviam sido 600 mil pessoas em 200 cidades.

Só na Avenida Paulista, 100 mil pessoas ocuparam 12 quarteirões, nas estimativas da organização. Já a Secretaria de Segurança Pública – que fez as contas de 12 mil motos na última manifestação pró-governo – não contabilizou os manifestantes neste sábado.

O Brasil teve ontem sua maior média móvel de novos casos de covid-19 dos últimos 2,5 meses: 73,2 mil. Já os óbitos diários completaram cinco dias acima de dois mil – e nada menos que 150 dias acima de mil.

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