Impeachment: por que as ruas são indispensáveis

Aliado a Bolsonaro em troca de favores, cargos e verbas, Centrão pode engavetar superpedido de afastamento do presidente, apresentado ontem. Fica clara a necessidade de reforma política — e de pressão popular gigante, para encerrar genocídio

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O SUPERPEDIDO

De partidos da oposição e representantes de movimentos sociais a ex-bolsonaristas, 43 pessoas assinaram o superpedido de impeachment contra Jair Bolsonaro que foi protocolado ontem. O documento repete a argumentação de pedidos anteriores e apresenta novos elementos – o principal deles é a acusação de crime de prevaricação do presidente no caso das irregularidades na compra da Covaxin. Ao todo, são citados 23 crimes de responsabilidade.

Mas, numa postura que não chega a surpreender, o presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL) já sinalizou que não pretende fazer nada além de juntar o novo pedido aos outros 122 que hoje descansam em sua mesa. “Respeito a manifestação democrática da minoria. Mas um processo de impedimento exige mais que palavras. Exige materialidade“, declarou, embora a materialidade seja abundante.

Lira não é o único obstáculo, pois o pedido não é tão “super” quanto se gostaria: a articulação não inclui grandes partidos de centro-direita, como PSDB, PMDB e PSD. E os organizadores reconhecem que não há votos suficientes na Câmara, principalmente porque o Centrão ainda tem uma aliança vantajosa com Bolsonaro. Contando todos os partidos que assinam o pedido, incluindo os parlamentares ex-bolsonaristas, não se chega a 150 deputados. Para aprovação no plenário, são necessários 342 votos a favor – e, antes disso, ainda é preciso passar pela CCJ, presidida pela bolsonarista Bia Kicis (PSL-DF). O que pode aumentar a pressão sobre o Congresso, dizem os autores, é o povo nas ruas.

De Thiago Amparo, na Folha: “Ainda não houve impeachment por uma única razão: dismorfia institucional; nos olhamos no espelho e fingimos sermos uma democracia capaz de processar 516 mil mortes e seus responsáveis, mas não somos. Arthur Lira concentra poder ao ignorar 120 pedidos de impeachment, vejamos se será capaz de desprezar o último superpedido. Rodrigo Pacheco concentrava poder ao ignorar a CPI da Covid, que só existe porque o STF leu a Constituição. Augusto Aras concentra poder ao aplicar a Constituição do Império, e não a de 1988. O mesmo princípio que inventou o impeachment ilumina as atuais deformidades da nossa democracia: sobra concentração de poder, falta porosidade”.

MUITO A EXPLICAR

Foi antecipado para hoje o depoimento à CPI de Luiz Paulo Dominguetti Pereira, que denunciou à Folha o pedido de propina do Ministério para a compra de vacinas da AstraZeneca.

O responsável pela Davati Medical Supply nos Estados Unidos, Herman Cárdenas, deu informações escorregadias à imprensa. Ele confirma que a empresa fez uma oferta de 400 milhões de doses do imunizante ao governo brasileiro, mas diz que Dominguetti “não é representante ou funcionário” da companhia, e que o nome do denunciante foi incluído na oferta “porque nos pediram” (sem dizer exatamente quem pediu). Aliás,a Polícia Militar está agora investigando Domninguetti: ele é cabo da PM, mas militares da ativa não pode participar de empresas.

Cárdenas diz ainda que, após o envio da oferta, não chegou a haver negociação com o governo e ele não soube de nenhum pedido de propina. Mas e-mails obtidos pela Folha mostram que foi feita, sim, uma negociação formal.

O ministro da CGU Wagner Rosário confirmou que Dominguetti esteve no Ministério da Saúde e disse que vai abrir investigação.

Hoje seria o dia de a CPI ouvir Francisco Emerson Maximiano, dono da Precisa Medicamentos, mas a decisão de substituí-lo por Dominguetti veio depois que a ministra do STF Rosa Weber acatou o pedido de Maximiano para permanecer em silêncio. O presidente da Comissão, Omar Aziz (PSD-AM) disse que não vão tolerar “um outro Wizard” – o empresário entrou mudo e saiu calado da sessão de ontem.

BALANÇOU E NÃO CAIU

O ex-diretor de logística do Ministério da Saúde Roberto Ferreira Dias, acusado por Dominguetti de ter lhe cobrado a propina, já tinha uma atuação suspeita desde o ano passado. Em outubro, o então ministro Eduardo Pazuello chegou a decidir demiti-lo – mas, segundo O Globo, a exoneração foi revertida por pressão política. Davi Alcolumbre (DEM-AP), na época presidente do Senado, teria pedido para mantê-lo.

TENDÊNCIA DE MELHORA

Há tendência de melhora nas taxas de ocupação das UTIs no Brasil, de modo geral, segundo apuração da Folha: em 19 capitais, além do Distrito Federal, a demanda por leitos caiu ao longo da última semana.

O mais recente boletim do Observatório Covid-19 Fiocruz, divulgado ontem, confirma o respiro. Depois de  em março o mapa do país aparecer quase completamente vermelho (em zona de alerta crítico), hoje ele está, em boa parte, amarelado. São 15 estados nessa zona de alerta intermediário, com 60% a 80% das UTIs ocupadas. Entre eles estão Amazonas, Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul. Fora da zona de alerta, com menos de 60% das vagas cheias, estão Rondônia, Acre, Amapá e Paraíba. Apenas Tocantins, Paraná e Santa Catarina continuam no vermelho.

O estudo também sinaliza uma queda nos índices de mortalidade do país – o número de novos casos caiu mais ou menos 0,2% ao dia, enquanto as novas mortes caíram 2,5% ao dia. Os autores dizem que essa diferença pode ser explicada pela campanha de vacinação. Mas eles ressaltam que a circulação do vírus segue alta e deve continuar atingindo com força grupos não-vacinados e/ou mais expostos por vulnerabilidade individual e social.

DECEPÇÃO CONFIRMADA

Duas semanas após divulgar seus resultados preliminares, a farmacêutica alemã CureVac confirmou que os ensaios clínicos de sua vacina de mRNA foram frustrantes. A eficácia global ficou em 48%, só um ponto percentual maior do que a relatada anteriormente e muito abaixo das concorrente que usam a mesma tecnologia. Porém, excluindo-se os participantes com mais de 60 anos, o número subiu um pouco: 53% na prevenção de doença sintomática e 77% contra doença moderada e grave.

SINGELO ADIAMENTO

Recentemente, nossa editora Maíra Mathias contou, em reportagem d’O Joio e o Trigo, a longa saga do Brasil rumo à retirada de produtos com gorduras trans das prateleiras. Com 18 anos de atraso, a regulação começaria a valer hoje. 

Não vai mais: a Anvisa deu um jeito de atender – ao menos parcialmente – aos interesses da indústria de alimentos e óleos refinados, acendendo o sinal verde para que produtos com níveis perigosos de trans fabricados até ontem (30/06) possam ser comercializados até 31 de dezembro de 2022. O objetivo foi evitar “danos imediatos” aos fabricantes, que teriam que recolher seus produtos… O adiamento de um ano e meio para que eles se ajustem poderia fazer sentido se as novas regras fossem inesperadas. Só que elas foram aprovadas em 2019, após um processo regulatório que durou mais de 20 meses. O que não faltou foi tempo para adaptação. 

A propósito: o uso desse aditivo mata 500 mil pessoas anualmente, no mundo todo.

SALA DE CONVIDADOS

Hoje, às 11h, nossa editora Raquel Torres participa do programa Sala de Convidados, do Canal Saúde, para falar sobre comunicação na pandemia. A conversa é ao vivo e pode ser vista aqui.

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