Fila de cirurgias: ainda os efeitos da pandemia

• Cirurgias no SUS ainda têm tempo de espera maior que pré-pandemia • Deputado do PL na Comissão de Saúde da Câmara • Conselhos em disputa? • Zolgensma, o remédio mais caro • Hospital oncológico de Gaza destruído por Israel •

Foto: Divulgação/Ministério da Saúde
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O jornal O Globo desenvolveu uma ferramenta de monitoramento do tempo médio de espera por uma cirurgia no SUS a partir de dados disponibilizados pelas secretarias estaduais e atualizados no SISREG. Segundo o jornal, o tempo de espera por um procedimento continua superior à pandemia, o que confirma predição de especialistas de que a incúria do governo Bolsonaro com a crise sanitária que matou ao menos 712 mil brasileiros criaria um problema adjacente a respeito da demanda represada por tratamentos e serviços de saúde variados.

O jornal informa que o tempo médio de espera chega a 52 dias, 20 a mais do que no pré-pandemia, mas alguns procedimentos mostram queda na espera, a exemplo da cirurgia de redução do estômago (bariátrica), realizada em pessoas obesas, que leva 62 dias para realização. Em sua análise, o jornal desconsidera o desfinanciamento do SUS no período observado, com notória redução de profissionais, equipes da atenção básica e programas como o Mais Médicos, fatores que poderiam evitar adoecimentos e, consequentemente, aumento da demanda por intervenções cirúrgicas.

Governo organiza respostas à demanda por cirurgias

Recém-lançado, o programa Mais Acesso a Especialistas visa atacar diretamente  a espera por procedimentos no SUS, inclusive através de sua prevenção, uma vez que uma maior rapidez entre a atenção básica e um consulta com especialista pode evitar o desenvolvimento de quadros mais graves. O Ministério da Saúde ainda afirma que em 2024 houve recorde na realização de cirurgias eletivas no sistema de saúde, com aumento de 37% frente a 2022. No entanto, tais procedimentos são, em geral, os menos urgentes. A pasta não informou a situação das cirurgias não eletivas, isto é, aquelas que se referem a tratamentos de condições mais graves ou emergenciais.

Em relação ao Mais Acesso a Especialistas, as fontes ouvidas pelo Globo são unânimes em defender a ampliação de investimentos públicos na contratação de profissionais. Isso significa ampliar o alcance dos serviços de média e alta complexidade e atrair especialistas que costumam ganhar mais na rede privada. Além disso, há uma necessidade de atualização dos dados do SUS, uma vez que, como alerta a pesquisadora Marília Louvison, há uma parte das pessoas cujos nomes continuam na lista de espera, mas que na realidade já pagaram pelos procedimentos em serviços particulares.

“Entusiasta das emendas”: quem presidirá a Comissão de Saúde da Câmara

Em entrevista à Folha, o próximo presidente da Comissão de Saúde da Câmara dos Deputados se definiu como um “entusiasta das emendas”. O deputado Zé Vitor (PL-MG) expressa a visão de mundo que está por trás da colonização do orçamento do SUS pelos parlamentares. Em sua opinião, o Ministério da Saúde (MS) tem “muito dinheiro para pouco resultado”. Por sua vez, os parlamentares teriam “uma visão mais detalhada, principalmente no interior do país, e muitos serviços só acontecem graças às emendas”. 

Ele apoia a indicação de recursos pelos líderes das bancadas, mecanismo criticado pelo STF. Mas faz acenos ao governo ao dizer que concordaria com a destinação de emendas a programas federais, como o Mais Acesso aos Especialistas. Zé Vitor diz ainda que deseja apoiar os hospitais filantrópicos e APAEs. Suas declarações sugerem pouca proximidade com o projeto de um SUS 100% público e com distribuição democrática e equânime de recursos.

Guerra entre os conselhos profissionais da saúde?

Nos últimos anos, têm sido amplamente questionadas as manobras do Conselho Federal de Medicina (CFM) para “assegurar as prerrogativas médicas”, diretriz carregada de um espírito de reserva de mercado e de uma intenção de pôr os médicos acima dos demais trabalhadores de saúde. Agora, os conselhos profissionais das demais áreas parecem estar reagindo. 

O Conselho Federal de Farmácia publicou uma resolução autorizando os farmacêuticos que possuam o Registro de Qualificação de Especialista (RQE) em Farmácia Clínica a prescrever medicamentos. Por sua vez, o Conselho Federal de Odontologia se prepara para editar uma resolução habilitando os dentistas a realizar cirurgias plásticas na região da face. Ambas as propostas receberam forte reação das entidades médicas.

Mas o fenômeno pede a reflexão: trata-se de um esforço legítimo desses profissionais para ampliar seu campo de atuação – e questionar o exclusivismo dos médicos – ou de uma ofensiva corporativista generalizada, onde impera o “cada um por si”?

Saúde chega a acordo sobre o “remédio mais caro do mundo”

Apresentado como o medicamento mais caro do mundo, o Zolgensma promete a cura da atrofia muscular espinhal (AME), doença degenerativa que afeta 0,01% das crianças recém-nascidas, segundo estatísticas. Em 2023, teriam nascido 287 crianças com tal condição, num universo de 2,87 milhões de partos. Desenvolvido pela Novartis, o remédio chagaria ao Brasil por um preço de R$ 7 milhões, o que foi um dos cernes da discussão do “rol de tratamentos” da saúde suplementar, que causou intensas disputas entre seguros de saúde e seus usuários em 2022. No final, o STF decidiu pelo rol exemplificativo frente ao rol taxativo, isto é, proibiu a fixação de uma lista prévia de tratamento a serem cobertos pelos planos privados.

Aprovado pela Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde), o Zolgensma supera o preço máximo de um remédio, arbitrado pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED). Disposto a garantir a terapia, que precisa ser ministrada logo nos primeiros meses de vida da criança, o Ministério da Saúde negociou com a Novartis que o pagamento se dará de acordo com o resultado. O laboratório afirma que o remédio tem condições de curar a doença que afeta o desenvolvimento neuromuscular e diminui drasticamente a expectativa de vida de seus portadores. O Outra Saúde tratou do tema em matéria com coletivos de mães de crianças com AME aqui e aqui.

Único hospital oncológico de Gaza é demolido por Israel

Nesta sexta-feira (21/3), Israel destruiu o único hospital de câncer da Faixa de Gaza. De acordo com a Al Jazeera, o Hospital da Amizade Turco-Palestina possuía estrutura para tratar até 30 mil pacientes oncológicos por ano. Desde novembro de 2023, quando foi atingido pela primeira vez pelos mísseis israelenses, o hospital passou por momentos em que operou de forma apenas parcial ou teve suas atividades totalmente interrompidas. 

O governo da Turquia, que financiou sua construção e modernização, criticou Israel seguidas vezes por transformá-lo em um alvo de suas bombas desde o início da guerra. Agora, já não há mais hospital – um vídeo, disponível na reportagem da rede catari, mostra uma bola de fogo envolvendo sua estrutura, completamente demolida. A destruição da rede de saúde de Gaza, já destacou um relatório da ONU, é peça central dos crimes de guerra e contra a humanidade cometidos pelo Estado de Israel contra os palestinos.

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