Atrofia muscular espinhal: “nossa luta é pelas próximas gerações”

Uma líder das famílias que cuidam de crianças em condições especialíssimas relata sua batalha quase invisível e suas esperanças – nos medicamentos prometidos pela ciência e no avanço da Saúde pública

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“Os médicos diziam que tínhamos um bonequinho de pano e deveríamos ir pra casa aproveitar, pois ele não deveria sobreviver mais de um ano. De fato, era isso que apontava a literatura médica da época”, conta Suhellen Oliveira, mãe de Lorenzo e Levi. Seus filhos estão entre as crianças – uma entre cada 300 mil nascidas vivas – que desenvolve Atrofia Muscular Espinhal (AME). A doença, degenerativa e de origem genética, é especialmente grave quando se manifesta no início da vida. Provoca a morte dos chamados “neurônios motores”. Afeta, além dos movimentos, os órgãos internos. Costumava exigir ventilação mecânica e sondas em todo o corpo. As condições de sobrevivência de seus portadores têm avançado rapidamente. Antes de 2018, a expectativa de vida mal passava dos dez anos. Agora, um novo fármaco, o zolgensma – incluído no rol do SUS e tido como “o remédio mais caro do mundo” – promete inclusive curá-la, se aplicado até os seis meses de vida. Sua primeira dose foi ministrada no Brasil em junho, num hospital pediátrico do Piauí.

Mas os progressos futuros não reduzem as agruras das famílias obrigadas a lidar com a condição – em especial, as mães. Algumas vão à luta. Suhellen tornou-se presidente da Associação de Amigos de Portadores de Doenças Neurodegenerativas. Na última quinta-feira (13/9) ao falar ao  Pulso, programa de entrevistas do Outra Saúde, ela expôs um pouco mais da vida invisível das pessoas dominadas pelas tarefas de cuidado.

“O Lorenzo foi fruto daquela coisa planejada, sonhada. Com cerca de 5, 6 meses começamos a notar falta de desenvolvimento motor. O pediatra encaminhou a um ortopedista e aí começou nossa saga, quando se constatou a AME. Na época não tinha terapia medicamentosa, só cuidados paliativos a fim de tentar fazê-lo viver o melhor possível. O primeiro ano foi o mais difícil, pois são muitas internações e intervenções precoces. 

Ao ouvir que o destino de sua vida de mãe estava selado, Suhellen não se conformou e foi em busca de soluções. Em tempos menos conectados, correspondeu-se com pessoas que viviam história semelhante, trocou experiências, adquiriu conhecimentos, rodou o Brasil e visitou os poderes públicos a fim de obter apoio. “Ligava por interurbanos, trocava e-mails e às vezes nos encontrávamos com outras famílias. Depois, minha visão se ampliou, até porque tivemos acolhimento de equipes de saúde. Foi muito difícil pra nós, mas daqui a 5 ou 10 anos tudo será diferente. Seguimos nosso ativismo”, contou.

Em 2019, veio sua segunda gravidez. Desta vez, já se sabia que o teste do pezinho podia detectar a AME, o que de fato se deu com Levi, hoje com três. “Foram sensações misturadas. Nos exames de pré-natal, veio a notícia de que ele também tinha AME. Foi até mais difícil do que na primeira vez, como mulher e mãe. São questões emocionais e sociais. Outras mães atípicas podem entender; aos poucos, mais gente também – mas são muitas barreiras, preconceitos, dificuldade de acesso à saúde, escola, lazer… É difícil, mas não podemos ficar presos num quarto”.

As reminiscências de Suhellen deixam evidente que há um imenso sofrimento por trás do cuidado. Como mostrou matéria anterior de Outra Saúde, a AME é uma doença que requer cuidados excepcionais e hoje nem o sistema público nem o privado conseguem atender a 100% das necessidades. Infelizmente o público ainda não é suficiente, principalmente em cuidados especializados. “Já existem leis, mas não necessariamente a política implementada. Alguns estados avançam mais que outros”. Enquanto isso, “os convênios cada dia mais fecham as portas para nós”.

Tudo redunda não só num desgaste físico e psíquico como também em altíssimos gastos financeiros, como explicou Suhellen. “Na segunda gravidez entrei numa depressão muito grande, nem conseguia falar… São tantas e tantas mulheres sobrecarregadas de trabalho físico, ficam doentes mental e fisicamente, e não têm acesso a um cuidado. A saúde pública não tem condições efetivas de dar esse apoio, psicólogos, psiquiatras. Ficamos ao léu, por nossa conta. Aos poucos, vamos deixando as coisas passar, os sonhos ficam de lado…”

A ciência tem aberto novas perspectivas. Aliado a isso, o diagnóstico precoce é chave para se garantir possibilidades maiores de vida aos portadores AME. Para Suhellen, se o presente não é o melhor possível, vale a pena garantir que o futuro seja diferente. 

“Nossa luta é pelas próximas gerações. Nossos filhos não vão gozar desta evolução, mas nosso trabalho vai legar uma situação melhor para os que virão”.

Confira a entrevista completa com Suhellen Oliveira.

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