Fala o novo diretor da OPAS

Eleição de Jarbas Barbosa, em meio à tentativa de desmonte da Saúde Pública no Brasil, revela resistência e prestígio do movimento sanitarista brasileiro. Ouvido por Outra Saúde, ele revela seus planos e afirma: é preciso multiplicar sistemas como o SUS

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O médico brasileiro Jarbas Barbosa da Silva Jr. foi eleito o novo Diretor da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), durante a 30ª Conferência Sanitária Pan-Americana. Especialista em Saúde Pública e Epidemiologia pela ENSP/Fiocruz, Barbosa vem liderando esforços dentro da Opas para garantir o acesso equitativo às vacinas contra a covid-19, uma realidade ainda desafiadora em países subdesenvolvidos. 

Barbosa teve seu primeiro cargo na Opas em 2007, quando ingressou como gerente da Área de Vigilância em Saúde, Prevenção e Controle de Doenças e ficou até 2010. Entre 2015 e 2018, o médico regressou ao Brasil e assumiu a diretoria da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), para depois retornar à Opas em 2018. 

Agora, Barbosa assume a diretoria em um momento especialmente delicado para a saúde na América Latina e no Caribe. Enquanto alguns países ainda não conseguiram garantir uma boa cobertura vacinal contra a covid-19, o recuo da pandemia apresenta novos desafios para as nações – como o cuidado com aqueles que têm sequelas da doença e o atendimento a pacientes que não puderam acessar tratamentos para outras enfermidades de maneira correta durante a pandemia. No cenário já desafiador, outros dois problemas devem ser somados: a baixa histórica da vacinação infantil e o avanço das doenças não-transmissíveis

Em entrevista para o Outra Saúde, o diretor Jarbas Barbosa falou sobre os planos e perspectivas para os próximos cinco anos à frente da Organização Pan-Americana da Saúde. 

O senhor tem trabalhado com a OPAS desde 2007. Quais foram, em sua opinião, as questões mais latentes para a saúde no continente? 

No primeiro período, de 2007 a 2009, nós tivemos a pandemia da influenza H1N1, que foi um desafio tremendo para toda a região. Agora, tivemos a pandemia de covid-19. Eu espero que nesse próximo período, no qual vou começar como diretor em fevereiro, nós não tenhamos outra pandemia. Mas isso é imprevisível. Portanto, temos que estar preparados. Precisamos apoiar os países para que cada capacidade de contenção nacional melhore, com o objetivo de promover rápidas detecções e respostas adequadas a uma nova emergência de saúde pública. É essencial também implementar lições que aprendemos com a pandemia: melhorar o sistema de saúde e torná-lo mais resiliente, além de recuperar os impactos negativos produzidos pela própria pandemia nos programas prioritários de saúde pública, como no programa de vacinação, no controle de doenças crônicas não transmissíveis, atendimento a saúde mental e outros. Essa será uma agenda importante para os próximos cinco anos. 

Pesquisas recentes vêm apontando para o baixo índice de vacinação no continente, especialmente para doenças antes consideradas controladas. Quais devem ser os passos da OPAS em sua gestão para lidar com essa questão e recuperar os números? 

Os índices de adesão às vacinas na região infelizmente vinham diminuindo desde 2016. Isso foi agravado na pandemia, quando estimamos que até 23% das crianças na América Latina e no Caribe atrasaram o seu esquema de vacinação. Enfrentar esta situação precisa ser uma prioridade. No ano passado, os países da região aprovaram uma resolução muito importante para revigorar os programas de imunização e estamos desenvolvendo um pacote de intervenções. Mas, sem dúvida nenhuma, essa questão passa também por uma valorização política: os governos precisam se comprometer mais com a vacinação. Infelizmente, houve uma percepção geral de que essas doenças estavam sumindo para sempre, o que não é verdade. Então a garantia que nós temos de que a pólio não volta, de que o sarampo não vai ser mais o que era, será possível se combinarmos uma boa vigilância epidemiológica junto da garantia de coberturas vacinais elevadas e homogêneas. Ou seja, que todos os grupos populacionais tenham um alto índice de vacinação. 

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recentemente alertou sobre o aumento da incidência de doenças não transmissíveis e crônicas no mundo. Inclusive, o relatório da organização relaciona esse fenômeno à deterioração econômica. Como a OPAS poderá intervir nesse sentido? Qual a importância de sistemas de saúde como o SUS nesse panorama do aumento das doenças não transmissíveis e crônicas? 

Sistemas de saúde de acesso universal como o SUS são a melhor resposta que a gente pode dar para as doenças crônicas. Isso porque eles garantem o acesso universal gratuito de todas as pessoas. As doenças crônicas hoje precisam ser trabalhadas em duas frentes, começando pela prevenção dos fatores de risco. O Brasil tem uma história muito vitoriosa, por exemplo, no combate ao tabagismo. Temos que aproveitar 30 anos de redução na prevalência do uso de tabaco entre adultos e expandir essa vitória para outras áreas, como a alimentação saudável e a rotulagem de alimentos, por exemplo, que já foi aprovada no Brasil dois anos atrás e vai entrar em vigor em 2023 para que as pessoas tenham uma informação mais acurada sobre os alimentos com alto teor de de sódio, de gordura e açúcar para, assim, passar a evitar esses alimentos. Ao mesmo tempo, temos que procurar responder àqueles que já têm doenças como hipertensão, diabetes, entre muitas outras. 

A Opas desenvolveu uma iniciativa muito importante chamada HEARTS, que já conta com projetos piloto em 23 países da região, inclusive o Brasil. Agora, eu acho que o grande esforço será transformar essa experiência bem sucedida em políticas gerais dentro da atenção primária da saúde. De cada 100 pessoas que têm hipertensão na América Latina e Caribe, só 50 sabem disso e só 25 têm a doença controlada. Se nós não mudarmos este quadro, vamos continuar a ter um elevado número de mortes preveníveis por doenças crônicas não transmissíveis. 

Temos a urgência de investir na atenção primária?

Exatamente, para fazer o diagnóstico cedo o controle, garantir o monitoramento e o acesso aos medicamentos. Isso é fundamental.

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