Para enxergar a luta global pela Saúde

Livro lançado no Abrascão reflete sobre os sistemas sanitários de todo o mundo, tensionados após o surgimento da covid. E descreve as lutas sociais para fortalecê-los, em confronto com a visão mercadológica que tenta engoli-los

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Uma das riquezas do Congresso da Abrasco, o Abrascão, é reunir pessoas uma vasta diversidade de atores sociais, em debates decisivos para os rumos da Saúde Coletiva no Brasil e no mundo. Essa sinfonia de vozes esteve presente numa mesa realizada nesta terça-feira – Saúde Global nas Sombras da Pandemia de Covid-19 – com a presença de expositores do Brasil, Colômbia, Argentina e Venezuela. Tratava-se do lançamento da 6ª edição do Observatório Global da Saúde, organizado pelo Movimento pela Saúde dos Povos. 

Além de seu coordenador global, Román Vega, estiveram presentes os membros do MSP Matheus Falcão, que também faz parte do Cebes, e Oscar Feo, professor da Universidade de Carabobo, da Venezuela. Uniram-se a eles Livia Angeli Silva, da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UFBA) e Damián Verzeñassi, diretor do Instituto de Saúde Socioambiental da Faculdade de Ciências Médicas da UNRosario, Argentina. Na variedade de sotaques, um olhar em comum: como fazer com que a Saúde seja um direito à população do Sul Global, reconhecendo seus determinantes sociais e lutando pela igualdade.

O Observatório Global da Saúde é um documento publicado periodicamente desde 2005, cinco anos após a criação do Movimento pela Saúde dos Povos. Reúne textos de autores do mundo inteiro, que analisam os sistemas de saúde e apresentam propostas baseadas no contexto global. Sua primeira edição trazia uma crítica à globalização, que falhava em trazer benefícios à redução das desigualdades, tão prometida. Nas publicações subsequentes, registrava-se a crise do capitalismo e o recrudescimento do neoliberalismo econômico, que continuava por impedir o acesso universal à Saúde e que se recusava a encarar a crise climática que despontava no horizonte. Em 2019, o roteiro estava pronto para a 6ª edição… até que veio a pandemia.

Como não podia deixar de ser, a crise sanitária causada pela covid-19 é o eixo que guia o Observatório Global da Saúde lançado em 2022, cujo subtítulo é “sob a sombra da pandemia”. Román deu o tom da urgência da publicação, ao ponderar que talvez o correto não fosse chamá-lo “observatório”, mas “acionatório”: um neologismo que carrega a necessidade da ação não-espectadora. O coordenador do MSP enxerga o documento como um instrumento que deve ajudar na luta pela saúde em todos os países onde é necessária. Oscar Feo dá um passo além, e afirma que o livro também é uma prova de que os povos já estão firmes na resistência contra o neoliberalismo. Mas frisa o fato de que, dos autores do livro, a maior parte é do Norte Global – e é preciso buscar reverter essa tendência no próximo Observatório.

A participação de Livia na mesa, inclusive saudada por pessoas que estavam assistindo, foi essencial para marcar a posição dos trabalhadores da saúde que estão em maior número: aqueles do campo da Enfermagem. Eles inclusive costumam ser a profissão mais numerosa em muitos países. Mesmo assim, estão em situação mais frágil que a de outras categorias. Livia destaca a desigualdade de condições entre os trabalhadores da saúde e enxerga a enfermagem em posição menos favorecida. Destaca que há condicionantes de gênero, raça e classe nessa disparidade – o que inclusive mostrou-se com mais clareza durante a pandemia. Mulheres, pessoas negras e pobres morreram mais que a média entre os profissionais de saúde. Todos esses são problemas globais que, para Livia, não podem ser enfrentados separadamente da luta pelo fortalecimento dos sistemas de saúde.

Em paralelo ao Observatório Global da Saúde nº 6, também foi lançado o projeto Corpoterritório, uma publicação argentina em formato de infográfico que relaciona problemas à saúde causados ao corpo humano com o extrativismo que prejudica o meio ambiente latino-americano (veja aqui). Apresentado por Damián, mostra como o avanço do desmatamento, da extração do petróleo e da mineração causam problemas não apenas para o meio ambiente como um todo, mas também são responsáveis por doenças que afetam as populações.

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