Grécia: o crime da Novartis e o modo de agir da Big Pharma

Propina paga por corporação suíça no país garantiu venda superfaturada de remédios e inflacionou preços em todo o sudeste da Europa. Multa de US$ 345 milhões encerra processo nos EUA – mas não repara danos causados aos povos atingidos

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Em 2016, o partido Syriza – Coligação da Esquerda Radical – iniciou uma investigação em seu governo que levaria a um escândalo internacional envolvendo a gigante farmacêutica Novartis. Na época, o parlamento abriu uma investigação contra 10 políticos da oposição, a maioria deles do partido conservador Nova Democracia – incluindo os ex-primeiros ministros Antonis Samaras e Panagiotis Pikrammenos – e outros do partido social-democrata Pasok. Ambos os partidos dominaram a política grega entre 1974 e 2015, quando o  Syriza chegou ao poder.  

Os parlamentares foram acusados de receber propina da farmacêutica Novartis para garantir que seus medicamentos tivessem uma posição privilegiada no mercado, com preços inflacionados. Em 2018, o FBI dos Estados Unidos contribuiu com as investigações, fornecendo ao governo grego depoimentos de ex-funcionários da gigante farmacêutica que revelaram o mecanismo de suborno utilizado para garantir o aumento dos preços e a compra preferencial dos produtos Novartis pelo Sistema Nacional de Saúde grego – inclusive durante os difíceis “anos da Troika”, quando a Grécia adotou duras medidas de austeridade para receber empréstimos do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Central Europeu. 

O envolvimento dos EUA no caso tem relação com o fato de que a Grécia é um país de referência para os preços de medicamentos em todo o sudeste da Europa e na Turquia. O que significa que o aumento do preço de um medicamento da empresa suíça – que compete o mercado europeu com outras farmacêuticas, incluindo as norte-americanas – no país iria produzir o mesmo efeito em vários outros Estados da região. 

Calcula-se que o rombo aos cofres públicos devido à compra inflacionada de produtos da Novartis tenha sido entre 1 e 3 bilhões de euros. Apesar das proporções que o caso tomou internacionalmente, o rumo da investigação mudou após a eleição do conservador Kyriákos Mitsotákis (Nova Democracia) em 2019, para o cargo de primeiro-ministro da Grécia. Dois dos acusados de seu partido foram exonerados, e um deles, Adonis Georgiadis, foi promovido a vice-presidente do ND e ministro do Desenvolvimento. 

O novo governo grego e seus apoiadores no parlamento acusaram o Syriza de ter aberto a investigação para perseguir opositores e ganhar popularidade visando a reeleição. Em entrevista ao jornal italiano Il Manifesto, a procuradora que assumiu o caso em 2017, Eleni Touloupaki, afirmou que a investigação se tornou particularmente difícil devido à “enxurrada de calúnias” de parte da imprensa do país, além de ameaças anônimas constantes. O governo de Mitsotákis interrompeu, por um decreto-lei, a investigação de corrupção no Ministério Público e tirou Touloupaki do caso. 

A procuradora foi acusada de abuso de poder e complô pelo atual governo, junto de alguns jornalistas que expuseram o caso e também foram envolvidos na acusação – entre eles o jornalista investigativo Kostas Vaxevanis. Todos foram absolvidos pela justiça

Após a denúncia do Departamento de Justiça dos EUA contra a Novartis por violação da Lei de Práticas de Corrupção no Exterior, a farmacêutica suíça concordou em pagar 345 milhões de dólares como multa indenizatória – que, inicialmente, eram 678 milhões. Enquanto isso, o parlamento grego decidiu, na semana passada, acusar novamente o ex-ministro da Justiça do Syriza, Dimitris Papangelopoulos, de tentar incriminar oponentes políticos ao levar adiante a investigação de propina envolvendo políticos gregos e a Novartis. 

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