Cuidado intermediário: lacuna a preencher no SUS

Um dos coordenadores da Frente pela Vida sustenta: além de defender Saúde Pública, é preciso inovar. Experiências no Brasil e em outros países podem ajudar a enfrentar o fosso entre a atenção primária e a alta complexidade

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“Precisamos de novos projetos. Quem não os tem, aplica os dos outros – às vezes, de sentido contrário a suas próprias convicções”. O psicólogo Túlio Batista Franco, um dos coordenadores da Frente pela Vida, sintetizou assim, ao final de uma entrevista a Outras Palavras (disponível no vídeo acima), uma de suas urgências. Ele anima-se com a recomposição do ministério da Saúde, sob Nísia Trindade, e a paulatina reconstrução das políticas que foram devastadas após 2016. Mas agora, pensa, é preciso inovar. Num país desigual e empobrecido como o Brasil, as maiorias que recorrem ao SUS têm carências antigas. Para atendê-las, é preciso ousadia: não bastará fazer mais do mesmo.

Há gargalos a atacar na promoção do direito à saúde e do bem estar social, diz Túlio, que é também professsor e diretor do Instituto de Saúde Pública da Universidade Federal Fluminense (UFF). Para ele, um dos desafios é superar o fosso entre a atenção primária e hospitalar, popularmente conhecida como de “alta complexidade”. Ao fazê-lo o SUS poderá ampliar sua presença do SUS nos territórios e avançar na economia do cuidado – um tema que será cada vez mais presente nas sociedades.

“Nosso sistema é polar”, considera Túlio. “Um polo é a atenção primária, da saúde da família, onde existem dos 240 mil agentes comunitários de saúde que vão aos domicílios, um modelo que encanta muita gente fora do país. E temos o outro polo, da atenção hospitalar. Há uma lacuna entre ambos, que chamo aqui de cuidados intermediários. Podemos investir em clínicas de leve e média urgência, que poderiam fazer a mediação entre atenção primária e hospitalar. Outros países adotam leitos de referência territorial, para prover cuidados cada vez mais comuns, especialmente com doenças crônicas não transmissíveis”.

Para o professor, o Brasil já tem condições favoráveis para avançar em tais cuidados intermediários. Há toda uma estrutura física já construída e subaproveitada. “São serviços de baixo custo e temos uma grande vantagem no Brasil: temos mais de 5000 hospitais de pequeno porte, de até 50 leitos, que são pouco utilizados, tem algo em torno de 30% de sua capacidade assistencial em uso. E seu uso não se basearia necessariamente em internações”, explicou no vídeo, em sintonia com sua última coluna no Outra Saúde.

Tulio explica que alguns países europeus já têm colocado em prática tal modelo, que tem tudo a ver com a própria preferência das pessoas: ser cuidado em casa, ou perto de casa, é melhor do que ficar dias em hospitais, tanto para pacientes como para familiares

“Em resumo: tudo que pode ser feito no território deve ser feito no território. É isso que o mundo debate hoje. O uso do hospital deve ficar reduzido a questões dependentes de tecnologia hospitalar. Atenção e internações domiciliares, hospital-dia, vários serviços de saúde mental podem ser feitos no território. Esses pequenos hospitais abrigariam uma rede de cuidados intermediários, que tem baixíssimo custo e alta eficácia, porque mantém as pessoas seguras e protegidas no domicílio. E se as pessoas se sentem protegidas, não vão recorrer a hospitais. Reduz-se internações e reserva-se hospitais para casos realmente necessários. Qualifica-se, assim, o gasto, e permite-se ampliação da assistência”.

No Brasil, algumas experiências começam a caminhar neste sentido. O próprio Tulio Franco publicou texto no Outra Saúde a respeito de um grupo de pacientes cardíacos monitorados por pesquisadores da UFMG. Em Recife o mesmo ocorre, através do projeto Minha Saúde Conectada, com o adendo de que parte do acompanhamento se faz a partir da telessaúde, o que se encaixa perfeitamente no avanço da digitalização da SUS, simbolizada no lançamento do Meu SUS Digital.

A luta pelo orçamento

Falar em ações de baixo custo em saúde não significa abrir mão de um orçamento capaz de encarar o desafio de promover um sistema de saúde público de qualidade. Tulio é enfático em defender os atuais pisos da saúde e da educação, atacados pela razão neoliberal de Estado.

“Temos que tratar a saúde com sua grandiosidade, com a envergadura que tem. Ela não pode, por exemplo, entrar no escopo de déficit fiscal zero. Não deve entrar em arcabouço fiscal, precisa ser tratada de forma diferenciada, pelos benefícios que traz e também pelos sacrifícios a que foi submetida recentemente”.

Para a edificação de um sistema eficiente de ponta a ponta, que avance nos cuidados intermediários propostos por Tulio Franco, é necessário investir nos profissionais que fazem o SUS funcionar. O que não se faz com “austeridade” fiscal e o orçamento deformado .

“Investir não significa necessariamente comprar equipamento e máquina. As pessoas precisam de cuidado depois da alta hospitalar, elas precisam de continuidade. A questão da força de trabalho é crítica. Estamos perdendo profissionais. Os profissionais que ingressam no SUS adquirem muita experiência, dada a característica deste sistema. E estamos perdendo este profissional, que precisa de perspectiva de carreira, salários, saber o que será de sua vida aos 60 anos de idade. Saúde precisa de pessoas, tanto de trabalhadores como usuários. Dois terços dos gastos com saúde são com pessoal, não tem jeito. É assim que se produz saúde”, resume.

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