Saúde: ousar a construção criativa do futuro

Se 2023 foi um ano de reconstrução, chegou a hora de ir além. Sugestão: aposta nos Hospitais de Pequeno Porte, hoje subutilizados, pode aumentar oferta de serviços e causar impacto positivo importante – além de ser medida de baixíssimo custo

Créditos: Secretaria Estadual de Saúde de Alagoas
.

Por Túlio Batista Franco, em sua coluna no Outra Saúde

No ano de 2023, a gestão do SUS nacional recuperou políticas virtuosas dos governos democráticos e populares anteriores, Lula e Dilma. De grande sucesso, e com enorme impacto na saúde da população, vários projetos e programas destruídos após o golpe de 2016, voltaram à cena. Inaugurou-se um novo ciclo, que contou em paralelo ao incremento de projetos e programas, com o esforço hercúleo de recuperar a capacidade operacional do Ministério da Saúde. Um trabalho árduo e de sucesso fez com que as tensões próprias da política ficassem secundarizadas. O SUS novamente, “levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima”. Mostra a sua imensa resiliência. Um caminho progressista volta a ser trilhado, e nos fez iniciar o ano de 2024 mais esperançosos em relação ao futuro das políticas de saúde.

O Ministério da Saúde conviveu desde o início do governo com o assédio de políticos do “centrão”, que almejam ocupar este lugar de olho no seu orçamento. Além disto, os sinais da conjuntura apontam para o fato de que a disputa pelo país recrudesceu neste ano [2024], e os ânimos da mídia corporativa se voltam contra o governo e suas políticas. O SUS é a política inclusiva de maior magnitude. Generoso com a população, desafia de frente os preceitos neoliberais que se pautam pela concorrência. É um sistema solidário, que se consolida na micropolítica das relações comunitárias. Ele é e será sempre o alvo preferido dos neoliberais. A disputa pelo país prevista nas eleições presidenciais de 2026 se antecipa para 2024.

Os acontecimentos e cobranças em torno da política de saúde precipitam as urgências da gestão e da necessária mudança no modelo assistencial. A resposta a esta conjuntura tem que ser calibrada por enérgica vontade de mudança. Ousadia e Criatividade para construir o novo, ganhar escala nos programas e projetos, mobilizar a população, fazer o povo se apaixonar pelo SUS, ser ele também o protagonista na sua construção. Saber que ele é o melhor e maior dispositivo na defesa das suas vidas, funciona como um propulsor da atividade política dos movimentos sociais. É preciso impactar o cotidiano da população, para conversar com um projeto de futuro, e ter uma presença expressiva no legado desta gestão.

Longe de querer indicar o que fazer, o SUS é grande demais para prescrições pontuais, ou linearidade no pensamento sobre seu funcionamento. Ele anda em curvas, e nosso pensamento na gestão deve caminhar por fluxos para se adaptar às demandas de cada realidade. Mas, reconhecemos que há uma diversidade de experiências locais muito criativas. Uso da liberdade deste espaço, para falar de algumas que considero demonstrações de grande sucesso, já advertindo que certamente não são as únicas com estas características, mas é o que minha modesta visão alcança neste momento. Exponho aqui algumas experiências que podem servir para pensar políticas de grande envergadura e escala, capazes de ampliar seus efeitos para o território nacional.

Cito, por exemplo, os cuidados intermediários, que estão entre a Atenção Básica e Hospitalar, e são hoje uma grande lacuna no SUS. Poderiam ser instalados nos Hospitais de Pequeno Porte – HPP (até 50 leitos), preservando os serviços já existentes nestas Unidades. Há no país em torno de 5 mil HPP’s, presentes em todo território nacional, e que têm, segundo dados do Ministério da Saúde, taxa de ocupação em torno de 30 por cento, ou seja, subutilizados. Um Programa Nacional de Cuidados Intermediários poderia aumentar a oferta de serviços extraordinariamente, utilizando recursos já existentes, o que torna suas ações de baixíssimo custo, podendo ter alto impacto na oferta de serviços, com redução de internações desnecessárias e inadequadas.

Há estudos consistentes atestando sua eficácia em vários países da Europa, por exemplo, e com projetos encaminhados em alguns municípios no Brasil. Adicionalmente o uso de Tecnologias de Inteligência, como por exemplo as experiências de Telemonitoramento de Egressos nos termos da pesquisa realizada pela UFMG-UFF (ver no link Uma ideia para novos modelos de cuidado – Outras Palavras), e o Programa Atende em Casa de Recife, que faz uso de TI para acesso remoto aos serviços de saúde, de grande sucesso no enfrentamento da covid-19, e agora à dengue. Estas são algumas construções feitas no âmbito do SUS, localizados e que mereceriam ganhar o SUS Nacional, somando às ações e iniciativas já existentes obviamente, igualmente virtuosas.

O tempo para o SUS é o de permanente disputa de projetos. A boa resposta é a que consegue se conectar ao sofrimento e dor dos que o procuram, e oferecer o cuidado necessário. À excelente técnica na gestão soma-se a assistência, como dimensões indissociáveis. Rede na base social dos movimentos e no sistema dos conselhos de saúde a sua força para persistir, sempre.

Niterói, 2.4.2024

Leia Também: