Como recuperar a necessária diplomacia da saúde?

Brasil foi exemplo de tratamento e cooperação na pandemia de aids. Agora, não há esforço nem para compra de vacinas com países vizinhos. Mas o problema da falta de multilateralismo é global, e se acentua desde 2010. Será possível revertê-lo?

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O mundo vive um um retrocesso em termos de cooperação global. No início da pandemia de covid-19, durante o primeiro semestre de 2020, o temor pela falta de suprimentos fez os países ricos mostrarem os dentes. Os Estados Unidos interceptaram ao menos um carregamento de respiradores que estava indo da China à Alemanha, oferecendo mais dinheiro para obtê-los – “chegou a ponto de lembrar atos de pirataria”, escreveu Paulo Buss, coordenador do Centro de Relações Internacionais da Fiocruz. Um ano depois, em 2021, o Norte global concentrou vacinas e empenhou-se muito menos que o prometido em ajudar financeiramente iniciativas de solidariedade com países de baixa renda.

A falta de uma coordenação continental também desfavoreceu a América – continente onde mais pessoas morreram de covid no mundo – especialmente a Latina. O sociólogo Sebastian Tobar, também do Cris/Fiocruz, qualificou essa falta de multilateralismo na região como uma “letargia diplomática”. “Diferentemente de blocos regionais como a União Europeia ou a União Africana, que têm procurado negociar vacinas e estabelecer protocolos comuns para frear a expansão da pandemia, as iniciativas de integração regional da América Latina […] se limitaram a emitir comunicados e a apresentar propostas isoladas, com pouco potencial de impacto significativo no panorama epidemiológico da região”, disse ele à reportagem da revista Pesquisa Fapesp.

Não foi sempre assim, contam os pesquisadores. Nos anos 1990, após a aprovação da gratuidade da distribuição de remédios para o tratamento da aids e um grande investimento público, o Brasil conquistou uma posição importante de protagonismo e articulação global – que foi adotado como modelo pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O país também passou a colaborar com outras nações no enfrentamento da pandemia de HIV. 

O mundo passa por um momento de crise e retrocesso do multilateralismo, especialmente desde 2010, explicam os pesquisadores ouvidos pela reportagem. Eles atribuem essa dificuldade, entre outras coisas, à perda de legitimidade de entidades como a OMS e a Organização das Nações Unidas. Mesmo a Organização Mundial do Comércio (OMC), criada em 1994, caminha a passos muito lentos. Em um artigo escrito para a CartaCapital, Rosana Onocko, Luis Eugenio de Souza e Buss também criticam a falta de coordenação global. Lamentam a falta de equidade vacinal, mas também de outros determinantes sociais de saúde, como o acesso ao saneamento básico, à alimentação, à segurança e à habitação – especialmente no Brasil. “Vivemos um dos períodos mais tenebrosos da história. A reparação de séculos de injustiça só será possível com a criação de políticas públicas articuladas e extraordinárias”, afirmam.

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