Big Pharma quer controlar ensaios clínicos no país

Para ampliar os lucros e poderes da indústria farmacêutica, projeto de lei penaliza pacientes que se submetem a testes de medicamentos e terapias. Sistema brasileiro de controle – reconhecido internacionalmente – está em risco

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A regulamentação da realização de estudos científicos com seres humanos está em jogo com um projeto de lei cujo regime de urgência foi aprovado na segunda-feira (18/4) na Câmara dos Deputados. Trata-se do PL 7082/2017, que institui o Sistema Nacional de Ética em Pesquisa Clínica com Seres Humanos. Acontece que o órgão que regula os estudos com sucesso, atualmente, é a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), do Conselho Nacional de Saúde (CNS). E há muitos motivos para acreditar que a mudança poderá ser ruim à sociedade brasileira, a pessoas que colaboram com pesquisas e ao próprio Sistema Único de Saúde (SUS).

As mudanças parecem estar sendo impulsionadas pela sede de lucros da indústria farmacêutica. Isso porque o Brasil tem um sistema ético em pesquisas internacionalmente reconhecido como bastante avançado, segundo Laís Bonilha, coordenadora do Conep ligada ao CNS. A legislação já existente protege a população vulnerável, ao garantir que aqueles que se submetem aos ensaios tenham direito a receber o medicamento enquanto for necessário, mesmo após finalizado o estudo. Já a nova lei, se aprovada, relativiza essa proteção, estabelecendo um limite de cinco anos – ou até que o medicamento seja disponibilizado pelo SUS.

Hoje, o uso de placebo também é regulamentado, restrito apenas a pesquisas em que não haja medicamento semelhante para tratar o paciente. Caso haja, os responsáveis devem garantir que o grupo de controle receba os melhores tratamentos disponíveis. Ou seja, o paciente não pode ser deixado sem remédios enquanto acontece o ensaio. Já se o Conep for substituído por esse novo sistema, as regras se afrouxam e ficam mais uma vez vagas. Imagine, por exemplo, uma pesquisa com diabéticos que os deixe sem insulina, para avaliar o resultado de um remédio.

Há ainda outro ponto interessante a favor do Conep: o controle social do órgão. Ele é constituído por 30 membros, o que garante sua independência. Destes integrantes, 22 são indicados pelos Comitês de Ética em Pesquisa locais e oito indicados pelo CNS – dois deles a partir do ministério da Saúde. Já o novo PL pode corroer essa independência e abrir espaço para o lobby das empresas. Ele prevê apenas dez membros e deixa as regras para sua composição a serem definidas posteriormente, em decreto presidencial – o que abre chance a um grande risco para sua autonomia.

O argumento da indústria, como de costume, é que essa necessidade de proteção dos pacientes é cara demais e inviabiliza os estudos clínicos no Brasil. Segundo Laís Bonilha, isso simplesmente não é verdade. Os lucros dos investimentos em pesquisa clínica são altíssimos, podendo alcançar entre 40% e 42%. Se comparados ao lucro de uma farmácia, que varia de 2% a 4%, por exemplo, percebe-se sua exorbitância. Diante do pequeno número de cidadãos que participam de pesquisas, é um gasto mínimo que deve interferir muito pouco no lucro da big pharma.

Laís explica que é preciso espalhar informação para que o Congresso não deixe passar esse projeto de lei que só favorece as empresas. Afinal, o paciente que participa de estudos clínicos está trabalhando em prol da ciência e da sociedade – e deve ser recompensado por isso. É possível haver avanços científicos ao mesmo tempo em que a indústria garanta seu lucro e que a pessoa que participe do estudo tenha seus direitos garantidos. Diminuir a regulamentação não é a resposta.

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