Colômbia: uma saúde pública e participativa à vista

Serviços de saúde colombianos são privatistas e centrados na doença, aponta vice-ministro. Para superar o modelo, reforma de Petro prevê centros de atenção primária e comissões participativas por todo o país – mas sofre percalços para aprovação

Foto: Joaquín Sarmiento
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Uma das principais promessas da campanha vitoriosa que levou Gustavo Petro à presidência da Colômbia, no ano passado, foi a de superar de vez o modelo sanitário privatista que nega a milhões de colombianos o acesso à saúde ao mesmo tempo em que transfere uma grande quantidade de recursos públicos aos empresários da saúde. 

O ex-guerrilheiro e ex-prefeito de Bogotá acenou à população com a construção de um sistema de saúde público, participativo e de qualidade. Desde então, seu governo trabalhou para, por um lado, dar forma à proposta que seria apresentada ao Congresso da República, e por outro, construir maioria social e política em apoio à Lei da Reforma.

Em entrevista ao veículo WHO Watch publicada no canal do People’s Health Dispatch no último dia 11/7, o vice-ministro da Saúde Jaime Urrego esclareceu as bases da reforma da saúde pública que almeja criar um sistema similar ao SUS na Colômbia e expôs os problemas do atual sistema.

Escolhido ainda no início do governo para o cargo que ocupa, Jaime Urrego é doutor em Saúde Pública e professor da Universidad del Rosario – um especialista que, no Brasil, seria conhecido pelo título de sanitarista. Seus trabalhos prévios incluem iniciativas de saúde junto a povos indígenas e organismos como a OPAS e a FAO.

Ao destrinchar o funcionamento do sistema de saúde em vigor no país desde 1993, assentado na preponderância da iniciativa privada, Urrego também desmistifica a ideia de que ele tenha trazido tantos benefícios quanto se propaga. Ele explica “A Colômbia era apresentada como um modelo. Aqui, o Estado entrava com os fundos e cumpria um papel de direcionamento, e os fundos eram entregues às entidades promotoras de saúde (EPS)”, que são empresas privadas.

“A cobertura em saúde era interpretada como uma proteção financeira individual através de subsídios entregues às empresas em um modelo per capita. Para cada cidadão, há um valor nominal”, detalhou o colombiano.

Mas o balanço dessa estrutura não é positivo. “28 anos depois, ainda que a cobertura tenha aumentado mediante o mecanismo de subsídio, o que constatamos é que isso não se traduziu em uma cobertura sanitária universal em termos de acesso. Apesar de estarem cobertas, mais de 20 milhões de pessoas não acessam os serviços de saúde ou enfrentam grandes barreiras”, enumerou o vice-ministro. Outros países da América Latina cuja saúde pública, contraditoriamente, depende do setor privado enfrentam questões similares – como no caso do Chile, em que a superação do ineficaz sistema de saúde legado pela ditadura Pinochet foi uma das principais pautas dos massivos protestos de 2020.

Outro dos problemas do atual sistema de saúde colombiano que Jaime Urrego destaca é seu enquadramento no que se costuma chamar de modelo biomédico, ou centrado na doença. “É um modelo de seguros comerciais”, ele aponta. “A proteção financeira existe em caso de doença, mas quando se busca a atenção primária ou a prevenção, não. Se torna um sistema centrado na enfermidade, nos casos de alta e média complexidade e se abandonam os serviços primários”, completa o médico.

Os impactos são claros: “isso traz uma piora nos indicadores de saúde, complicações aos pacientes e custos mais altos [ao poder público] pela falta de prevenção e atenção primária”, avaliou Urrego.

Em contraste com tudo isso, a reforma de Petro aponta para um horizonte de políticas públicas muito mais sensíveis aos determinantes sociais da saúde e à participação popular. “Em termos de políticas públicas, teoricamente já deveríamos ter um foco nos determinantes sociais. Ainda assim, a reforma ressaltará isso e criará comissões nacionais, departamentais e territoriais com a participação de todos os setores e poder deliberativo, para trabalhar de maneira mais sobre os impactos dos determinantes sociais da saúde”, previu o vice-ministro.

Além disso, ele conta que “um dos eixos da reforma” será “instalar em todo o país centros de atenção primária e equipes que estejam junto aos locais onde o povo vive”, isto é, desenvolver uma estratégia de presença nas comunidades, a exemplo de sistemas como o de Cuba e do Brasil.

Porém, o caminho até a implementação da reforma ainda é longo – e deve contar com a obstrução da Associação Colombiana de Empresas de Medicina (ACEMI) e de deputados e senadores ligados a seu grande poderio. No final de maio, o projeto de lei (cujo texto pode ser lido aqui) foi aprovado em comissão parlamentar, mas sua apreciação pelo plenário do Congresso da Colômbia segue sendo protelada sem grandes explicações. 

O caminho até a conquista de um sistema de saúde verdadeiramente público na Colômbia, como na conquista do SUS no Brasil, muito provavelmente passará pela mobilização popular pela reforma. Felizmente, esta é muito estimulada pelo governo Petro.

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