Dois ataques de Bolsonaro às políticas de Saúde Mental

Retrocesso: governo segue a lógica manicomial e mina, aos poucos, as iniciativas criadas pela Reforma Psiquiátrica Brasileira. Abrasco e Cofen levantam-se contra um chamamento e uma portaria editados em março

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Duas medidas tomadas recentemente pelo governo Bolsonaro mostram como ele e seu entorno agem às escuras para atacar a política antimanicomial do Sistema Único de Saúde (SUS). São elas a abertura do Edital de Chamamento Público nº 3/2022 – que irá selecionar Organizações da Sociedade Civil (OSC) para prestar atendimento como hospital psiquiátrico – e a Portaria 596/2022 – que susta o Programa e o Incentivo Financeiro de Custeio Mensal para o Programa de Desinstitucionalização Integrante do Componente Estratégias de Desinstitucionalização da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). Entidades de Saúde como a Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva) e o Cofen (Conselho Federal de Enfermagem) fizeram a denúncia.

Na carta de repúdio lançada pela Abrasco, explica-se a ameaça. O edital tem o propósito de contratar hospitais psiquiátricos “nas modalidades de internação, e/ou hospital-dia, e/ou ambulatório e/ou pronto atendimento”. A crítica está no financiamento, com dinheiro público, de uma prática que isola a pessoa com problema de saúde mental em instituições – muitas vezes ligadas a igrejas. A abordagem vai contra evidências científicas e recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), que apontam para o caminho do cuidado comunitário em liberdade. 

O edital tem ligação direta com a portaria que extingue o financiamento do programa de desinstitucionalização da RAPS, editada no início de março. “A desinstitucionalização”, segundo a nota da Abrasco, “é uma política fundamental para criar estratégias de fomento às ações e serviços de saúde mental territoriais, fundadas nos direitos humanos previstos na Lei 10.216 [que estabelece os direitos e a proteção das pessoas acometidas de transtorno mental]”. Continua: “Enquanto vemos a Rede de Saúde Mental territorial desfinanciada, o governo federal privilegia os escassos recursos para modalidades exclusivas de internação como os hospitais psiquiátricos e as comunidades terapêuticas”.

A nota denuncia, ainda, a ausência completa de algum plano ou política para tratar a saúde mental após dois anos de pandemia – que causou graves danos tanto àqueles que contraíram a doença quanto a grande parte da população que teve de ficar privada da vida social ou teve piora nas condições de vida. No Congresso, a Abrasco cita a iniciativa do deputado Alexandre Padilha, que apresentou o Decreto Legislativo 66/22 para sustar a portaria que desfinancia o RAPS. Também apela para que o Ministério Público Federal e os Conselhos de Controle Social ajam para suspender o edital.

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