Bolsonaro, trabalho escravo e precarização total

Além de defender empregadores que escravizam, presidente começa a revogar normas de segurança nas empresas. Leia também: quando o HIV resiste aos medicamentos; Anvisa debate plantio de maconha legal

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Por Maíra Mathias e Raquel Torres

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TRABALHO ESCRAVO? ONDE?

Jair Bolsonaro, aquele do “bandido bom é bandido morto”, está incomodado com a dureza da penalidade para quem usa trabalho escravo. “De acordo com quem vai autuar ou não aquele possível erro da função do trabalho, a pessoa vai responder por trabalho escravo. E aí, se for condenado, dada a confusão que existe na Constituição no meu entender, o elemento perde sua propriedade. Esse cidadão vai perder a fazenda. Vão ele, netos e bisnetos para a rua, se não for para a cadeia. Quem tem coragem de investir num país como esse daqui?”, questionou ontem. “Temos que fazer com que ser patrão seja algo saudável no Brasil“, completou.

Como lembra Leonardo Sakamoto, durante as eleições, já no programa de governo ele propunha revogar a emenda constitucional 81/2014, que prevê o confisco dessas propriedades e sua destinação à reforma agrária e à habitação popular. Esta é, segundo Sakamoto, a principal legislação aprovada nos últimos anos para o combate ao trabalho escravo no Brasil. E, ironicamente, Bolsonaro votou a favor dessa emenda quando ela tramitou na Câmara.

O presidente também pediu que “haja uma definição clara sobre o que é trabalho análogo ao trabalho escravo, seja na Constituição ou por projeto de lei”. Ora. O Código Penal define como crime “reduzir alguém à condição análoga a de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto”. São consideradas condições degradantes de trabalho: jornada exaustiva (em que o trabalhador é submetido a esforço excessivo ou sobrecarga de trabalho que acarreta a danos à sua saúde ou risco de vida), trabalho forçado (manter a pessoa no serviço através de fraudes, isolamento geográfico, ameaças e violências físicas e psicológicas) e servidão por dívida.

PELA INSEGURANÇA

A fala sobre trabalho escravo aconteceu depois do anúncio das já prometidas restrições nas normas que regulamentam saúde e segurança do trabalho.  O processo começou oficialmente ontem, quando foram assinados atos que revisam as normas regulamentadoras (NR) 1 e 12, e a NR-2 foi revogada. As revisões vão ser publicadas hoje e entram em vigor em 45 dias. O objetivo do governo é aumentar a competitividade entre empresas e reduzir a burocracia. Nas palavras do secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, as regras atuais faziam o país virar uma “fábrica de criação de  obstáculos burocráticos de quem quer empreender”. As mudanças vão gerar uma “economia” de R$ 68 bilhões em dez anos. E Marinho afirmou que “ninguém tem” garantias de que as mudanças não resultarão em mais acidentes de trabalho.

A NR 2, que foi inteiramente revogada, tratava da obrigatoriedade da visita de um auditor fiscal de trabalho para abertura de uma empresa. Agora, a fiscalização se dará por amostragem. A revisão da NR-1 retira a obrigatoriedade de treinamento em mudança de emprego quando a atividade for a mesma. Já na NR-12, que trata de máquinas e equipamentos, foi retirada a necessidade de aplicar 30% do valor da compra de um novo equipamento para fazer adequações. 

MAIS UM CORTE

Foi numa edição extra do Diário Oficial, ontem à noite, que o governo federal anunciou o contingenciamento de mais R$ 1,442 bilhão. O ministério mais atingido é o da Cidadania, com R$ 619 milhões. É a pasta que englobou o antigo ministério do Desenvolvimento Social, responsável pelo Bolsa Família – dos R$ 4,9 bilhões previstos para o seu orçamento deste ano, R$ 1,3 bi já foi cortado. O segundo maior corte foi para a Educação: R$ 348 milhões. A pasta já perdeu R$ 6,1 bi dos R$ 25 previstos para 2019. O da Saúde teve, nessa leva, contingenciamento de R$ 6,9 milhões. 

ALARME

Pesquisas da OMS levaram a uma conclusão alarmante: nos últimos quatro anos, 12 países da África, Ásia e América apresentaram níveis acima do aceitável de vírus HIV resistentes aos dois principais medicamentos da terapia anti-retroviral (efavirenz e nevirapina). Nesses países, mais de 10% dos adultos com o vírus apresentaram resistência ao tratamento. Acima desse percentual, não é considerado seguro prescrever os mesmos medicamentos para o resto da população, porque o problema pode piorar. Uma das questões mais preocupantes foi o nível alto de resistência em bebês na África Subsaariana. Metade dos recém-diagnosticados em nove países da região tinham uma forma de HIV resistente a um dos medicamentos, ou a ambos. Por conta dos achados, a OMS recomendou que se use o dolutegravir como droga principal. No Brasil, este já é o medicamento mais usado

MERCADO PROMISSOR

A Anvisa já foi procurada por 20 empresas nacionais e estrangeiras interessadas em cultivar maconha por aqui. Canadá, EUA e Israel são os países que concentram a maior parte delas, segundo o Estadão. A startup brasileira The Green Hub estima que, na América Latina, o Brasil é o país com maior potencial de mercado nesse ramo – deve movimentar R$ 4,7 bilhões por ano. “É a indústria mais promissora de todos os tempos”, destaca seu CEO, Marcel Grecco. 

Hoje, o dia todo, tem audiência pública na Anvisa para discutir duas propostas que estão em consulta pública até o dia 19. A primeira trata dos requisitos para o cultivo da planta por empresas, e a segunda propõe os procedimentos para o registro e monitoramento de medicamentos produzidos a partir da planta. 

MUITO CIENTÍFICA

Na Agência Pública, um trecho do livro Uma verdade indigesta, de Marion Nestlé, conta como a Coca-Cola conseguiu deslocar o necessário debate sobre obesidade, escondendo o papel da indústria do açúcar e de refrigerantes nisso: “Foram identificados 389 artigos publicados em 169 periódicos de 2008 a 2016, ou diretamente financiados pela empresa, ou realizados por pesquisadores com laços financeiros com a companhia. De maneira geral, a conclusão foi de que, no controle do peso, a atividade física é mais efetiva que a dieta; os açúcares e os refrigerantes são inofensivos; as evidências contrárias estão erradas; e as pesquisas bancadas pela indústria são superiores às financiadas por outras fontes”. 

HISTÓRIA DO DESMONTE

O psiquiatra Pedro Delgado, que foi Coordenador Nacional de Saúde Mental do ano 2000 a 2010, falou ao Observatório de Análise Política em Saúde sobre as mudanças na Política de Saúde Mental. Na entrevista, menciona dados importantes, principalmente sobre a estagnação da implantação de CAPS: se entre 2003 e 2015 a média de criação de novos CAPS estava em 130 por ano, desde 2016 ela caiu para apenas 30. E afirma que “o retrocesso na política sobre drogas é o ponto mais sensível dessa catástrofe”. Os atores, segundo ele, são os mesmos nos governos Temer e Bolsonaro – com destaque para o ministro da Cidadania Osmar Terra. Mas, ainda no ano anterior à queda de Dilma, uma grande fissura aconteceu com a entrada de um ministro do PMDB, para ampliar a base de apoio parlamentar ao governo, e a nomeação de Valencius Wurch – que fora diretor do maior hospital psiquiátrico privado do país e era contrário à desinstitucionalização” para a coordenação da política.

E, no Rio… o governador Wilson Witzel afirmou que vai começar a “prender maconheiro na praia”.

SEGUNDO CASO

Mais um caso de ebola foi detectado em Goma, a segunda maior cidade da República Democrática do Congo. A notícia aumenta o medo de que a doença se espalhe, não só nessa cidade densamente povoada, mas por outros países, já que Goma faz fronteira com Ruanda.

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