Sobre vacinação em gestante e omissões do governo

Anvisa suspende o uso do imunizante Oxford/AstraZeneca em grávidas, mas Saúde furta-se de qualquer debate ou recomendação. Mais: o fiasco diplomático de Bolsonaro e o atraso da vacina. Os 22 mil que morreram à espera de leitos

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SUSPENSÃO

A Anvisa recomendou ontem à noite a suspensão imediata do uso do imunizante de Oxford/AstraZeneca em gestantes. O Ministério da Saúde disse ao Painel da Folha queinvestiga o caso de uma grávida que morreu depois ter sido vacinada; segundo o site Metrópoles, a mulher desenvolveu um quadro de trombose dias após a injeção. Mas ainda não se sabe se o problema teve a ver com a vacina. 

A nota da agência reguladora não cita essa morte, mas enfatiza que, na bula, não consta o uso em grávidas. Apesar disso, alguns estados haviam começado a oferecê-la depois que gestantes e puérperas foram incluídas pelo Ministério da Saúde nos grupos prioritários. 

Ensaios clínicos que estudam a segurança das vacinas em gestantes ainda estão em andamento, mas já existem alguns dados, mesmo que limitados. Estudos em animais com as vacinas da Moderna, Pfizer/BioNTech e Janssen não encontraram problemas; nos Estados Unidos, dados de mais de 90 mil grávidas vacinadas, principalmente com imunizantes de mRNA, não levantaram nenhuma preocupação relacionada à segurança. Mas, embora não haja nenhuma evidência de que as outras vacinas possam representar algum risco específico a essa população, também não há dados robustos apoiando o uso. Por isso, no Reino Unido, as autoridades recomendam que gestantes recebam os imunizantes da Pfizer ou da Moderna

Pelo mesmo motivo, alguns especialistas pediram que gestantes fossem vacinadas com as primeiras doses da Pfizer que chegaram ao Brasil. O governo federal, no entanto, não fez nenhuma indicação específica nesse sentido.

ATRASO À VISTA

Dez capitais haviam precisado interromper a oferta da segunda dose da CoronaVac por falta de vacina, e, sete conseguiram retomá-la. Mas a duras penas: as novas remessas enviadas aos estados ainda são insuficientes para chegar a todos os que estão com o regime atrasado. Em Recife, por exemplo, 21 mil pessoas precisam do reforço, mas apenas sete mil doses chegaram. 

O diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, disse ontem que não há entregas garantidas após o fim desta semana, pois o IFA ainda não foi enviado pela China: “Preocupa muito, porque o cronograma de vacinação, não neste momento, mas a partir de junho, poderá sofrer algum impacto“. O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), disse que insumos para a fabricação de 18 milhões de doses estão retidos na China por conta do “problema diplomático” gerado por Jair Bolsonaro na semana passada.

A Fiocruz, por sua vez, diz ter IFA suficiente para produzir vacinas até o início de junho, mas não sabe quando receberá nova remessa. 

RETRATO E TENDÊNCIA
 As mortes diárias por covid-19 no Brasil continuam diminuindo. Ontem foram 1.018, segundo o consórcio de imprensa. E, embora a média móvel esteja há 55 dias acima de dois mil, ela caiu 31% em um mês: ficou ontem em 2.087, contra 3.025 no dia 10 de abril. O desenho da curva brasileira agora é bem diferente da do ano passado, quando houve uma estabilização em cerca de mil mortes diárias durante três meses. Agora, após um tenebroso abril, o movimento é de inequívoca queda. 

O mesmo vale para as internações em UTI. O Observatório Covid-19 da Fiocruz, que em março mostrava um mapa do Brasil quase todo vermelho, indicando alerta crítico, agora traz uma imagem menos dura, com oito estados no alerta intermediário. Mesmo assim, ainda são nove os estados com mais de 90% das vagas de UTI para covid-19 ocupadas. E só Roraima e Paraíba estão fora da zona de alerta, com menos de 60% de ocupação. 

Mas o número de mortes e mesmo o de internações, sabemos, são um retrato tardio da incidência do coronavírus. E os especialistas estão preocupados com os locais onde os casos já pararam de cair ou mesmo voltaram a subir. Como Manaus: a ocorrência de SRAG (síndrome respiratória aguda grave) voltou a crescer. É uma retomada ainda tênue, como nota a matéria d’O Globo – se havia por lá 67 casos por 100 mil habitantes no auge da crise, depois eles chegaram a ficar abaixo de 10 e subiram para 11 no fim de abril. Só que a característica de toda curva exponencial é ser suave na base, e esse número pode tanto se manter estável como começar a subir rapidamente de novo. Para Jesem Orellana, epidemiologista da Fiocruz-Amazonas, o momento atual pode se assemelhar ao que a cidade viveu em setembro, quando o crescimento ainda era sutil e não se fez nada para contê-lo.

Na região Norte como um todo, o número de casos registrados de covid-19 vem caindo nos últimos 20 dias, mas tem havido desaceleração na queda, como observa Isaac Schrarstzhaupt, coordenador na Rede Análise Covid-19. Essa não é a região que mais o preocupa, porém. No Sul, essa reversão de tendência (a queda que começa a se converter em alta) desponta num momento em que a redução dos casos ainda não havia sido suficiente para acabar com a sobrecarga dos hospitais. No Nordeste, alguns estados mostram tendência de aumento, como a Bahia. No Sudeste os novos casos praticamente deixaram de cair; a estagnação vem em patamares elevados, com muitos pacientes internados; e, ao mesmo tempo, a mobilidade da população começou a subir rapidamente. Segundo a Fiocruz, apesar da estabilidade ou redução em muitos estados, a incidência de SRAG ainda é muito alta em todo o país. Em 16 estados, ela é maior do que 10 casos para cada 100 mil habitantes.

Em tempo: 439 dias depois da confirmação do primeiro caso no Brasil, o governo federal criou uma secretaria especial no Ministério da Saúde para lidar com a pandemia

FORA DO LUGAR

Desde o começo da pandemia, 22,4 mil brasileiros com covid-19 morreram nas UPAs depois de ficarem internados por dois ou mais dias nessas unidades. O dado é de um levantamento feito pelo Estadão e reflete a falta de acesso a leitos hospitalares.

As UPAs servem para fornecer o primeiro atendimento de emergência, mas elas não têm estrutura para internações longas: quando não há estabilização e alta em 24 horas, é preciso transferir para um serviço hospitalar. Isso é o que diz a resolução 2.079/2014 do CFM, que estabelece esse limite de tempo. O documento também proíbe a permanência de pacientes intubados em ventiladores artificiais nas UPAs. Quando há tal necessidade, deve ser feita a transferência para um hospital. Entre os pacientes que morreram, a média de internação nas UPAs foi de nada menos que 11,6 dias. Em alguns casos, chegou a mais de cem. 

Vale ressaltar que, embora possa ter sido agravado na pandemia, o problema das internações irregulares em UPAs já existia.

OUTRA FUGA

Eduardo Pazuello quer evitar de todas as formas depor na CPI, e os caminhos que encontra para isso parecem cada vez mais estranhos. Depois de alegar ter tido contato com infectados pelo coronavírus para adiar seu depoimento, o general da ativa quer comparecer ao colegiado na condição não de testemunha, mas de investigado. Para isso, a defesa do ex-ministro teria que conseguir um habeas corpus no Supremo – o que pode não acontecer. Como investigado, Pazuello pode permanecer calado. A estratégia preocupa o Palácio do Planalto, pois pode – e provavelmente vai – ser vista pela população como um  “atestado de culpa”. 

“Uma das apostasdo governo é que o próprio Exército consiga convencer Pazuello de recuar sobre a estratégia, sob o argumento de que isso poderia manchar a imagem das Forças Armadas. Eles devem, inclusive, vetar eventual intenção do ex-ministro de comparecer fardado ao colegiado”, apurou o Valor.

De qualquer forma, Pazuello parece se movimentar para sair das asas do governo. Segundo o Estadão, ele recusou cargo na Secretaria-Geral da Presidência. “O ato de nomeação chegou a ser assinado pelo ministro da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos, mas não foi publicado a pedido do militar”, diz o jornal.

Além disso, Pazuello estuda contratar o advogado criminalista Zoser Hardman, que atuou como seu assessor jurídico na Saúde, ao invés de seguir sendo representado pela Advocacia-Geral da União – que pela primeira vez na história, destacou uma equipe para orientar o depoimento de um ex-ministro.

QUEBRAS DE SIGILO

Senadores da CPI da Pandemia planejam pedir a quebras de sigilo do presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, e do ex-secretário de Comunicação da Presidência, Fabio Wajngarten. Ambos teriam dados telefônicos e telemáticos vasculhados, como e-mail e aplicativos de mensagens. No caso de Wajngarten, segundo o relator Renan Calheiros (MDB-AL), o pedido inclui a quebra de sigilo fiscal já que um dos objetivos é verificar se ele financiou a rede de apoiadores do presidente para propagar nas redes sociais ações sem base científica, como o uso da cloroquina para a covid-19.

E o Facebook atendeu ao requerimento do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), e liberou para a CPI a íntegra daquela reunião do Conselho de Saúde Suplementar na qual Paulo Guedes reclamou que os brasileiros querem viver mais de cem anos – o que deve ser útil não só para a comissão, mas para quem quer entender o contexto da consulta pública sobre a “integração” de planos de saúde e SUS durante a pandemia, que segundo a associação de servidores da ANS, pode ter sido debatida na ocasião.

ESSA SEMANA

O primeiro depoimento da semana acontece hoje a partir das 10h, quando os senadores ouvirão Antonio Barra Torres. Amanhã é a vez de Wajngarten e quinta-feira o colegiado questiona Carlos Murillo, que até janeiro deste ano era presidente regional da Pfizer no Brasil, e Marta Díez, atual presidente da farmacêutica no país.

Insatisfeitos com as evasivas de Marcelo Queiroga, os senadores do G7 devem reconvocá-lo. Ontem, Humberto Costa (PT-PE) apresentou um requerimento nesse sentido.

MAIS UMA CPI?

O escândalo da distribuição de R$ 3 bilhões para parlamentares aliados do Planalto também pode dar em CPI. Ontem o deputado Ivan Valente (PSOL-SP) iniciou a coleta de assinaturas. No caso da Câmara, são necessárias 171 para que a minoria tenha o direito de entregar o requerimento de abertura da CPI ao presidente da Casa, Arthur Lira (Progressistas-AL), que é um dos beneficiados do “tratoraço”. 

“A criação de orçamento paralelo com execução condicionada à indicação de parlamentares que votam com o governo configura verdadeira compra de votos e fere gravemente a autonomia do Poder Legislativo e a separação de poderes assegurada na Constituição”, diz o texto de Valente. 

Há também outras iniciativas. O próprio PSOL encaminhou representação contra o governo à Procuradoria-Geral da República e à Procuradoria da República no Distrito Federal. O líder da oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSB-RJ), anunciou ontem que vai apresentar representações junto ao TCU, ao MPF e à PGR. O Partido Novo entregou representação ao Tribunal de Contas da União. E o subprocurador-geral Lucas Rocha Furtado, que atua junto ao TCU, também já solicitou ao Tribunal que apure o caso.

Enquanto isso, o governo e sua base aliada resolveram responder ao escândalo com fake news. Afirmam que o dinheiro é de emendas impositivas a que todos os parlamentares têm acesso, e teria sido distribuído de maneira igualitária aos congressistas. “Não é verdade. Trata-se de um dinheiro paralelo ao reservado para as emendas individuais a que todos os congressistas têm direito – aliados e opositores – e que o Executivo tem a obrigação de pagar”, aponta o Estadão, que descobriu o esquema bilionário.

Uma boa ideia do que representam R$ 3 bilhões no orçamento público foi dada por Lucia Pellanda, reitora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, que mostra que, até agora, todas as 69 universidades federais só tiveram R$ 2,6 bi liberados para pagas as contas (luz, água, etc.). O total de recursos liberados para isso que só vem minguando ao longo do tempo, é de R$ 4,5 bi em 2021.

VARIANTE DE PREOCUPAÇÃO

A OMS decidiu classificar a variante identificada na Índia, a B.1617, como sendo de preocupação global. Segundo a líder técnica da resposta à pandemia do organismo, Maria Van Kerkhove, “existe alguma informação disponível que indica uma transmissibilidade acentuada”. Além disso, um artigo publicado em plataforma de pré-impressão (ainda não revisado por pares) sugere que há redução na atividade neutralizante dos anticorpos em relação a elas. No entanto, ainda não se sabe se escapa mais das vacinas disponíveis. 

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