“Austeridade” fiscal atrasa sanção do piso da enfermagem

Aprovado no Congresso por amplíssima maioria, após luta e pressão dos trabalhadores, projeto que fixa salário-base da categoria pode empacar devido a políticas que provocam falta de recursos

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O projeto de lei 2564/20, que define piso salarial para profissionais da enfermagem, não será encaminhado para sanção de Bolsonaro por enquanto. Aprovado por quase unanimidade – 449 votos a 12 – na Câmara de Deputados, em 4/5, sua entrada em vigor está sendo bloqueada pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), uma das trancas artificiais que bloqueiam os investimentos públicos. Tanto o presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL) quanto o líder do governo Ricardo Barros (PP-PR) alegam que, se for enviada ao Planalto como está, a lei poderá ser vetada. O governo demonstra má vontade com a valorização dos profissionais, e Barros orientou votação contrária ao projeto (não sendo atendido por seus “liderados”). Mas o impacto financeiro do projeto é pequeno. Calcula-se que R$ 5,8 bilhões ao ano para o setor público – o equivalente a menos de 5 dias de juros da dívida pública, transferidos da população brasileira ao baronato financeiro. 

A relatora da matéria, Cármen Zanotto (Cidadania-SC), ofereceu uma solução. Uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC 122/15), que já tramita, proíbe a União de criar despesas aos estados e municípios sem prever a transferência de recursos para o custeio. A PEC está no Senado, e precisa ser aprovada por maioria qualificada em dois turnos, nas duas casas. Nesse caso, a tranca da LRF seria contornada. 

E a categoria não arrefeceu. A vitória no Congresso, que foi acompanhada por um ato organizado por trabalhadores em Brasília e por profissionais Brasil afora, via internet, serviu para fortalecer a luta. Líderes acreditam que, graças a isso, a aprovação da PEC pode se dar ainda neste mês.

O PL 2564/20 fixa o salário-base de R$ 4.750 e jornada de 30 horas semanais para enfermeiras, de R$ 3.325 para as técnicas e R$ 2.375 para as auxiliares de enfermagem e parteiras. Sua aprovação foi conquistada com muita luta dos sindicatos e movimentos, e é considerada como um reconhecimento digno pelo árduo trabalho daqueles que estiveram na linha de frente durante as fases mais críticas da crise sanitária causada pela covid. São 2,6 milhões de trabalhadores espalhados pelo Brasil, entre auxiliares, técnicos, enfermeiros e parteiras. As enfermeiras são, em sua maioria, mulheres de até 40 anos, que recebem em média R$ 3.200 reais por 44 horas semanais de trabalho.

Não faltam ao Brasil recursos para financiar a Saúde”, declarou a economista Erika Aragão, do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde (ABrES). Ela propõe, em artigo publicado no site da Abrasco, um novo modelo de financiamento do SUS. “As restrições fiscais do Brasil têm caráter artificial. Resultam de uma visão, inscrita no atual arcabouço fiscal, cuja racionalidade é subtrair capacidade de ação estatal. Em outros termos, os atuais limites não são propriamente financeiros, mas políticos e cognitivos. É urgente superá-los, propondo uma nova concepção de regime fiscal apta a financiar os serviços públicos demandados pela população”, escreve.

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